domingo, 14 de dezembro de 2014

O velho do rio Garças

O velho do rio Garças




Antes mesmo dos primeiros raios do sol ‘seo’ Alcides Silvino da Conceição mergulha nas águas limpas do rio Garças, que passa ficando. “Este é o meu rio”, comenta com um sorriso banguela. Após o banho caminha lento ladeira acima até o barraco onde mora, à beira da estrada poeirenta nas imediações de Tesouro. Com a mão esquerda ‘passa’ o café no coador de pano. Bebe duas canecas lentamente. Quebra o torto com carne-de-sol, arroz, feijão e farinha de mandioca. Repete os cafezinhos. Pega a trilha e, 200 metros depois, está no Travessão Ximberlim, onde ganha o pão e se ilude à espera da danada bamburra que não vem.

‘Seo’ Alcides é bem mais moço que Satu. Tem 75 anos e a saúde é abalada. Uma cascavel picou seu pulso direito há 30 anos. Desde então tem a mão ‘lerda’. Para complicar não enxerga mais do olho direito. Sozinho no mundo, tem somente a benção do Senhor Bom Jesus da Lapa, que não nega proteção ao garimpeiro.

Mesmo debilitado, ‘seo’ Alcides trabalha. Pega no pesado com se os anos não tivessem passado, como se a cascavel tivesse errado o bote e seu olho direito visse todas as luzes do mundo. Mais que conformado, esse goiano de Santa Helena e celibatário por opção é otimista. “Ainda tenho muito trabalho pela frente”, aposta, enquanto demonstra como trela o cascalho com a suruca de seu jogo de velhas peneiras.

Tesouro estava no auge quando ‘seo’ Alcides chegou por lá em 1957 e encontrou pioneiros remanescentes que compartilharam com Antônio Cândido de Carvalho, o Carvalhinho, a fundação da então vila no município de Alto Araguaia e que em 1943 passaria a pertencer a Guiratinga.

O nome do lugar foi escolhido pelo garimpeiro João José de Moraes, o lendário Cajango, que acreditava na existência de tesouro em diamante no subsolo e leitos dos rios da região. Cajango percorreu Mato Grosso e Goiás divulgando o potencial mineral de Tesouro. Com isso atraiu aventureiros, comerciantes, prostitutas, caixeiros viajantes, farmacêuticos, criadores de gado.

No prolongado ciclo do diamante que se arrastou por quase um século, Tesouro era verdadeira Meca. Suas lojas vendiam os cortes de tecidos mais finos da moda no eixo Rio-São Paulo. Perfumes e lingerie franceses apimentavam castas senhoras em seus leitos conjugais. O carteado corria solto. O bom malte escocês aquecia os corações nos bailes na cidade e nas vilas de Batovi, Cassununga, Coréia e outras naquele município e na vizinha Guiratinga. A música da sanfona de mestre Lídio Magalhães e do saxofone do maestro Marinho Franco era bálsamo para o corpo moído da garimpeirada.

Mesmo sendo morador antigo ‘seo’ Alcides chegou bem depois da grande chacina de Tesouro. Em 1936, um fato isolado e de triste memória para a população cobriu de sangue um dos cabarés. Um soldado destacado na cidade e que teria se sentido ofendido por uma prostituta, foi ao comando da Polícia Militar em Cuiabá e retornou integrando uma soldadesca comandada por um tenente. A reação dos policiais em desagravo ao companheiro de farda foi trágica: na calada da noite, enquanto pares dançavam e casais se entregavam, o prostíbulo foi cercado pela tropa, invadido e, em seguida as mulheres, frequentadores e funcionários foram executados a tiros. Ainda hoje, há quem sustente que 45 pessoas tombaram na fuzilaria. O comerciante e ex-vereador Salvador Lopes Torres, de 80 anos e nascido naquele lugar, conta o que ouviu do pai: a polícia requisitou cidadãos para carregar os corpos ao cemitério, onde inclusive feridos teriam sido sepultados. Um dos encarregados do sepultamento teria ouvido soldados dizendo que, após a última remoção do cabaré, tais pessoas também seriam abatidas. Diante dessa ameaça e tendo a escuridão da noite por aliada, os carregadores se escafederam.

A casa palco da tragédia, à Rua Ponce de Arruda, foi demolida. Em seu lugar surgiram outras duas, divididas por uma parede. Um desses imóveis pertence ao comerciante e comprador de diamantes João Moreno de Lima, nascido em Manga, Minas Gerais e residente na cidade há mais de 50 anos. Moreno é uma das pessoas mais conhecidas e respeitadas do lugar. Conhece como ninguém o passado da região e tem o hobby de colecionar materiais fossilizados.
 
Teimosia no rio Itiquira

 “O diamante ‘tá’ aqui”. Insiste o garimpeiro inativo Alípio Pereira da Silva, mostrando o leito do rio Itiquira, nas imediações da cidade à qual o rio empresta o nome.

Alípio tem 63 anos. Se fosse burocrata seria coroa, estaria aposentado há longo tempo. Porém, é garimpeiro e nessa profissão somente se aposenta quando o corpo baixa sepultura, a doença inferniza ou alguma barreira ambiental o deixa, temporariamente, inativo.

Garimpeiro com passagem pelos quatro cantos de Mato Grosso, Alípio já correu atrás da pedra boa com escafandro no fundo do rio Paranatinga, em Paranatinga. Batalhou em Juína, mas não gosta do diamante industrial que é a base da atividade mineral naquele município. Correu pra lá e pra cá. Voltou para Itiquira, sua terra adotiva e de coração, porque na verdade a parteira o recebeu em Alcantilado, uma vila que teve famoso garimpo pras bandas de Guiratinga.

Novamente voltar a garimpar no rio Itiquira é o sonho de Alípio, tarimbado nessa arte e que sonha acordado em pegar um diamante de 10 quilates para dar a grande virada em sua vida.

Ao lado da cidade havia o Garimpo da Prainha, “isso por volta de 1969” – recorda. Alípio não sabe dizer quantos meses trabalhou na Prainha, mas lembra bem que o leito do rio foi deslocado para a esquerda, mas sem comprometer seu curso e corrente livre. “Hoje a gente não pode nem falar um ‘a’ sobre garimpar que o Ibama chega e bota pressão”, lamenta.

Itiquira, nos bons tempos do garimpo, era uma cidade sem violência. “A gente deixava a porta encostada, as chaves ficavam na ignição dos carros, ninguém roubava nem furtava. Quem botasse a mão do alheio caía no porrete, pois a povo não aceitava isso”, revela.

A Itiquira dos garimpeiros também foi engolida como Poxoréu e Guiratinga. Hoje, o município é um dos principais pólos do agronegócio com grandes lavouras de soja, algodão, milho safrinha, cultivo de seringal, beneficiamento de látex, rebanho bovino e, mais recentemente, também aquecido pela geração de energia de origem hidráulica.

A teimosia de Alípio em garimpar pode até levá-lo novamente à atividade que sempre garantiu o pão de cada dia de seus filhos, porque o ciclo da garimpagem passou, mas ainda permite novas tentativas de se fazer fortuna da noite para o dia. Mesmo assim é bom levar em conta a sabedoria de Satu, o decano de Poxoréu, “profissão de garimpeiro não dá segunda safra”.

Há quem se arrisque na terra do diamante

Há quem se arrisque na terra do diamante



Diamante à ufa. Garimpeiros por todos os lados. Chão de cabarés lavados com cerveja. Mulheres lindas recrutadas a dedo em Goiânia. Tresoitão Smith&Wesson na cinta dos donos de garimpos. Cheque nem pensar. Pagamento somente em cash. Aviões comerciais pousando e decolando com capangueiros. Poxoréu burbulhava. Tesouro e Guiratinga, também. O ciclo da garimpagem passou. Melhor, quase passou, porque ainda restam velhos aventureiros sonhadores que não se entregam. Batalham pesado nos monchões e grupiaras em busca da pedra boa que teima em se escafeder deixando todos blefados, de picuá vazio e sem o gosto do bamburro. 

Localizada numa área acidentada, espremida entre morros e o rio Poxoréu, a cidade é uma sequência de ruas sinuosas e permeadas por ladeiras. Por meio século ostentou o título de “Capital do Diamante”, realeza que murchou em meados da década de 1970, quando a extração entrou em declínio e levas de garimpeiros migraram para outras frentes em Nova Marilândia, Alto Paraguai, Arenápolis e Juína.

A Poxoréu do apogeu do garimpo morreu. Renasceu em outra cidade, pacata, exportadora de jovens para o mercado de trabalho e as faculdades, com a economia calcada no agronegócio. Perdeu as correntes migratórias que cruzavam o Brasil de cabeça para baixo e para cima em busca da fortuna fácil nos garimpos. O mesmo destino estava reservado à Tesouro, Guiratinga e Itiquira, na região.

Do mesmo modo que começou, terminou a opulência do ciclo da garimpagem. Poucos fizeram fortuna. Ganhou dinheiro quem comprou o cerrado que, à época, tinha preço de banana. Os milhares de garimpeiros desfrutaram apenas da aventura, da farra. Quem bamburrava gastava para se auto-afirmar junto aos companheiros e às mulheres. Pode ser que alguém tenha acendido charuto com a nota de cem da época, mas também pode ser lenda que isso tenha acontecido. Porém, era tradição lavar chão de cabaré com Brahma, a cerveja que Artêmio Capelotto vendia na região. Poucos tinham automóvel. Era raridade, mas com os bolsos cheios os novos e temporários ricos alugavam os famosos carros de praça – táxi – que normalmente eram Jeep, Toyota Bandeirantes, Rural ou a velha e boa Kombi. Alguns endinheirados se davam ao luxo de viagens de ostentação refestelados nas poltronas vermelho-aveludado dos bimotores DC-3 da Real Companhia Aérea, que fazia rota de Belo Horizonte para os pólos do garimpo na então região leste mato-grossense. 

Sem o garimpo a cidade perdeu o quê de aventura que foi sua grande marca na época em que o farmacêutico Amarílio de Britto tinha, sempre em mãos, uma fórmula homeopática para curar malária, gonorréia, asma e até mesmo ressaca implacável. O som do serviço de alto-falante “A Voz de Poxoréu” silenciou-se. Os ônibus da Transportes Baleia sumiram na curva da estrada, que também levou para Cuiabá um velho conhecido de todos, Prisco Menezes, um milionário que socorria – bem remunerado, é claro – o gerente do Banco do Brasil, quando não havia numerário na tesouraria para grandes saques. Ficou o passivo ambiental. Montanhas de rabo de bica. Assoreamento dos rios e riachos. Resta um gosto amargo de saudade.

O garimpo manual cedeu lugar às dragas. À escala comercial com enormes retroescavadeiras, caminhões basculantes, intervenção nos cursos d’água, GPS, equipamentos de última geração e gerenciamento profissional. Mesmo assim o faturamento do gigantismo das empresas mineradoras, nem de longe lembra o barulho dos garimpeiros anônimos que se espalhavam por Alto Coité, Raizinha e por onde mais se possa imaginar.



Profissão não dá segunda safra


Saturnino José do Nascimento, baiano de 84 anos, é nome estranho em Alto Coité, distrito de Poxoréu. Porém, se alguém perguntar por ‘seo’ Satu, o povoado inteiro sabe quem é. Afinal, ele garimpa naquelas bandas há 40 anos, todos os dias; todos os dias, não, porque guarda o sábado santo do Senhor, em obediência aos ensinamentos bíblicos pregados pela Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Satu é um poço de saúde. Trabalha o dia inteiro. Pega no pesado com a mesma disposição da juventude. Conversa pouco e escuta com dificuldade. Não toma medicamento. Usa roupas surradas e sandálias de couro costuradas por suas mãos calejadas. É casado, mas a patroa dona Severina Campos do Nascimento, septuagenária, mora em Anápolis (GO), “vende roupas”, revela. Matrimônio para ele é coisa sagrada, mas não faz segredo que mantém uma namorada de trinta e poucos anos na vila, “eu banco ela. Homem não pode ficar sem mulher”, mostra verbalmente uma virilidade que a faixa octogenária não derruba e que os 11 filhos que tem atestam.

O Garimpo da Onça, onde Satu trabalha, fica perto da margem do córrego do Coité – que dá nome ao lugar - mas ele paga renda de 10% ao dono da área, muito embora o mesmo não tenha titularidade no subsolo. Garimpeiro que é garimpeiro não discute questão legal, direito. Simplesmente paga o que deve e ponto final.

Pedra boa mesmo, Satu pegou somente cinco; uma com 12 quilates. Ajuizado não fez esbórnia com a mulherada nem bebeu. Comprou uma casa em Alto Coité e outra em Anápolis, onde sua mulher mora com a filharada.

Cansado sim, porém sempre disposto. Esse é o estado de espírito de Satu, que não aceita outra vida senão a que leva. Distante do mundo, o velho garimpeiro não sabe quase nada do que se passa ao seu redor. O nome do governador de Mato Grosso desafia sua memória. “Já ouvi; acho que é ‘Maurio’ ou qualquer coisa assim...” - mostra seu distanciamento.

Há 10 anos o governo federal em parceria com Mato Grosso montou dois projetos Casulo em Poxoréu, para assentar em parcelas próximas à cidade ex-garimpeiros. Satu foi sondado por assistentes sociais e técnicos, se gostaria de receber uma parcela. Refugou. “Profissão de garimpeiro não dá segunda safra, tenho que continuar onde estou”, disse aos que o procuraram.

Ex-garimpeiros aposentados entre aspas que aceitaram a proposta dos  Casulo quebraram a cara. O projeto foi por água abaixo com sua meta de produzir maracujá que seria destinado à indústria de sucos e concentrados Maguary, em Araguari, Minas Gerais.

A balbúrdia nos Casulo foi grande. Nunca o pessoal, oriundo do garimpo, colheu um maracujá sequer. Para salvar as aparências, quando o governador Dante de Oliveira visitava o projeto, técnicos providenciavam o fruto em supermercados na vizinha Rondonópolis, para que fossem mostrados como safra do lugar.

Satu não foi o único garimpeiro a virar as costas aos Casulo. Outros também tiveram a mesma reação. Alguns deles foram vencidos pela idade e doenças. Saíram do batente. Foram empurrados pela circunstância para o Abrigo da Associação dos Garimpeiros de Poxoréu.

Mês passado, 29 garimpeiros sem força para o trabalho e minados por doenças, sobretudo respiratórias, ocupavam as enfermarias do abrigo, que é dirigido pela filha de garimpeiro Maria Aparecida dos Santos, mais conhecida por Cida Caburé – apelido que aceita com naturalidade.

O escafandrista e os diamantes

O escafandrista e os diamantes

Sonhando com pedras preciosas escondidas sob o leito do Rio Tibagi, no Paraná, garimpeiro recorre a uma invenção do século XIX, que resgatou de um ferro-velho, para mergulhar em busca de seu tesouro
Já era tarde da noite, porém a aglomeração às margens do Rio Apucaraninha era grande. Mais de cem pessoas, desesperadas, esperavam que os bombeiros tirassem do fundo do rio um jovem que se afogara enquanto brincava com os amigos. Sem visibilidade e com o oxigênio dos cilindros se esgotando, as buscas seriam encerradas e só recomeçariam na manhã seguinte. Choro. Pai e mãe não arredariam o pé da barranca enquanto o corpo do filho não fosse resgatado.
Assustado, Oanio Silva de Souza, 37 anos, o Aninho, abriu a porta de casa para receber alguns homens afoitos que pediam ajuda. Ele era o único em Tamarana – cidade de 10,8 mil habitantes a 60 quilômetros de Londrina – capaz de fazer o que os homens do Corpo de Bombeiros não conseguiram. Sem titubear, ele acordou seu pai e fiel companheiro, Joaquim Silva de Souza, 74, e foi buscar seus equipamentos guardados em um rancho perto do Tibagi, o maior rio da região.
[nggallery id=15791]
O dia mal havia clareado e a dupla de garimpeiros já estava em ação, mas desta vez para resgatar um corpo. “Na primeira descida, já encontrei o rapaz. Nunca fiquei tão impressionado na minha vida”, relembra Oanio, contando a primeira das várias histórias que relatou para a reportagem de Brasileiros. Essa do resgate se passou em 2005.
Encontramos Aninho e Joaquim na primeira vez que eles foram para o Rio Tibagi neste ano de 2008. As águas de março já se foram, a chuvarada passou. E é tempo de rio baixo e corredeiras mais mansas. Todo ano é a mesma coisa: abril é o mês ideal para voltar a mergulhar em busca de um sonho: o de encontrar um diamante. Em outubro volta a chover e aí o mergulho se complica outra vez.
A dupla de pai e filho, que só achamos depois de muito perguntar, se diferencia de tudo o que se vê pelos garimpos. Chama atenção o fato de eles trabalharem solitários, o que não é comum. Sempre que há notícia de diamante, ouro ou qualquer outro metal precioso em algum lugar, os garimpeiros surgem como formigas atrás de doce. Para explicar tal fato, Aninho é direto: “O nosso ponto está longe de ser o mais produtivo do Tibagi”. “Os melhores diamantes estão rio acima. Nós somos os últimos da fila. Até o final da década de 1980 tinha mais de 50 garimpeiros por aqui, agora somos apenas nós”, completa Joaquim.
Porém, o que mais impressiona é o equipamento que Oanio usa para descer até o fundo do rio, em profundidades que chegam a 12 metros: um escafandro, um dos mais primitivos equipamentos de mergulho inventados pelo homem. Para se ter uma idéia, a invenção do escafandro é creditada ao alemão Augustus Siebe, que fez o primeiro equipamento em 1839. Já faz tempo que os garimpeiros estão utilizando recursos mais modernos. Hoje em dia, há algo que eles chamam de “chupeta”, que faz o ar chegar direto à boca do mergulhador e ser bombeado por compressores mecânicos movidos a combustível ou eletricidade. No mergulho esportivo e comercial usam-se cilindros de oxigênio, que permitem ao mergulhador sentir-se como um peixe. A roupa usada hoje, então, nem se fala, é um conforto só em comparação com o escafandro.
Pesadão e desajeitado, o equipamento de Oanio foi utilizado em larga escala na primeira metade do século XX, mas agora virou peça de museu, literalmente. Na cidade que leva o mesmo nome do rio do garimpo, Tibagi, já na região central do Paraná, os escafandros estão expostos no museu que conta a história dos achados de diamantes no rio que, desde 1754, é chamado de “Eldorado” pelos garimpeiros. Aliás, na região da cidade de Tibagi, que fica rio acima em relação a Tamarana, o garimpo sempre foi intenso e continua sendo até hoje.
Contam-se centenas de garimpeiros. “Aqui tem muita gente mergulhando, mas ninguém se mete a besta com o escafandro. Esse já foi superado, ficou pra trás”, diz um ex-garimpeiro que se identifica como João, 84 anos. João do quê? “Do rio, filho, só isso”, respondeu-nos o matuto, fugindo da foto. “Isso aí não presta”, justificou para o fotógrafo, apontando a câmera. Pelo jeito, Aninho é o último garimpeiro no Paraná e talvez no Brasil que insiste no escafandro. “Pode ser que lá pro ‘nortão’ do país tenha mais alguém fazendo isso. Por aqui eu garanto que não tem”, destaca o pai do escafandrista.
Oanio e Joaquim são bons de conversa e ligeiros no serviço. Quando se fala de escafandro, pode-se falar também em peso. Só o capacete de bronze pesa 15 quilos. As peças de chumbo nele penduradas somam 60 quilos. Ao todo, Oanio submerge com 80 quilos além do peso de seu corpo. Isso sem falar da bomba manual, que fica na margem do rio: quase 100 quilos. Eles vão ajeitando tudo e conversando numa boa. Joaquim nem parece ter 74 anos. Ele vence os 50 metros de picada no mato entre o rancho e o Tibagi, carregando peso, sem nem ficar ofegante.
O resgate
O remendo com cola rápida feito no capacete de bronze denuncia a reforma. A história do escafandro de Oanio é interessante. O equipamento todo, incluindo a bomba, foi comprado na década de 1940 pelo administrador de uma pequena usina hidrelétrica que fica no Rio Apucaraninha, o mesmo onde Oanio resgatou um corpo.
O escafandro serviu para que mergulhadores fizessem reparos em uma rachadura na barragem da usina. Terminado o conserto, o tal administrador presenteou um garimpeiro do lugar com o escafandro e a máquina de bombear. Esse garimpeiro era Américo Silva de Souza, pai de Joaquim e avô de Oanio, um dos muitos e muitos baianos que foram parar nas margens do Tibagi em busca de diamantes. Contudo, Américo nunca usou o escafandro. “Ele era do garimpo de baixio, aquele que é feito em lugares onde não é preciso mergulhar”, recorda Joaquim.
O capacete seu Américo deixou guardado em casa e a bomba foi parar no meio do mato, junto com um monte de ferro-velho. Só em 1998, Oanio, que já andava garimpando nos barrancos do rio, ficou sabendo, por intermédio de um amigo de seu avô, da herança que estava escondida no matagal. Daí para virar mergulhador – e mergulhador de escafandro – foi fácil. Recuperou o capacete que estava aos cuidados de sua avó, consertou as rachaduras com cola rápida, tirou a máquina do ferro-velho e também providenciou reformas, bem à sua maneira, improvisando o necessário – uma lata de tinta, por exemplo, substituiu a camisa de refrigeração que já estava bem danificada. “Se não tem essa lata com água dentro para refrigerar o ar bombeado, o oxigênio chega lá embaixo quente demais, aí fica difícil respirar”, explica Aninho.
As peças de chumbo, usadas para que o mergulhador afunde, tinham sumido. Ele forjou novas e também refez a camisa de lona que é acoplada ao capacete. Só faltava aprender a mergulhar com aquele “trem”. Oanio levou tudo para a beira do rio, pôs o pai na bomba de ar e aprendeu a mergulhar sozinho. Ele também arranjou timburi, uma madeira especial para a confecção de barcos, e fez o bote que é utilizado para ir de um lado para o outro dentro do rio. Estava tudo certo, era só começar a garimpagem.
A vida por um parafuso
O garimpo de diamantes em um rio profundo como o Tibagi é muito interessante, ainda mais quando é feito de escafandro. O mergulhador desce até o fundo munido de sacos, os quais enche com o cascalho. Enquanto isso, quem fica na bomba não pode parar de girar a máquina nem um segundo. A vida de Oanio depende do ar que sai dali e é levado por uma mangueira até o capacete de seu escafandro. Joaquim sabe que não pode dar bobeira.
Antes de descer, Aninho se preocupa com o parafuso da braçadeira que prende a mangueira à máquina. “Isso aqui garante a vida do peão. Se é colocado de mau jeito e solta enquanto estou lá embaixo, tchau…” É a vida por um parafuso. Ter o próprio pai na bomba garante a Oanio um grande sossego para mergulhar.
Lendas ou não, tem muita gente da região de Tibagi que conta sobre mergulhadores de escafandro que morreram sem ar no fundo do rio porque os colegas da superfície simplesmente pararam de bombear. Segundo os causos, as mortes aconteciam por ambição. O mergulhador enche os sacos com cascalho e esses vão sendo içados por cordas até a superfície, onde o material é lavado e separado. Quando acontecia de subir um diamante junto com o cascalho podia acontecer também de o pessoal da superfície resolver deixar o mergulhador sem ar, afinal seria um a menos para rachar a grana da pedra preciosa.
Prestes a começar a garimpar pra valer na temporada 2008, Oanio e Joaquim ainda não escolheram quem vai ser o parceiro que vai ficar responsável por puxar o saco para cima. Em outras temporadas, o terceiro membro da equipe chegou a ser dona Maura, a matriarca da família. “Já fizemos uns garimpos muito doidos aqui: a mãe na bomba, o pai no saco e eu no mergulho”, diverte-se Aninho, cheio de bom humor e fazendo pose com o chapéu sobre o capacete do escafandro.
Enquanto não formam a equipe pra valer, pai e filho cuidam de ajeitar a balsa que levam para o meio do rio, onde fixam todos os equipamentos, facilitando o trabalho. O mergulhador chega a passar até uma hora na profundidade das águas, que às vezes estão bem geladas, com visibilidade quase zero. Só em dias de água muito limpa é possível ver alguma coisa. O serviço é feito praticamente pelo tato. A solidão é total e o medo existe, sim. “O meu maior medo é alguma pedra do barranco do rio se desprender e me esmagar lá no fundo. Também tenho medo de perder a escada que me ajuda a voltar para a superfície”, revela Oanio, sem esconder a tensão.
O que garante que pode haver algum diamante misturado ao cascalho são as “pedras informes”. Os nomes são interessantes: campina azul, amendoim-roxo, lacre, ferragem de bronze, ferragem de jabuticaba, granada… Aos olhos de um leigo não passam de pedras, mas aos olhos dos homens do garimpo são a esperança da fortuna.
Cigarro de 10 mil-réis
Formados pela “faculdade da realidade”, os homens da família Souza sustentam a tradição do garimpo, mas nenhum deles foi apenas garimpeiro na vida. Américo, o baiano precursor, abriu no enxadão as estradas de terra de Tamarana. Joaquim sempre foi da lavoura e do diamante. Oanio faz de tudo um pouco. É eletricista, mecânico, pedreiro, marceneiro, pescador profissional e até se meteu a montar a antena da única rádio da cidade, coisa que ninguém mais tinha conseguido fazer.
No bate-papo na varanda do rancho, foi impossível deixar de perguntar sobre as pedras encontradas. Afinal, esse garimpo de escafandro rende ou não rende algum dinheiro? “Sobre o garimpo se fala, mas sobre o que produz não se fala. No nosso caso, posso dizer que é apenas um esporte”, rebate Oanio, sem esconder que lhe faltam as devidas licenças do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para pesquisar diamantes. No entanto, ele tem uma permissão do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para tal atividade.
Por sua vez, Joaquim revela que os diamantes o ajudaram a criar os seis filhos, porém nunca achou nada de excepcional. Mas já teve gente que achou. “Lá se vão algumas décadas que um amigo meu achou um veio de diamante que deu pra encher uma garrafa de 1 litro com as pedras, mas ele ficou doido, fazia cigarro com notas de 10 mil-réis. Esbanjou todo o dinheiro”, recorda.
Já voltando para casa, mesmo sem ver diamante algum, o que se pode dizer é que a paisagem que cerca os garimpeiros solitários de Tamarana é um verdadeiro tesouro. Pertinho deles, um salto do Rio Apucaraninha enche os olhos com seus 110 metros de queda-d’água. Ao redor do rio onde garimpam, montanhas e chapadões de pedra encantam quem é acostumado a ver somente concreto. Não é à toa que eles se declaram felizes.

Há 100 anos, o garimpo ressurgia no Rio Tibagi

 Há 100 anos, o garimpo ressurgia no Rio Tibagi

"Diamante! Diamante! Era o brado que ecoava nas regiões do caudaloso Tibagi". O caudaloso Rio Tibagi, obra prima da natureza, ao cortar o interior do Paraná mostra a beleza de seus saltos, de suas praias e também a presença em seu leito dos "caldeirões" encachoeirados, contendo pedras preciosas magistrais, alento de uma população em constante busca de riquezas.



O Tibagi foi conhecido desde 1754 como El Dorado paranaense pelas descobertas que fizeram os paulistas, na Pedra Branca, das minas de diamante e ouro. Por isso, em várias épocas chegaram por aqui garimpeiros, faiscadores e aventureiros vindos de todos os lados e quadrantes do Brasil, ligando a cidades de Castro e Ponta Grossa por estradas carroçáveis, que substituíram os trilhos de tropas.



No ano de 1912, há exatamente cem anos, numa das grandes baixas de suas águas, o Tibagi viu ressurgir seus garimpos quase abandonados. Começou a ocorrer a afluência de novos garimpeiros, quase todos eles vindos do norte e nordeste do Brasil. Conhecedores dos serviços e ótimos mergulhadores a fôlego, trazidos às expensas de gente vivida em regiões mineiras e de alguma posse, entre elas os irmãos Santos (Augusto, Orlindo, Mário e Abílio), se estabeleceram comercialmente em vários locais do interior tibagiano, próximo do rio. Depois destes, muitos vieram de Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia, atraídos pela tentadora notícia de grande mancha de diamantes graúdos e límpidos.



As margens do Rio Tibagi encheram-se de ranchos toscos cobertos de sapé, taquara trançada, madeira velha e folha de zinco. O garimpeiro era um eterno sonhador, vivia na expectativa de achar o diamante que trazia conforto pelo esforço; outros eram donos de modernas máquinas de escafandro de meio corpo, fabricadas e lançadas em São Paulo pela firma Charles Person e vendidas a preços accessíveis a grande número de gente interessada. Constituía-se o escafandro de um capacete de bronze de 15 quilos de peso, com duas lentes laterais fixas e uma frontal destacável, ligado em sua parte traseira por uma peça fixa, uma mangueira forte de borracha, entremeada de fibra e lona, de 20 metros de comprimento, capacete de bronze, camisa de lona, amarrado ao garimpeiro dois pesos de chumbo de 30 quilos cada um, que mantinham o escafandro no fundo do rio.



No lugar denominado “Cachoeirão”, a máquina de Sérgio Pupo Ferreira, trabalhada por seus filhos achou rico serviço. Deu “mancha de diamantes”, como se dizia. Esta era, na sua maior parte, constituída de pedras de pequeno porte e peso, prevalecendo de um quarto a um quilate (quatro grãos equivalendo a uma grama). Para este local acorreram muitos garimpeiros, capangueiros, gente de todas as profissões. Mais de 20 máquinas de escafandro, juntaram-se num largo manso do rio que apresentava uma profundidade de 25 a 30 palmos, medida usada no garimpo, formando-se na margem corrutela de aproximadamente 150 ranchos de garimpeiros.



Alguns dos participantes deste ciclo econômico se tornaram conhecidos tibagianos, que por aqui se estabeleceram e constituíram famílias.

Na Terra dos Xavantes

Na Terra dos Xavantes



A região é rica em sítios arqueológicos com pinturas e gravuras representando figuras geométricas e formas humanas.





Povoada originalmente pelos Xavantes, Nova Xavantina faz parte da Serra do Roncador e sua história está ligada a Bartolomeu Bueno da Silva e Pires de Campos, expedicionários que estiveram ali no Século 17 em busca de ouro e índios.


"Para um naturalista o lugar era ideal, pois perto dali se ofereciam os mais diversos tipos de ambiente. Cerrado, buritizal, mata e rio - tudo estava relativamente à mão e continha todas as interessantes características de uma zona de transição, tanto em relação à fauna quanto à flora."

"As plantas do Cerrado, em sua maioria, possuem raízes fortes que mergulham na terra a vários metros e, em determinadas circunstâncias, alcançam depósitos de águas pluviais que se situam bem fundo."

Navegamos pelo Rio das Mortes guiados pelo Marcos, o Cocó, caseiro do sítio Ponte de Pedra e amigo do Maurinho do Roncador.
A mãe do Cocó, Dona Maria e os netinhos Júlia e Pietro saboreiam uma jaca colhida na hora.
Seu Luiz, pai do Cocó, além de cuidar de sua propriedade próximo ao sítio Ponte de Pedra, sai em voos lépidos pelos campos da imaginação.
No rio das Mortes começava o território indígena,tem diamante, ouro, rubi relata Helmuth Sick em seu livro Tukani, em 1945 durante a Expedição Roncador-Xingu e continua: "Tratava-se dos mal afamados Xavante, cujo reino até então indisputado estendia-se do rio das Mortes até as nascentes do Xingu.
Os Xavante se incluíam entre as tribos  que mais obstinadamente resistiram à civilização. Os próprios brancos, com sua brutalidade, provocaram a inimizade dos índios. Sob pressão feita por eles, os Xavante, na segunda metade do Século 18, abandonaram sua terra de origem, a leste do rio Araguaia, e retiraram-se para o outro lado do rio das Mortes, onde se estabeleceram nos campos secos que até então, para os brancos, eram inabitáveis. Aí viveram semque os molestassem, mas dando-se a ocasionais investidas contra tribos vizinhas e também contra os brancos; não toleravam nenhuma usurpação de seu território. O último conflito havia ocorrido em 1941, ou seja, quatro anos ante, e nele perderam a vida seis funcionários do SPI."
"O calor cingia a terra, erguendo-se dos matagais de escassa folhagem como um sopro de fogo. O chão pedregoso queimava através das botas. Nem a brisa mais leve se fazia sentir. Tinha-se a impressão de que um incêndio espontâneo ia ocorrer no campo. É um fato digno de nota que a época mais quente do ano, entre setembro e fevereiro, seja chamada no Mato Grosso de inverno.
Sem dúvida o calor é um dos principais fatores que levaram a formação do Cerrado como tipo peculiar de paisagem. A temperatura do ar chega a 45º C, na sombra, e ao nível do solo já foi registrada em 57º C. Em noites claras, por outro lado, a temperatura cai para 22º C e ainda menos, havendo uma variação térmica ao  longo do dia que supera em muito a variação existente entre as estações do ano."