Há poucas semanas, o italiano Carlo Rossi, nascido numa família de
joalheiros de Livorno e dono da filial La Gemme, no Rio de Janeiro,
passou quatro dias trancado num hotel de Salvador avaliando jóias em
poder de famílias da elite baiana. Especialistas em garimpar peças de
época e diamantes brasileiros de lapidação antiga -- dois itens em alta
entre os ricaços europeus --, Rossi e seu sócio belga Phillippe
Valdière, membro das bolsas de diamantes de Antuérpia e de Nova York,
recebe ram no hotel uma legião de 150 pessoas cujos nomes foram pinçados
da lista de endereços da socialite Michelle Marie Magalhães, viúva do
ex-deputado Luiz Eduardo Magalhães e apresentadora de televisão local.
Todos os que se apresentaram tinham por objetivo atualizar o valor de
peças de família e, se possível, vendê-las para levantar algum capital.
Para evitar constrangimento, a dupla de joalheiros cercou os convidados
de cuidados. Um deles foi impedir que as pessoas se cruzassem nos
corredores do hotel. Durante as conversas (sempre reservadas), tiveram
também o cuidado de não se referir ao negócio como uma "venda de jóias".
Em vez disso, usaram a expressão mais palatável "troca de ativos".
Ao final da maratona, Rossi e Valdière, comerciantes de raridades que
pertenceram a personalidades como a imperatriz Josephine, mulher de
Napoleão Bonaparte; o rei Farouk, do Egito; a estilista Coco Chanel; a
princesa Soraya, do Irã; e a atriz americana Joan Crawford, deixaram
Salvador com um pequeno tesouro. Dele fazem parte, entre outros itens,
uma cruz de ouro e diamantes do século 17, um anel de diamantes
coloridos da virada do século passado e um brilhante rosa de 3 quilates,
preciosidade convertida em objeto de desejo entre as americanas desde
que foi usada no anel que o ator Ben Affleck ofereceu a Jennifer Lopez
em seu breve noivado um ano e meio atrás.
Artigos como esses têm compradores certos: um seleto grupo de
consumidores endinheirados de todos os continentes, sobretudo europeus e
americanos, que passaram a dar combustão nos últimos dez anos ao
mercado de jóias e gemas lapidadas à moda antiga. Enfadado com o maior
acesso à produção de luxo, esse tipo de consumidor tenta escapar da
mesmice incorporando a seu estilo de vida a aura de outros tempos.
"Temos hoje a valorização da coisa exclusiva", diz Regina Machado,
professora e consultora de design de jóias do Instituto Brasileiro de
Gemas e Metais Preciosos (IBGM). Como dizia Coco Chanel, luxo não é o
contrário de pobreza, mas sim de banal. Até pouco tempo atrás, havia
quem quisesse transformar diamantes cortados à maneira antiga em
brilhantes modernos, com intensa reflexão da luz, mesmo sob pena de
perder até 30% no peso da pedra. "Hoje, isso é impensável", diz Rossi,
da La Gemme. "Da mesma forma que uma mansão histórica confere mais
classe a seu dono, um diamante lapidado há 200 anos empresta mais
sofisticação a quem o carrega."
ADVERTISEMENT
Fortalecido pela onda do vintage, estima-se que esse mercado movimente
no mundo de 6 bilhões a 8 bilhões de dólares por ano. Esses números são
de um estudo do leiloeiro e economista carioca Fernando Braga com base
em vendas de coleções particulares, transferências de herança familiar e
resultados de dezenas de leilões promovidos por casas como Sotheby's,
Christie's e Phillips entre 2001 e 2002. Ele calcula que 10% dos valores
movimentados nesses leilões vêm dos bolsos de brasileiros residentes no
país e no exterior. "Quem tem muito dinheiro não se limita a investir
em ativos financeiros, imóveis e objetos de arte", diz Braga. "As jóias
antigas, pela valorização crescente e fácil mobilidade, são cada vez
mais uma opção." Ele lembra que para levar um anel de brilhante azul de
1,5 quilate, no valor de 400 000 dólares, de um lugar para outro, só é
necessário que sua dona o coloque no dedo antes de embarcar no avião.
Mas, se quiser carregar esse mesmo valor em notas de 100 dólares,
precisará de uma valise de pelo menos 60 por 40 por 20 centímetros.
De 1725 até quase o fim do século seguinte, o Brasil foi o maior
produtor mundial de diamantes. Ao abarrotar o mundo de pedras de Minas
Gerais, o país não só tirou a primazia da Índia nesse quesito como
acabou popularizando seu uso, então restrito às famílias nobres da
Europa e do Oriente. O estilo de corte feito na época por lapidários
brasileiros e europeus, com contornos mais arredondados e facetas menos
brilhantes, passou a ser conhecido co mo "lapidação Brasil". Esse estilo
não só anda em alta nas feiras internacionais de jóias antigas como
passou a ser usado na indústria contemporânea, que tem um segmento de
réplicas em ascensão.
Até pouco tempo atrás, os diamantes mais valorizados eram incolores ou
de cores intensas, como rosa, vermelho, azul e amarelo-canário,
raríssimos. As pedras em tons cinza, negro e champanhe eram refugadas
para a indústria. "Hoje em dia, aceita-se a natureza como ela se
expressou", diz Regina, do IBGM. "Gradações de cores, antes tidas como
uma deficiência pelo avaliador, são agora consideradas belas."
Assiste-se, ao mesmo tempo, a uma intensa procura pelos diamantes
coloridos. Há quatro anos, um diamante rosa de 5 quilates lapidação
Brasil foi alvo de um dos leilões mais disputados na história da Leoni
Galeria de Artes, tradicional casa do Rio de Janeiro. Rossi, da La
Gemme, arrematou a peça, montada num anel que pertenceria à
ex-primeira-dama do Brasil Maria Tereza Goulart, por 600 000 dólares,
ante um lance inicial de apenas 30 000 reais. "Depois de limpo, o rosa
da pedra, que tinha um tom amarronzado, explodiu", diz Rossi, que a
revendeu a um colecionador de Nova York. Em 1987, vendera um brilhante
brasileiro, azul-turquesa, de 2,1 quilates, por meio milhão de dólares. O
comprador foi ninguém menos que o sultão de Brunei, grande caçador de
pedras preciosas coradas em todo o mundo.
Duas peças especiais vão a leilão no Rio de Janeiro em outubro próximo,
um dos quatro eventos anuais promovidos pelo leiloeiro Braga, alguns dos
quais em parceria com a princesa Cristina de Orleans e Bragança, do
Antiquário da Princesa, em Petrópolis, mãe da modelo Paola, que posou
para esta reportagem. Uma das peças, um conjunto de gargantilha e
brincos com safiras do antigo Ceilão e 142 diamantes, foi confeccionada
na França em 1930 com gemas que pertenceram ao espólio da baronesa de
Bela Vista, uma das locomotivas sociais do Segundo Império no Rio de
Janeiro. A peça, que terá lance inicial de 85 000 dólares, está há três
gerações nas mãos de uma família de Minas Gerais. O motivo que levou a
herdeira -- uma viúva de mais de 60 anos -- a se desfazer da jóia não é
muito diferente do que ocorre em muitos casos. "Além de ter uma vida
social mais recolhida, com toda essa onda de assaltos e seqüestros ela
nem pensa em usar as jóias", diz Braga. "Sem falar nos altos custos que
tem de arcar para manter a peça segurada."
De líder na exportação de diamantes no século 18, o Brasil ocupa hoje
apenas a 12a posição na lista dos maiores produtores. Em 2002, as
exportações registradas do país nesse setor foram de 30,8 milhões de
dólares em comparação com o fluxo de 12 bilhões de dólares do comércio
mundial, puxado por países como África do Sul, Botsuana, Canadá e
Angola. Apesar de ter cedido o posto a esses países, a qualidade e o
tamanho dos diamantes brasileiros continuam a seduzir os compradores lá
fora. De 1938 a 1950, segundo o livro As Eras do Diamante, de Jules
Roger Sauer, o Brasil produziu 11 das 20 maiores pedras encontradas no
mundo. "Quando a tudo isso se soma uma lapidação antiga, o mercado se
encanta", diz Rossi.
|
|
|
|
Anel de platina e rubi
Valor: 30 000 dólares
Origem: onfeccionado na França entre 1920 e 1930 e arrematado num
leilão pela joalheria La Gemme, no Rio de Janeiro
Estilo: art déco
Destaque: a pureza do rubi de 3,16 quilates da Birmânia |
Par de brincos de platina e diamantes
Valor: 3 500 dólares
Origem: montado em 1890 por ourives de Minas Gerais para uma família
de comerciantes do estado
Estilo: vitoriano
Destaque:diamantes lapidação Brasil |
Broche de prata sobre ouro com diamantes e safira
Valor: não revelado
Origem: confeccionado em 1860 na Inglaterra e adquirido de um espólio
de família carioca
Estilo: vitoriano
Destaque: safira da Birmânia e diamantes brasileiros |
|
|
|
|
Par de brincos de ouro, rubis, pérolas e diamantes
Valor: 1 500 dólares
Origem:confeccionado em 1850 por ourives espanhóis, no Peru, para
uma família de diplomatas
Estilo: andino, típico do pós-conquista
Destaque: pérolas naturais |
Pulseira de ouro e diamantes
Valor: não revelado
Origem: montada em 1870 no Brasil e adquirida da quarta geração da
família de um barão do Rio de Janeiro
Estilo: vitoriano
Destaque: 12 quilates de diamantes da mesma qualidade e cor |
Colar de platina, pérolas e diamantes
Valor: lance inicial de 75 000 dólares
Origem: montado por ourives europeus, em 1900, com pérolas naturais
em forma de gota e 130 diamantes lapidação Brasil, totalizando 65 quilates
Estilo: neoclássico
Destaque: os diamantes e as pérolas vieram do espólio da baronesa de
Bela Vista, figura importante da corte no Segundo Império |