sábado, 28 de outubro de 2017

O que dá para aprender com Lautrec, Munch, Van Gogh e Winehouse?

 O que as pinturas de Van Gogh, Toulousse-Lautrec e Edvard Munch têm em comum com a música de Amy Winehouse? Genialidade, poderia-se pensar logo de cara. Para a psiquiatria, porém, são biografias recheadas de elementos fascinantes sobre o que se deve e o que não se deve fazer no tratamento das dependências.

Todos os quatro artistas tiveram infâncias problemáticas no que se refere a carências afetivas e doenças ou transtornos negligenciados. Buracos que, no decorrer de suas vidas, foram preenchidos por bebidas, drogas ilícitas e comportamentos, muitas vezes, promíscuos, algumas vezes glamourizados pelo brilhantismo de suas obras e o uso de entorpecentes.

“Quanto mais eu estudava sobre Amy, mais apaixonada e dolorida eu ficava. Quando ela morreu, aos 27 anos, as pessoas ficavam se perguntando: como é que uma menina de classe média, talentosa, bem-nascida, chegou a esse ponto?”, lembra a psiquiatra Analice Giglioti, do Rio de Janeiro, especialista em dependências químicas, que falou sobre a artista no Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em São Paulo.

Analice avalia que Amy já apresentava, desde pequena, sinais claros da síndrome de borderline, também conhecida como transtorno da personalidade limítrofe, quadro agravado pelo uso abusivo de drogas a partir de seus 22, 23 anos.

Comorbidade. O que foi ignorado no caso de Amy e, há quase dois séculos, nos três pintores expressionistas citados acima é o que costuma ser negligenciado também hoje na abordagem das dependências: a comorbidade, que é a presença de outros quadros de transtornos que podem causar sofrimento, tornar propensas as adicções e agravar seus problemas. “Quase 80% das dependências cursam com comorbidades que, se não forem detectadas, fazem com que o tratamento tenha um prognóstico muito ruim”, afirma a psiquiatra Ana Cecília Marques, que falou sobre o caso de Van Gogh no seminário.

Sofrimento. De volta à Amy, começando por sua infância. Nas definições do pai, Mitch Winehouse, criança nenhuma gritava tanto quanto ela. A própria cantora, tempos depois, disse que sempre gritou muito porque nunca era ouvida em casa. Foi expulsa de todos os colégios por mau comportamento.

Sua mãe, Janis, tinha como lema não reprimir a filha, pois não queria repetir com ela a rigidez de seus pais. A avó era a única que controlava Amy. Em uma festa em que a artista se embriagou aos 14 anos, disse: “Essa menina é alcoólatra”.

Antes disso, sinais de transtornos alimentares. Nada foi feito. A mãe adoeceu, a avó morreu de câncer. Veio a fama, e o pai sumido após o divórcio se reaproximou para gerenciar seu dinheiro.

O relacionamento turbulento com Blake Civil foi sua ponte para drogas pesadas como heroína e crack – bebida e maconha sempre foram rotina. Eles romperam, e ela compôs o disco “Back to Black”.

Sem tratamento. Posteriormente, Amy acabou sendo internada várias vezes, mas drogas chegavam às clínicas, e ela nunca passou 90 dias seguidos em nenhum tratamento. Em uma das internações, os médicos acharam em sua corrente sanguínea álcool, maconha, cocaína, heroína, crack e quetamina (medicamento que produz sedação).

“Cercada por parasitas e paparazzis, ela morreu de intoxicação alcoólica aos 27 anos, com um nível de álcool de sangue cinco vezes maior do que o tolerável”, lembra a médica.


A curta vida de Vicent Van Gogh

Filho de uma família tradicional na Holanda, desde muito pequeno Vincent Van Gogh se mostrava perspicaz, falava várias línguas, mas se relacionava muito pouco. Seu irmão mais novo, Theo, era seu único amigo. Só quando ele foi morar em Paris, aos 34 anos, despertou-se sua sensibilidade para a pintura, herdada da mãe. “Até então não tinha nenhum contato com droga ou bebida, mas começou a ser influenciado por amigos, entre eles, o próprio Toulouse-Lautrec, e passou a beber”, relata a psiquiatra Analice Giglioti.

Na época, o absinto era a bebida da moda entre os artistas. Vale lembrar seu teor alcoólico próximo de 90% e, com isso, seu poder de provocar alucinações. “Ele tem 860 quadros, mas, vivo, conseguiu vender apenas um. Só se relacionava com prostitutas”, conta Analice.

Outros sintomas. Estudos mostraram que o pintor apresentava sintomas de outras doenças que, junto com o efeito crônico do álcool, contribuíram para sua morte precoce, aos 37 anos, em 1890 – há dúvidas de que tenha suicidado-se ou sido assassinado em uma situação envolvendo bebida.

“Há alguns relatos de que Van Gogh teria alguma lesão neurológica primária que faria com que ele apresentasse, antes do absinto, tremores leves nas mãos”, disse a psiquiatra Ana Cecília. A partir do momento em que usa a bebida, começa a ter convulsões. Nada disso foi percebido na infância, diz a médica, quando havia relatos de introspecção.

Outras investigações apontaram a existência possível de um transtorno bipolar, diz a psiquiatra. Nessa fase ele chega a cortar a própria orelha e a envia para sua prostituta favorita. Foi então internado, após ela chamar a polícia. Foi a primeira de várias internações, sem sucesso.

Fonte: O Tempo


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