segunda-feira, 1 de maio de 2017

Depoimento de um lapidador, 56 ans (Teófilo Otoni)


Depoimento de um lapidador, 56 ans (Teófilo Otoni)

“Abandonei a escola muito cedo, só estudei até o primeiro grau, então comecei a vender pedras na rua desde os 14 anos, assim como muitas outras pessoas. Depois comecei a trabalhar ao mesmo tempo como lapidador aos 16 anos e assim que consegui juntar um pouco de dinheiro, fui trabalhar sozinho. Em seguida aluguei um local perto da principal praça da cidade, onde acontecia o grosso do comércio, o que continua sendo o caso hoje em dia. De tempos em tempos dou uma volta pela praça de manhã para saber o que está acontecendo no mercado e às vezes compro algumas pedras.
(…) Eu me dedico mais ao negócio de esmeraldas. Tento me abastecer direto nas minas e vou de vez em quando em Goiás e na Bahia, mas bem menos hoje em dia, já que está mais difícil encontrar esmeraldas de boa qualidade. Na verdade, meus principais centros de abastecimento agora são Itabira e Nova Era, que são bem mais próximos. No momento trabalho em casa, no meu quintal. Lapido as pedras para dar a forma principal e depois terceirizo o facetamento e o polimento por um custo de 50 reais por pedra. Depois de lapidada, normalmente vendo a gema pelo dobro do preço que paguei por ela, mas claro que isso varia muito, pois às vezes a pedra é menos bonita do que o esperado depois de lapidada, ou então pode se quebrar no processo. O fato de fazer eu mesmo as primeiras etapas de lapidação me permite economizar um pouco de dinheiro, mas principalmente me dá a certeza de que a pessoa não vai trocar a pedra por outra parecida de menos valor depois de trabalhá-la. Isso pode acontecer porque é bastante difícil associar uma pedra bruta a uma pedra lapidada.
(…) Eu já tive alguns clientes joalheristas, principalmente um que trabalhava para Amsterdam Sauer e que vinha mais ou menos a cada três meses em Teófilo Otoni para comprar pedras comigo. Mas agora os joalheiros trabalham cada vez mais exclusivamente com as grandes empresas da região e mandam lapidar as pedras diretamente em São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte. Então viajo todo mês ou a cada dois meses para estas cidades para vender minha produção. Também costumo ir a Ouro Preto ou Brasília. Sei por experiência que as joalherias estão à procura de esmeraldas, então vou oferecer espontaneamente. Mas também acontece de eu ligar para alguns ex-clientes antes de ir. Faço negócio principalmente com brasileiros, mas também tem alguns estrangeiros, inclusive alguns chineses em Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo que chegaram a pouco tempo. No final dos anos 80 me inscrevi no Sindicato Nacional dos Garimpeiros para conseguir uma carteira provando que eu trabalhava no ramo, mas nunca renovei minha inscrição, pois a primeira carteira já é suficiente para não ter mais problemas com a polícia”
(…) Mesmo se o comércio já foi melhor, ainda está bom para mim. Minha mulher e minha filha me ajudam um pouco com as tarefas administrativas e meu sobrinho toma conta do cyber café que comprei há pouco tempo. Tenho uma outra filha que foi para a Itália, perto de Nápoles, e ela trabalha ilegalmente no setor da agricultura. Hoje está casada com um italiano e faz dois anos que começou a vender algumas pedras diretamente para joalherias napolitanas. Claro que ela precisa de uma nota fiscal para provar que a mercadoria é legal, é arriscado demais passar a fronteira sem provas e também é mais fácil para vender depois de chegar lá. Os chineses também tentam vender suas pedras, mas os italianos não confiam neles. Por outro lado, parece que agora está mais complicado fazer negócios, acho que por causa da crise que atinge a Europa, as pessoas acabam comprando menos joias. Mas imagino que seja temporário. Minha filha mais nova que mora com a gente pensa em fazer um curso de joalheria, mas eu estou velho demais para mudar de carreira agora e, de qualquer forma, isso não me interessa.”.

O comércio

16As atividades de comércio incluem o conjunto das operações ligadas à compra e venda de pedras de cor, brutas ou lapidadas, sem um objetivo de tranformação suplementar. Duas formas de comércio se destacam: a corretagem, que faz o papel intermediário entre o vendedor e o comprador em troca de um porcentagem da venda; e o comércio clássico, que consiste na compra do produto, estocá-lo e vendê-lo. Mas uma terceira forma de comércio poderia ser tambem integrada: aquela onde as próprias empresas mineradoras se encarregam de exportar diretamente sua produção, sem passar por intermediários.
Foto 11. Amostras de topázios imperiais e esmeraldas por um vendedor de rua.
Foto 11. Amostras de topázios imperiais e esmeraldas por um vendedor de rua.
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Fonte: Aurélien Reys (2013).
17Os corretores exercem suas atividades de maneira informal na rua. É na rua também que se faz contatos profissionais e se troca informações sobre o mercado. Nas zonas rurais da região são geralmente os postos de gasolina que muitas vezes servem de endereço dessas trocas comerciais, mas o local pode variar. Em Araçuaí, por exemplo, os bares atrás da estação rodoviária têm esta função. Nas maiores cidades da região, os pontos de encontro se localizam à proximidade dos centros urbanos, próximo a sedes das principais empresas mineradoras e de comércio de gemas do nordeste de Minas Gerais. Em Governador Valadares os corretores podem ser encontrados no cruzamento das ruas Peçanha e Afonso Pena, local conhecido como “esquina dos aflitos”, onde uma mesa é posta em frente a um bar e cerca de vinte pessoas se sentam sobre cadeiras de plástico encostadas a um muro que lhes faz sombra. Em Teófilo Otoni, pelo menos uma centena de comerciantes costuma ocupar a principal praça da cidade diariamente, fazendo do lugar provavelmente o maior centro de trocas informais de pedras do país. A constante presença dos corretores e a maneira desordenada e, às vezes, insistente com que abordam os raros clientes em potencial pode dar uma imagem um pouco agressiva do negócio, muitas vezes mais exagerada do que é na realidade.
Foto 12. Vendedores de pedras com suas bolsas na Praça Tiradentes em Teófilo Otoni.
Foto 12. Vendedores de pedras com suas bolsas na Praça Tiradentes em Teófilo Otoni.
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Fonte: Aurélien Reys (2012).
18Muitas vezes, atores que se apresentam como corretores podem também vender mercadorias próprias, aproximando-se do papel de comerciante clássico, mas sem loja física para exercer a profissão. A maioria deles mantém suas pedras guardadas em pochetes ou bolsas, mas há quem exponha os produtos em mesas, o que pode dar à praça de Teófilo Otoni uma imagem de feira de pedras para quem vem do exterior. Se o número de corretores perambulando na praça ainda é grande, o número de clientes estrangeiros está em constante diminuição, segundo os atores locais. Por isso, muitos vendedores de pedras passaram a ter outras profissões, como cantor de bar, pintor de prédio, etc, além daqueles que já beneficiam de uma aposentadoria. A falta de clientes faz com que uma grande parte das pedras acabe circulando apenas nas mãos dos próprios corretores. Entretanto, alguns deles percorrem o país inteiro comprando a mercadoria nas áreas rurais da região ou do nordeste do país, vendendo-a posteriormente em Teófilo Otoni, plataforma da corretagem do país, ou ainda nas grandes cidades do sudeste brasileiro.
Foto 13. Águas-marinhas espalhadas sobre uma cama de hotel de um vendedor de pedras
Foto 13. Águas-marinhas espalhadas sobre uma cama de hotel de um vendedor de pedras
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Fonte: Aurélien Reys (2013).

Depoimento de um corretor, 64 ans (Teófilo Otoni, mas originário de Itinga)

“Entrei tarde no negócio. Até meus 48 anos eu era agricultor e criador, mas um dia perdi todo meu rebanho, 80 cabeças de gado atingidos pela raiva. Neste dia perdi tudo e decidi fazer como muitos outros na região: trabalhar no garimpo. Comecei perto de Medina, em um terreno que pertencia ao meu sogro, que era um modesto agricultor, ele também. Eu equilibrava a atividade de escavação com a agricultura de subsistência e participava também de algumas atividades de corretagem, mas de maneira bem local.
(…) Um dia um conhecido meu, dono de um hotel em Itaobim, veio me dizer que um francês estava procurando pedras para comprar. Eu o coloquei em contato com as pessoas que ele procurava, nós dois simpatizamos e depois disso nos encontramos a cada três meses. Ele vem ao Brasil comprar pedras brutas para revender na França. Ele faz porta-a-porta e vai de comércio em comércio lá, pelo que me falou. Hoje ele se tornou meu principal cliente e a gente viaja pela região cada vez que ele vem aqui para comprar mercadoria a um preço melhor.
(…) Há seis anos vim morar em Teófilo Otoni para acompanhar meu filho que é funcionário público. Como minha mulher adoeceu gravemente e precisa ir regularmente ao hospital, achamos melhor virmos também. Para mim, o comércio de pedras está bem melhor agora do que quando comecei, mas meu filho me ajuda com 400 reais todos os meses (cerca de 150 euros) para colaborar com as despesas. Tenho também uma aposetadoria como agricultor. Hoje penso em talvez voltar para o garimpo em um futuro próximo. Não tenho mais condição física para cavar a terra, mas posso ser útil cozinhando ou fazendo pequenas tarefas do dia-a-dia.”
19Os comerciantes possuem geralmente um endereço formal para exercer sua atividade, apresentando-se como lojas de vendas de pedras de cor. O atrativo de uma loja é que ela tem mais chances de ter um primeiro contato com novos clientes, pois é um lugar físico e oficial que passa mais confiança para os visitantes ocasionais do que uma esqunia de rua ou praça. A loja também permite ao visitante saber onde encontrar a pessoa com quem ele manteve contato da última vez que fez negócio, e é principalmente uma vitrine para o comerciante, já que as pedras expostas geralmente representam apenas uma ínfima parte dos produtos estocados. Os proprietários deste tipo de comércio muitas vezes trabalham com outras atividades relacionadas, como a mineração, a lapidação ou a venda à distância pela internet, por exemplo. Alguns deles também estão implicados no comércio de minerais industriais.
Foto 14. Estoques de pedras de coleção de comércio, com quartzos fumê em primeiro plano.
Fonte: Aurélien Reys (2012).
20Em Teófilo Otoni existe uma estrura comercial original e relativamente organizada, em formato de galeria, composta por cerca de vinte pequenas lojas: a galeria da Associação dos Corretores e Comerciantes de Pedras Preciosas, mais conhecida localmente pelo acrônico ACCOMPEDRAS. Construído no início dos anos 90 com a ajuda das autoridades locais, o lugar foi concebido na sua origem para oferecer a alguns corretores que trabalhavam na praça um ponto “formal” de venda. Algumas lojas mudaram de dono e é possível achar hoje proprietários em situações diversas - do corretor que consegue a maior parte de seu lucro graça às comissões, até pequenas empresas que vendem pela internet. Alguns investem parte de seus lucros em atividades de garimpo, onde viram sócios.
Foto 15. Entrada da galeria ACCOMPEDRAS em Teófilo Otoni.
Foto 15. Entrada da galeria ACCOMPEDRAS em Teófilo Otoni.
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Fonte: Aurélien Reys(2012).
21Por último, certos pontos de comércio aparecem na forma de escritórios. Normalmente escritórios de empresas mineradoras possuem explorações à proximidade e têm a função de cuidar da parte administrativa. De uma forma ou de outra acabam filtrando pessoas indesejáveis – a maior parte dos corretores –, se dedicando exclusivamente àqueles que interessam mais – geralmente clientes ricos. Tal filtragem é possível por causa de uma entrada com um importante sistema de segurança. Há clientes brasileiros, mas a maior parte dos produtos é exportada para outros países e os negócios fechados cada vez mais frequentemente à distância. Muitas destas empresas, realizam parte de seus negócios em feiras internacionais estrangeiras, geralmente nos Estados Unidos (Tucson) ou em Hong-Kong (três feiras anuais), às vezes na China (Shangai) ou na Europa (Munique, Sainte-Marie-aux-Mines). Bem mais raramente, para não dizer nunca, participam das feiras organizadas no Brasil (São Paulo, Soledade, Teófilo Otoni, e às vezes Governador Valadares), cujo alcance é sobretudo nacional, apesar das propagandas locais

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