sábado, 1 de março de 2014

Trabalhadores que viviam da extração de cristais criam o tesouro verde do Brasil

Trabalhadores que viviam da extração de cristais criam o tesouro verde do Brasil

Cristalina é privilegiada, com mais de 250 rios, córregos e nascentes. Com muita água correndo por todos os cantos, foi possível fazer brotar nessas terras alimento o ano todo.

A primeira vista, um município como tantos outros. Mas não se engane, essa é uma terra de sonhos.
Solo fértil, de onde já brotaram cristais. Riqueza que deu fama e nome a cidade: Cristalina, no Planalto Central, em Goiás.
Mas os cristais deram lugar a um novo tesouro, que mudou a paisagem e impulsiona a economia: o agronegócio. Hoje, Cristalina é o maior pib agrícola do país.
Segundo o IBGE, a agricultura de Cristalina movimenta R$ 1,3 bilhão.
A região é privilegiada, com mais de 250 rios, córregos e nascentes. Com muita água correndo por todos os cantos, foi possível fazer brotar nessas terras alimento o ano todo. Os agricultores de Cristalina cultivam 34 tipos diferentes de lavoura.
De milho a soja. De cenoura a batata. Plantações a perder de vista. E que abriram novos horizontes para quem vivia do garimpo.
Olhar cuidadoso de uma mulher que passou a vida inteira procurando pedras preciosas, mas foi na lavoura do café, que Aparecida está garimpando a vida que sempre quis ter.
Aparecida
Globo Repórter: O que mudou na sua vida entre do garimpo agora pra trabalhar aqui na lavoura?
Aparecida Marques de Araújo, trabalhadora rural: Eu pude comprar as minhas coisas com mais facilidade, porque antes eu não podia, eu ganhava pouco, no garimpo.
Carlita lembra que o garimpo era uma aventura.
“Você ganhava R$ 10 e corria o risco de cair num buraco, quebrar uma perna”, conta Carlita Santana Souza, trabalhadora rural.
Foi na lavoura que ela conseguiu colher muitas preciosidades. Com emprego fixo e contracheque, Carlita conquistou junto com o marido, Francisco, o que antes parecia impossível: a casa própria.
Isael também mudou de endereço e de vida. Ele começou na roça. Hoje trabalha na oficina da indústria do beneficiamento de batatas. E não se arrepende de ter deixado o interior de São Paulo há 15 anos.
Globo Repórter: Mas não deu aquele medo de pensar nossa é um lugar longe?
Isael Nunes de Oliveira, técnico em manutenção de máquinas: Medo não. A gente pensou mais na condição de poder melhorar de vida. E melhorou.
Isael mostra orgulhoso a casa que comprou há cerca de um ano e meio.
Globo Repórter: Como é entrar na sua própria casa?
Isael: Sempre com o pé direito, porque com o pé esquerdo a gente deixa o aluguel e o pé direito a gente deixa pra casa própria. Tem o computador, tem a televisãozinha razoável, aparelho de som, o sofá não é dos ricos, mas serve pra gente se abrigar.
A procura pela casa própria aqueceu o mercado imobiliário. Na cidade e no campo.
Luciano acompanhou de perto o crescimento de Cristalina. Trabalhou na lavoura, antes de se tornar um bem sucedido corretor.
“Eu já tinha uma certa inclinação pra mexer com venda e aconteceu. Eu não esperava que fosse tão rápido o resultado. Vim de uma família muito humilde. Me considero um cara vitorioso sim”, revela Luciano Botelho, corretor de imóveis.
A família Figueiredo foi visionária. Eles vieram do Paraná na década de 80 para desbravar uma região selvagem.
“Quando meu pai chegou, uma região totalmente pra ser descoberta, totalmente pra fazer tudo. Nunca se imaginava as coisas que hoje acontecem”, conta Reinaldo Figueiredo, fazendeiro.
Os irmãos Reinaldo e Reginaldo chegaram a duvidar que os negócios teriam futuro.
“No início, eu achei que não ia dar certo. A gente precisava de um parafuso, tem que andar 300 km até Goiânia atrás de um parafuso”, lembra Reginaldo Figueiredo, fazendeiro.
Mas deu tão certo que os irmãos começam a inovar. Além da lavoura apostaram na produção de leite.
Os irmãos investiram no conforto para mimar as vacas. Elas retribuem com carinho e com a maior produção de leite em todo o estado de Goiás.
É ou não é uma terra próspera para plantar sonhos?

Operação destrói balsas usadas no garimpo em área Yanomami, em RR




Operação destrói balsas usadas no garimpo em área Yanomami, em RR

Ação para combater garimpo teve apoio das Polícias Federal e Militar.
Operação ocorreu a 130 quilômetros às margens do rio Uraricoera.


Balsas foram destruídas e afundadas (Foto: Divulgação: Funai/Frente de Proteção Etinoambiental Yanomami Yekuana)Balsas foram destruídas e afundadas (Foto: Divulgação: Funai/Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami Yekuana)
A operação 'Korekorema' iniciada na última quinta-feira (6), em Roraima, para combater o garimpo ilegal na reserva indígena Yanomami, destruiu 20 balsas e uma pista clandestina para pouso e decolagem de aviões. A ação se concentrou no município de Amajari, onde foi construída a base de estratégia, às margens do rio Uraricoera, localizado a 150 quilômetros ao norte de Boa Vista. No território, vivem 25 mil índios.
Polícia Federal, Companhia Independente de Policiamento Ambiental (Cipa), Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e Força Tática da Polícia Militar, servidores da Funai, além de indígenas Yanomami, que foram guias no trajeto, participaram da operação 'Korekorema', que significa 'panela velha' no idioma Yanomami.
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De acordo com João Catalano, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye'kuana (FPEYY),  uma base para pôr em prática a ação foi montada por causa da dificuldade de se fazer fiscalização no rio Uraricoera.
"Um centro de apoio foi instalado para fazermos o planejamento. Na última operação da qual participamos, havia 60 balsas. Esse número foi reduzido, em razão de outras operações já realizadas, para 25 balsas que encontramos nessa última ação. Todas foram destruídas e afundadas, o que já estava previsto", esclareceu Catalano.
De acordo com ele, uma pista foi destruída pela segunda vez e um buraco de quatro metros de profundidade foi cavado à mão. Dessa forma, os garimpeiros ficarão sem suprimentos.
"Alguns que ainda estão escondidos lá [reserva indígena] vão se entregar. Eles teriam até o dia 15 de janeiro deste ano para sair pacificamente. Quem for encontrado com material de garimpo ou praticando atividades ilícitas na terra indígena será autuado, preso e encaminhado à Polícia Federal", assegurou, acrescentando que, até o momento, ninguém foi detido.
Garimpeiros abandonaram reserva yanomami após chegada da operação (Foto: Divulgação: Funai/Frente de Proteção Etinoambiental Yanomami Yekuana)Garimpeiros abandonaram reserva
Yanomami após chegada das equipes
(Divulgação: Funai/Frente de Proteção
Etnoambiental Yanomami Yekuana)
"Nosso objetivo não era prender ninguém. Nós íamos à área indígena para resgatar os garimpeiros, pois muitos são enganados, o que acaba configurando um trabalho análogo ao de escravo.

Quem recebeu o nosso 'recado' saiu da terra indígena", afirmou. Catalano acredita que a maioria dos garimpeiros abandonou a reserva indígena, mas antes de deixar o local, o grupo escondeu o restante dos maquinários para extração do ouro.
Parte do garimpo desativado
Ele disse ainda que no local onde ocorreu a operação não há mais exploração de garimpo.
"Da base que montamos no rio Uraricoera até a cachoeira Wakais, que fica a 130 quilômetros do nosso ponto de apoio, conseguimos desativar essa atividade ilegal com o suporte das Polícias Federal e Militar que disponibilizaram efetivo durante dois anos. Mas continuaremos agindo em conjunto. Não podemos afirmar que o garimpo na área Yanomami acabou", disse.
Ele ressaltou que o garimpo ilegal vai além da questão indígena. O  meio ambiente sofre. "Assoreamento é uma consequência que afeta diretamente o rio. Os índios reclamam que não dá mais para tomar água e os peixes estão morrendo devido ao uso do mercúrio.
Ano passado, foram realizadas quatro operações para combater a garimpagem, inclusive com prisões e explosões de pistas.

Polícia Militar
Pelo menos 12 policiais militares estão participando da 'Korekorema', de acordo a assessoria da instituição. Ainda de acordo com a PM, a operação deve durar 30 dias e será dividida em duas turmas. Oito aeronaves foram disponibilizadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para dar apoio aos policiais, que foram solicitados pela Funai e autorizados pelo governo do estado.
Segundo o coronel Edison Prola, comandante-geral da PM, durante a missão os policiais também devem promover a reocupação de uma base da Funai tomada por garimpeiros na região do Apiaú.

“Mesmo se tratando de um órgão federal e em uma situação em que a atuação seria do Exército ou da Polícia Federal, a Funai nos solicitou", disse.

Conheça a brasileira que viveu vestida de homem entre garimpeiros

Conheça a brasileira que viveu vestida de homem entre garimpeiros

No município de Curionópolis, no sudeste do Pará, começou a história de vida da enfermeira Idelzuite Fontes. Quando jovem foi proibida de trabalhar.


Globo Repórter Amazonia 3 (Foto: Rede Globo)
No município de Curionópolis, no sudeste do Pará, começou a história de vida da enfermeira Idelzuite Fontes. Quando jovem foi proibida de trabalhar.
“A única forma que eu encontrei foi me vestir de homem e todos os trajes de homem. O meu disfarce era boné, o bigode postiço e calça comprida, sempre gostei de calça, camisa. Fiquei assim 8 meses”, contou Idelzuite Fontes.
Idelzuite viveu um dos momentos mais ricos e também trágicos da história de milhares de Brasileiros. Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo. Mais de 80 mil trabalhadores vieram pra cá.

“Se eu trabalhasse à noite todinha limpando ouro, eles me pagavam a quantia de 8 a 10 gramas de ouro”, disse Zaqueu Ferreira Neto, ex-garimpeiro.
O complexo mineral foi descoberto na década de 70. O documentarista inglês Adrian Cowell filmou por mais de dez anos os milhares de corpos recobertos de barro da cabeça aos pés.
Picaretas na mão, homens vindos do Ceará, do Pernambuco, do Maranhão, de todos os cantos do país enxergavam lá uma chance de melhorar de vida .
“E a senhora conseguiu ganhar dinheiro em serra pelada?”, perguntou a repórter Daniela Assayag.
“Eu não cheguei porque quando estava perto, perto mesmo, próximo de eu pegar bastante ouro, foi a época que o garimpo fechou”, disse Idelzuite.

O formigueiro humano ficou para trás, histórias de vida enterradas. No lugar onde funcionava o garimpo, agora é um imenso lago que toma conta da paisagem. Os barrancos ficaram submersos. Não existe mais a corrida pelo ouro, mas essa região continua rica em minérios. Uma associação de 38 mil garimpeiros hoje é dona desse lugar.
Idelzuite agora trabalha como enfermeira. Mas nunca esqueceu da vida no garimpo. “Eu vi trabalho, eu vi escravidão, eu vi brigas”, contou.
E muitas tragédias. Cerca de 50 pessoas morriam por ano nas avalanches de terra.
“Eu cheguei a ver um garimpeiro soterrado com as mãos pra cima, e ele morreu. Foi uma cena assim que eu nunca vou esquecer é como se eu tivesse vendo sempre”, disse Idelzuite.
“E a senhora nunca teve medo disso acontecer com a senhora quando a senhora estava lá?”, questionou a repórter.
“Você teme, todo mundo teme a morte, mas aquele medo, medo de morrer nunca tive”, respondeu Idelzuite.
A última pepita de ouro foi retirada de lá em 1992. A partir daí os trabalhadores passaram a viver de bicos. E até hoje é assim. A famosa vila de Serra Pelada ainda existe. São cerca de sete mil moradores em centenas de barracos, quase todos de madeira. As ruas não têm calçamento. Não existe rede pública de iluminação. A luz é clandestina. A água não recebe tratamento.
O fundo do lago, a mais de cem metros de profundidade, está cheio de mercúrio, que era usado para garimpar o ouro. A paisagem é bonita, mas ninguém pode tomar banho ou beber água. Foi a herança que ficou para os moradores da vila de serra pelada.
“Essa água não serve pra nada. Essa água pra gente, pelo nosso entendimento, ela está poluída, jamais, a gente sequer põe os pés dentro”, afirmou uma mulher.
De olho nos negócios, os 38 mil garimpeiros fecharam um acordo inédito na história. Se associaram a uma empresa multinacional que ganhou o direito de explorar toda essa área. No lugar das antigas bateias, máquinas. A tecnologia está por toda parte.
Os primeiros levantamentos feitos pela empresa canadense no terreno indicaram a presença de, pelo menos, 50 toneladas de metal precioso, ouro, platina, paládio. A "Nova Serra Pelada", como foi batizada, deve entrar em operação no segundo semestre de 2013.
“Hoje seria difícil garimpar do jeito que era garimpado há 30 anos atrás?”, perguntou a repórter.
Não tem como, não tem como porque o garimpo ficou muito fundo, não tem como não ser mecanizado. Manual acredito que não. Tem que ter máquina”, respondeu Zaqueu.
A retomada da produção em Serra Pelada, agora mecanizada, é a esperança de uma vida mais tranquila financeiramente pra esse povo.
“A senhora acha que serra pelada foi um lugar que fez bem ou fez mal para as pessoas?”, questionou Daniela Assayag.
“Ela fez o bem porque foi uma descoberta, todo mundo trabalhou, quem pegou ouro pegou, quem não pegou viveu, viu a história. Isso o bem. O mal foi porque muitas famílias, muitas mulheres ficaram viúvas, os esposos vinham pra trabalhar aqui e nunca mais retornavam então ficou muita viúva por causa de serra pelada”, disse Idelzuite.
Hoje, esposa e mãe de 4 filhos, Idelzuite ainda se emociona ao falar de Serra Pelada. Com orgulho guarda, numa caixinha, em casa, os documentos da época de garimpeira.

“Eu não fiquei rica, mas vivi a história. Pra mim é a melhor lição de vida”, completou Idelzuite.
 

Rei dos diamantes relembra os tempos do garimpo

Rei dos diamantes relembra os tempos do garimpo

Mineiro volta ao lugar onde se tornou um milionário. Júlio Bento descobriu mina no Vale do Jequitinhonha. Pedras eram escondidas dentro de uma panela no acampamento.

No coração de Minas Gerais fica um lugar que já foi procurado por bandeirantes, aventureiros, e cobiçado por impérios. A história está nas ruas, nas casas, na alma da cidade, que tem no nome a riqueza e o destino de pedra: Diamantina. Ninguém sabe ao certo, mas calcula-se que da região tenham saído mais de 600 quilos de diamantes. E também de lá saíram outras pedras que se transformaram em joias belíssimas que ainda hoje brilham pelo mundo inteiro.

Quase três séculos de mineração deixaram marcas e mitos.

"Júlio Bento foi quem tirou mais diamantes. Ele até achou que era castigo tanto diamante", conta o empresário Fábio Nunes.

"Na região, o rei do diamante é Júlio Bento", confirma o taxista Sandoval Ribeiro, o Juca.

Júlio Bento, o rei do diamante, não gosta de revelar a idade, mas dizem que ele já passou dos 80. Fala menos ainda quando se trata de fortuna. Afinal, ele continua rico ou não? Seu Júlio voltou à Diamantina para mostrar o garimpo onde achou a primeira de muitas e muitas pedras valiosíssimas. Um tesouro encontrado justamente na região de Minas Gerais famosa pela pobreza, o Vale do Jequitinhonha.

A estrada é de terra, mas, naquele tempo, nem ela existia. Seu Júlio abriu as primeiras picadas e passou com uma tropa de mulas. De um trecho em diante, só com tração nas quatro rodas. Depois de uma hora de solavancos, chega-se ao local. Foi em um trecho do Rio Pinheiro que seu Júlio passou os primeiros cinco anos no garimpo.

Depois da investida dos bandeirantes, no Período Colonial, Diamantina viveu, na época de seu Júlio, uma segunda febre do garimpo. No começo dos anos 80, Diamantina chegou a ter mais de 30 mil garimpeiros. Só em uma mina trabalhavam 250 homens. Os diamantes que saíam da região espalhavam riquezas pelo Brasil inteiro e por outros países do mundo. Mas tudo isso tem um custo para a natureza: onde o garimpo chega, a paisagem muda. Areia que foi parar no meio do rio saiu de outro garimpo que ficava um pouco acima.

O leito do rio também foi desviado. Os muros construídos pelos garimpeiros ainda estão de pé. Seu Júlio volta a explorar o lugar, desta vez, para garimpar a própria história. Dois quilômetros adiante, um reencontro com o passado. O velho garimpeiro descobre o acampamento onde ele e os colegas passavam as noites.

"Ficou tudo do jeito que era porque a pedra protege. A comida era carne, arroz, feijão, verdura", lembra seu Júlio.

O homem que cozinhava para os garimpeiros hoje é chefe de cozinha em um restaurante de Diamantina. Mas, naquele tempo, Luiz Lobo – o Vandeca, como ainda é conhecido – tinha outra função, da maior importância: esconder os diamantes que seu Júlio tirava do rio.

"Seu Júlio confiava tanto em mim que eu tinha na cozinha uma panela que se chamava panela do segredo. Nem os cunhados dele sabiam onde eu guardava os diamantes. Eu guardava dentro de uma panela. Eu colocava as garrafas de diamantes e os pacotes de macarrão e de sal em cima, para que ninguém desconfiasse do que estava ali dentro. Ninguém nunca descobriu", afirma Vandeca.

Hoje seu Júlio vive em São Paulo. Além de não falar se ficou rico, ele não revela, nem mesmo, a quantidade de diamantes que extraiu. Mas, de repente, tira do bolso uma recordação dos velhos tempos: um diamante de quase cinco quilates. "Há mais de 20 anos eu guardo", conta.

Tantas lembranças deixam os olhos do velho garimpeiro brilhando como as pedrinhas que ele tanto procurou. "Dá vontade de chorar", diz seu Júlio, emocionado.

As chagas do garimpo

As chagas do garimpo

Um lugarejo de Madagáscar, na África, onde se
encontraram safiras, repete a saga de Serra Pelada

Raras atividades trazem em si contradições tão grandes quanto o garimpo. Enquanto o comércio de pedras preciosas é sempre associado a riqueza, glamour e ostentação, sua extração está ligada a condições insalubres de trabalho, miséria e violência. A transformação da vila de Ilakaka, ao sul da ilha de Madagáscar, no litoral oriental da África, é um espelho dessas mudanças provocadas pela febre do garimpo. Há dois anos, vinte casebres compunham a vila, miserável como a maior parte do país. Desde que a notícia da descoberta de uma nova e promissora mina de safiras se espalhou, mais de 100 000 garimpeiros aportaram à região, em busca de enriquecimento rápido e fácil. Com raríssimas exceções, a promessa permanece como uma ilusão inalcançável. A safira de Ilakaka reproduziu no sul da África o fenômeno que o ouro gerou em Serra Pelada, no norte do Brasil.
As safiras de Ilakaka estão num aluvião, ao longo de um antigo leito de rio. Como em todas as minas desse tipo, que têm produção farta mas vida curta, quase não há interesse de grandes mineradoras em investir na prospecção mecanizada. Como conseqüência, o formigueiro humano de garimpeiros faz a lavagem da terra à procura das safiras de forma artesanal. A prospecção é feita em valas ou em pequenos poços cavados pelos garimpeiros, com dimensões poucas vezes superiores a 5 metros quadrados, e com 10 a 20 metros de profundidade. A terra retirada de lá é depois lavada numa peneira, para que as safiras, que na maioria dos casos não chegam a 1 quilate (200 miligramas), com o tamanho de uma cabeça de fósforo, possam ser identificadas. O processo é extremamente demorado e perigoso. Quando chove, a possibilidade de desabamentos é grande. Num período de dez dias, no ano passado, dezesseis garimpeiros morreram em acidentes em Ilakaka.
O crescimento acelerado acontece sem a mínima infra-estrutura. As construções são precárias, feitas com o material descartável disponível no momento. O rio usado para a lavagem das pedras é também a única fonte de consumo de água e depósito de esgoto. As epidemias são freqüentes. No entorno da vila, proliferou rapidamente uma gama de serviços para atender os novos habitantes. São restaurantes, pequenos comércios e, para satisfazer a população quase que exclusivamente masculina, bordéis, bares e salões de jogos. A corrida pelas safiras não atrai somente garimpeiros. Compradores de pedras preciosas de diversas nacionalidades circulam pelas vilas de garimpo em busca de mercadorias. O preço pago ao garimpeiro pode ser multiplicado até 100 vezes antes de chegar ao comprador final. A movimentação de dinheiro atrai também a violência. Não são incomuns os casos de roubos, brigas e disputas a tiros pelas pedras. Por via das dúvidas, muitos compradores andam pela cidade acompanhados de guarda-costas armados.
O fenômeno da transformação de Ilakaka é quase um repeteco da saga de Serra Pelada – pode-se prever que vá se encerrar de forma igualmente melancólica. Com a descoberta de ouro no Pará, no início dos anos 80, duas cidades nasceram do nada para abrigar 400.000 homens que trabalhavam dia e noite procurando pepitas num buraco de 100 metros de profundidade. As cidades hoje estão às moscas e o veio, esgotado, foi abandonado. A prospecção de ouro em Serra Pelada gerou uma riqueza estimada em 1,5 bilhão de dólares. Pouco disso, porém, ficou nas mãos dos garimpeiros. "Como sempre, o garimpeiro permanece na miséria e quem enriquece são os intermediários", lamenta o gemólogo Rainer Schultz Güttler, da Universidade de São Paulo.