EUA vs China: Como será a vida após a Guerra Comercial?
Por Marink Martins, do MyVOL e autor da newsletter Global Pass
Durante a tarde desta sexta-feira, dia 15/3, tive o imenso prazer de participar de um encontro especial a convite da Gavekal Dragonomics – casa de pesquisa especializada em China – onde seu economista chefe, Arthur Kroeber, discursou para um seleto grupo sobre o que ele espera do iminente acordo entre os EUA e a China.
Aqueles que me acompanham através do myvol.com.br, naturalmente, já estão familiarizados com o Kroeber e sabem muito bem que, desde o início das tensões comerciais entre os dois gigantes, ele interpreta tal evento como uma guerra de exaustão (“war of attrition”).
Antes de entrar em detalhes sobre os principais pontos discutidos neste encontro, vale ressaltar que Kroeber é americano e um dos maiores conhecedores da economia chinesa. Possui residências em Nova York e em Pequim. Nesta tarde, entretanto, me confessou estar passando mais tempo em Nova York e indo a Washington sempre que possível.
Em suas recentes visitas à capital americana, ele se mostrou surpreso com a frequência com a qual representantes do governo americano se referiam as tensões sino-americanas como uma guerra fria.
Para ele tal classificação não é só incorreta, mas também perigosa. Em sua opinião as relações sino-americanas envolvem uma integração das cadeias de produção que faz com que não haja nada em comum com aquelas tensões vividas na época da União Soviética.
Explorando o tema principal do encontro, Kroeber nos disse que chegamos a um ponto onde tanto Donald Trump como Xi Jinping necessitam chegar a um acordo onde ambos possam se declarar vitoriosos diante de suas respectivas bases.
Para Trump isso representa uma oportunidade de reforçar a sua imagem de grande negociador e ao mesmo tempo dar um empurrão para cima no mercado de ações, que o próprio presidente heroicamente parece ter eleito como uma espécie de barômetro para avaliação de seu êxito como governante.
Aqui aproveito para fazer uma digressão e mencionar a entrevista concedida pelo ex-assessor econômico de Trump, Gary Cohn, ao podcast Freakonomics (publicada na quarta-feira, 13/3), onde ele reitera esta tese de dependência entre a popularidade de Trump e o comportamento do índice S&P 500. Escrevi sobre isso ontem no MyVOL.
De volta a reunião com Kroeber — ele nos diz que uma conclamação de vitória por Xi Jinpin tomaria a forma de um comunicado ao partido comunista chinês de que o país deverá ceder pouco aos americanos e que tanto os projetos Belt & Road como Made in China 2025 (MIC2025) devem proceder conforme planejados. Vale ressaltar que Xi vem sofrendo pressões internas de seu partido que o acusa de ter provocado a ira dos americanos ao anunciar planos demasiadamente ambiciosos de retomada da hegemonia chinesa.
Assim, o mais provável é vermos uma vitória comercial norte-americana onde os chineses se comprometem em elevar substancialmente as importações de produtos agrícolas e industriais. Com isso, o imenso deficit comercial norte-americano tende a cair ao mesmo tempo em que as tarifas impostas por Trump tendem a ser reduzidas gradualmente na medida em que as chineses honrem com os seus devidos compromissos.
Já na frente monetária, Trump, mais uma vez, irá “cantar vitória” ao dizer que os chineses se comprometerão em não promover desvalorizações cambiais com o intuito comercial. Algo que Kroeber classifica como irônico pelo fato de que, em sua opinião, os chineses nunca aderiram a tal prática. Para os chineses, que contam com o luxo de uma visão de mais longo prazo, manter a sua moeda mais forte é algo de interesse nacional pois contribui para a internacionalização do remimbi.
Aonde a situação torna-se mais tensa diz respeito a frente tecnológica. É justamente nesta área onde os chineses devem se sair bem. Neste caso a vitória toma uma forma de continuidade do projeto MIC2025, com algumas concessões que satisfaçam os “trade Hawks” americanos, mas que não inviabilizem o tão importante projeto chinês.
Dito tudo isso, há inúmeras incertezas no ar. Hoje, sabe-se pelo já ocorrido com as empresas chinesas ZTE e Fujian Jinhua que os americanos tem o poder de, em um curto espaço de tempo (48 horas), aniquilar qualquer empresa de tecnologia chinesa que dependa de matéria prima norte-americana para compor seu produto final.
Sendo assim, o tema “Export Ban” (proibição a exportações) passará a desempenhar o papel de uma espada de Dâmocles nas futuras relações comerciais entre os dois países. Kroeber chega a mencionar 3 possibilidades; começando por uma proibição mais branda e caminhando até uma bem mais rígida, onde as próprias empresas americanas podem ser negativamente afetadas em seu dia a dia.
Ainda sobre o tema, ele chegou a mencionar sobre a possibilidade de que os EUA exijam que seus parceiros comerciais, como a Alemanha, venham a aderir as políticas estabelecidas por Washington. Neste momento, Arthur Kroeber deixou claro que transitamos de um período de ampla globalização, com cadeias de produção integradas, para um de maior fragmentação global.
Quanto ao caso Huawei, ele se mostrou cético com relação a uma solução de curto prazo.
Sobre a possibilidade de que boa parte da produção chinesa seja transferida para o Vietnam – uma das minhas dúvidas – ele nos diz que isso só deverá ocorrer de forma pontual, na margem. Complementa afirmando que as condições na China são bem mais convidativas, tanto no aspecto tecnológico como no de qualificação pessoal. Além disso, vale lembrar que o objetivo final dos produtores é acessar o vasto mercado consumidor chinês.
Discursando sobre a situação econômica chinesa, o pesquisador afirmou que a China atingiu o seu potencial exportador no que diz respeito a quantidade de produtos exportados. Resta agora o desafio de agregar valor a exportação. Daí a importância do projeto Made in China 2025 destinado a alçar o país a uma nova era tecnológica com foco em um maior uso de inteligência artificial que irá gerar maiores ganhos de produtividade.
Kroeber deu destaque a desafios envolvendo o enorme endividamento do país assim como aqueles associados a fatores demográficos.
Quanto ao primeiro item, diz ele que mais importante do que o montante da dívida, está um processo de má utilização dos recursos. Diz ele que o setor público, composto pelas famosas State Owned Enterprizes (SOEs), é responsável por 2/3 do endividamento, gerando somente 1/3 de contribuição para o PIB. Já o setor privado, com 1/3 do endividamento, contribui com os outros 2/3 para o PIB. O desafio está em dar continuidade a migração para o setor privado – movimento este que fora interrompido nos últimos anos.
Já no tema demográfico, Kroeber diz que o desafio é enorme pois a taxa de envelhecimento da China é mais acelerada do que aquela vista no Japão.
Em eventos deste calibre, o melhor é sempre a sessão de perguntas e respostas. Para não me exceder no tamanho do texto, convido você a visitar a área de Tendências Globais do www.myvol.com.br onde vou disponibilizar um post explorando alguns dos temas discutidos. Não preciso dizer que as perguntas foram feitas pelas mentes mais brilhantes deste país que estavam presentes neste evento.
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