
Draga para sucção de ouro do fundo do rio, operada por chineses. Flagrante de((o))ecoamazonia impressionou governo peruano.
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Uma foto postada numa lista de discussão
na internet fez com que o Ministro de Meio Ambiente do Peru entrasse em
contato comigo para pedir informações. Não era uma imagem qualquer. Uma
enorme draga de propriedade de chineses estava em operação nos garimpos
de Madre de Dios, onde há um ano o governo tentou incentivar que
mineradores informais regularizassem suas atividades. A minha foto
surpreendeu o ministro. Poucos dias depois de tê-la visto, uma
verdadeira operação de guerra, envolvendo mais de 1.500 soldados da
Marinha, foi organizada em Madre de Dios e destruiu todos os
equipamentos dos chineses.
Assim que tomou conhecimento das dragas de grande capacidade que extraíam ouro nos rios de Madre de Dios,
o ministro Antonio Brack declarou, em entrevista exclusiva, que “a
situação cada dia se torna mais incontrolável, o que requer apoio e
ajuda de várias frentes para solucioná-la definitivamente. É um processo
de médio e longo prazo, e que deve ser constante. Mas vale recordar que
em outros países foram usadas as Forças Armadas, ou seja, o Exército,
para freá-la”, disse o ministro. Dito e feito. A ação aconteceu logo
após a promulgação, no dia 18 de fevereiro, de um decreto de urgência do
Executivo peruano que permite o controle da mineração informal pelas
Forças Armadas e a Polícia Nacional.
Na noite do dia 20 de fevereiro, recebi um email do assessor do ministro
Brack, dizendo: “Não sei você acompanhou as últimas notícias. Mas muito
obrigado por tudo, acho que sua foto da draga ajudou muito a se tomarem
decisões no Conselho de Ministros. Finalmente se realizam ações concretas”.
Como tudo começou
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A foto que mobilizou o governo peruano
numa ação enérgica contra os garimpeiros chineses foi um dos resultados
de uma viagem que costumo fazer para a região de Madre de Dios. Mais
uma vez, tinha sido incumbida de levar jornalistas estrangeiros às áreas
de extração de ouro ilegal do entorno da rodovia Interoceânica Sul.
Para a equipe da televisão sueca, a viagem era a chance de retratar pela
primeira vez a situação alarmante desta parte da floresta amazônica.
Para mim, a oportunidade de voltar aos garimpos do Sul do Peru, um ano
após a promulgação do decreto de urgência que visa formalizar a
atividade aurífera no departamento de Madre de Dios.
Na manhã de 31 de janeiro deste ano, estávamos no escritório da
Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes (Fenamad), na capital
de Puerto Maldonado, à espera
da professora e líder indígena haramkbut Márcia Tije. O plano era
viajarmos até a sua comunidade para que ela pudesse explicar a
conflituosa relação entre nativos e garimpeiros que chegam à região em busca de ouro há muitas décadas.
Nas tentativas dos governos em formalizar a atividade no departamento ao
longo dos anos, produziu-se uma situação complexa: a sobreposição de
concessões minerais em terras indígenas. Assentamentos ilegais também
sempre ultrapassaram as fronteiras dos territórios demarcados para os
índios. Os nativos ora enfrentam os invasores, ora se associam a eles.
Márcia chegou à Fenamad e disse que não nos acompanharia mais porque
tinha que se reunir com a assessoria legal para saber como proceder
juridicamente na mais nova invasão ocorrida na terra do seu povo. Há
dois meses, garimpeiros vindos da China começaram a construir duas
milionárias dragas para obtenção do valioso metal sem autorização da
maioria dos membros da comunidade. “Meu filho vai agora para vocês verem
com seus próprios olhos e gravarem. Acabo a reunião e os alcanço mais
tarde”.
Desastre, ameaça, e uma história escondida
Partimos rumo à Comunidade Nativa Arazaire, a 163 quilômetros de Puerto
Maldonado. No caminho, os acampamentos garimpeiros que se formaram à
beira da estrada durante a obra de asfaltamento da Interoceânica Sul,
iniciada em 2006, foram filmadas primeiro da janela do carro. Tínhamos
que decidir o lugar estratégico onde pararíamos para tentar entrevistas.
A chuva também não parava.
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Nos KMs 98, 100, 102, cenário de
abandono. Barracas à base de lona e paus, que hospedavam o comércio de
insumos para mineração, cantinas e prostíbulos, foram deixadas para
trás. O ouro acabou, sobrou o deserto. O movimento agora é nas margens
dos KMs 108, 110, e principalmente no KM 115, onde os garimpeiros
ilegais entram de moto por uma trilha de uma hora até chegar à bacia do
Rio Malinowski, na zona de amortecimento da Reserva Nacional Tambopata e
do Parque Nacional Bahuaja Sonene.
“Os chineses também estão tirando ouro aí”, conta Duberli Araoz Tije, o
filho de 23 anos da professora Márcia. Na Comunidade Nativa Kotzimba,
formada por indígenas e colonos, o presidente se associou aos cidadãos
chinenes no negócio ilegal instalado bem próximo dos limites das duas
áreas naturais protegidas - uma das zonas com maior biodiversidade do
Amazônia.
Quando acabou a tempestade, paramos no KM 108. Duberli preferiu não
descer. Como é local, ficou receoso em acompanhar nossa equipe de
reportagem e depois sofrer algum tipo de retaliação. Apesar do clima
tenso, conseguimos depoimentos e imagens. Perguntei ao repórter Lars
Moberg sobre suas impressões da situação. “Um desastre para o meio
ambiente do Peru. Uma verdadeira ameaça aos povos indígenas de Madre de
Dios. Uma história ainda escondida”.
Los chinos em Arazaire
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“Olhem, as retroescavadeiras estão
entrando!”, apontou o jovem Tije, enquanto conversávamos na manhã do dia
seguinte, e, finalmente, em Arazaire. Os suecos correram para capturar a
imagem. Eu continuei escutando a história. “Invadiram nossa casa
comunal, e armaram um acampamento próximo ao rio Inambari, onde estão
trabalhando”, explicou Márcia, convocando toda sua família para
seguirmos a trilha ao encontro dos chineses.
Vinte minutos de caminhada foram suficientes para vermos e gravarmos a
tragédia ambiental anunciada. Desde fevereiro de 2010, o decreto de
urgência 02-2010 proíbe a operação das dragas, que aspiram o fundo dos
rios para obtenção do ouro. Mas duas embarcações altamente mecanizadas
estão sendo construídas na comunidade a todo o vapor.
Nossa tentativa de comunicação com os chineses não teve sucesso. Eles
não falam castelhano. Mas os trabalhadores peruanos contratados por eles
disseram que cada uma das dragas custa um milhão de dólares.
Os nativos sentem que o perigo está muito próximo, pois já viveram uma
experiência mal sucedida com asiáticos. A Comunidade Nativa Arazaire
manteve um acordo com mineradores coreanos em troca de royalties em
2000. Depois viu que a experiência não trouxe benefícios, e desalojou a
empresa Pekosac, com o apoio da Fenamad.
Hoje, o caso é outro: os chineses entraram a convite de duas pessoas que
têm suas concessões minerárias sobrepostas ao território indígena, e
que são casadas com ex-membros da comunidade. “Não autorizamos a
transferência da concessão para terceiros, apenas para que desenvolvam
pessoalmente a atividade. Não existe nenhum documento que autorize a
entrada deles aqui”, explicou Márcia, a atual presidente de Arazaire.
Situação incontrolável
Com as fotos da draga chinesa, procurei Oscar Guadalupe, sociólogo da
Associação Huarayo, para conversar sobre a situação em Madre de Dios. No
último dia 5 de fevereiro, foi promulgado o Decreto de Urgência
04-2011, que amplia o prazo de implantação do D.U. 02-2010 por mais 12
meses.
“O decreto de urgência suspendeu temporariamente as solicitações de
lavra e nada mais. A atividade foi intensificada pela ação da mineração
informal”, explicou Guadalupe, que se impressionou com as imagens e
disse que nunca viu uma draga como a dos chineses em Arazaire.
Na Fenamad, a advogada Marleni Canales explicou que inicialmente o
movimento indígena de Madre de Dios buscou como estratégia de proteção
territorial recomendar ao Estado que as comunidades nativas tenham
direitos preferenciais na hora de solicitar concessões de lavra mineral
e, assim, impedir que outros o explorem. “No entanto, nos últimos
tempos, os conflitos estão aumentando, e as concessões pertencentes aos
indígenas estão gradualmente mudando de mãos, e chegando a terceiros”.
Em 12 de fevereiro, uma delegação da Fenamad acompanhou os integrantes
da Comunidade Nativa Arazaire até o acampamento dos chineses. Com
algumas dificuldades idiomáticas, foi possível dialogar e esclarecer que
eles precisam da autorização de 2/3 da comunidade para explorar o ouro.
Uma próxima reunião foi agendada. A comunidade comunicará se é contra
ou a favor da presença dos garimpeiros estrangeiros. Márcia Tije me
explicou por telefone: “Agora vamos nos reunir internamente, pois ainda
não temos uma posição clara”.
Operação de guerra

Para acabar com os garimpos ilegais, é preciso varrer a corrupção
O
ambientalista peruano Antonio Brack é o primeiro Ministro do Meio
Ambiente do Peru. Desde maio de 2008, tem a difícil missão de combater a
exploração ilegal de ouro Madre de Dios, que se iniciou há mais de 50
anos. Atualmente, lidera o processo de formalização da atividade com
associações de mineradores artesanais, além de levar o tema para a
política nacional. Um ano após o Decreto de Urgência 012-2010, que
suspende as solicitações de lavra em Madre de Dios, e que proíbe a
operação das dragas, Brack fala a ((o))ecoamazonia com exclusividade.
Leia a entrevista completa aqui. |
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Nesta semana, o Ministro do Meio Ambiente, Antonio Brack, explicou à
imprensa peruana
que a operação contra as dragas de Madre de Dios, dirigida por ele, em
parceria com os ministros de Defesa, Jaime Thorne, e do Interior, Miguel
Hidalg, foi executada para zelar pela saúde e o futuro do departamento:
“A mineração informal não somente polui a água e o solo com mercúrio,
como também gera escravidão e exploração sexual”. Lembrando que os
garimpeiros tiveram um ano para ser formalizar, Brack declarou: “agora
se fará respeitar a lei”.
O ministro Thorne anunciou que nas próximas três semanas haverá
intervenção em 250 embarcações menores utilizadas para a atividade
ilegal. Até o fechamento desta matéria, 19 dragas tinham sido destruídas
com o apoio das Forças Armadas. Segundo o DICAPI (Dirección General de
Capitanias y Guardacostas), a embarcação construída pelos chineses na
Comunidade Nativa Arazaire foi aniquilada. Para impedir o retorno dos
garimpeiros, um contingente militar vigiará de forma permanente as áreas
onde a operação foi realizada.
O atual presidente regional de Madre de Dios, Luis Aguirre Pastor,
criticou a ação militar e disse que ela não foi coordenada com o seu
escritório. Também alertou para as possíveis revoltas sociais que
poderão surgir em resposta à intervenção nos próximos dias. Segundo a
Superintendência Nacional de Administração Tributária do Peru, 80 mil
pessoas vivem diretamente da mineração informal no país.