sábado, 10 de outubro de 2015

Rio de ouro e soja

Rio de ouro e soja

Muito além da discussão sobre as hidrelétricas, o Tapajós vive problemas relativos ao garimpo – clandestino ou oficial – e a expansão do agronegócio

Por Carlos Juliano Barros
Ivo Lubrinna não se conforma com o fato de seu candidato à reeleição para a prefeitura de Itaituba – “mesmo com a máquina na mão” – ter perdido o pleito realizado em outubro passado. Dono de uma voz grave e de uma franqueza espantosa, ele sabe que os próximos anos serão bastante movimentados no município de 100 mil habitantes que cresceu às margens do rio Tapajós, no oeste do Pará.
Enquanto concede a entrevista, Lubrinna é vigiado silenciosamente pelo filho, que acaba de voltar à Amazônia depois de nove anos na capital da Inglaterra, onde comandava uma prestadora de serviços de limpeza. Como a crise europeia não dá sinais de trégua, ele acha que é possível ganhar até três vezes mais investindo em Itaituba.
Até o apagar das luzes de 2012, Lubrinna estará à frente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Produção. Porém, mesmo antes de integrar a linha de frente do Executivo local, ele já era uma verdadeira lenda, um dos garimpeiros mais conhecidos no Tapajós por conta dos mais de 40 anos de ofício. Não à toa, Lubrinna é o presidente – “licenciado”, como ele faz questão de ressalvar – da Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós (AMOT), entidade que representa menos de 10% dos 50 mil garimpeiros da região.

Trabalhadores no garimpo (Foto: Oldair Lamarque)
Enquanto se afasta da carreira de homem público, Lubrinna já se prepara para encarar a missão de homem de negócios, agora com a ajuda do filho. Após concluir recentemente o licenciamento ambiental do único garimpo que afirma possuir, e que segundo ele encontrava-se parado por falta de regularização, vai retomar a procura do ouro.
“Eu fui irresponsável até o dia em que assumi o cargo na prefeitura. Era um contrassenso: como é que o secretário de Meio Ambiente, com um garimpo irregular, iria discutir com alguém?”, questiona. Agora, ele já não corre atrás apenas do valioso metal. Cogita também investir em terrenos para a instalação de empresas de logística e de maquinaria pesada que, num horizonte bastante próximo, devem chegar à região.
Lubrinna encarna de forma pitoresca o nebuloso futuro de Itaituba. Encravado no coração da Amazônia, o município é o epicentro de uma avalanche de grandes empreendimentos que ameaçam seriamente uma região de altíssima biodiversidade habitada por diversas comunidades tradicionais e comunidades indígenas munduruku.
Quem toma um barco e navega pelos 850 quilômetros de águas esverdeadas do Tapajós, que rasga de cima a baixo o oeste do Pará, não raro se depara com botos e aves mergulhando, além de uma paisagem verde de tirar o fôlego, protegida por um mosaico composto por reservas florestais e terras indígenas.
Entretanto, um amplo leque de obras – que vão desde hidrelétricas, passando por rodovia, hidrovia, portos fluviais, até projetos de mineração – pode redesenhar em um curto espaço de tempo as feições desse que é, reconhecidamente, um dos mais belos rios da Amazônia.
Rio Tapajós (Foto: Fernanda Ligabue)
Sem sombra de dúvida, o projeto com potencial de gerar os impactos sociais e ambientais mais preocupantes é o chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós, um conjunto com potencial para até sete usinas que podem gerar até 14 mil Megawatts (MW) – a mesma capacidade da faraônica usina binacional de Itaipu, erguida durante a ditadura militar na fronteira do Brasil com o Paraguai.
Os estudos de viabilidade conduzidos pela estatal Eletrobras para licenciamento de duas delas – Jatobá e São Luiz do Tapajós – já estão em andamento. Por enquanto, o custo para erguer as duas barragens é estimado em R$ 23 bilhões. E o governo federal não esconde a pressa: já no ano que vem espera licitar pelo menos a construção de São Luiz do Tapajós e prevê que as duas entrarão em operação até 2019.
A energia dessas novas hidrelétricas tem pelo menos um endereço certo: grandes projetos de exploração de minérios no Pará, como ouro e bauxita – a matéria-prima do alumínio. A companhia norteamericana Alcoa, por exemplo, iniciou há apenas três anos a operação da terceira maior jazida de bauxita do mundo no município de Juruti, no extremo oeste do Pará, e já tem planos de construir uma fábrica de beneficiamento – por enquanto, a empresa utiliza energia de origem termelétrica. Já a brasileira Votorantim está levantando uma indústria do mesmo tipo no município de Rondon do Pará. A norueguesa Hydro também tira bauxita no leste do estado.
No caso do ouro, só uma mineradora de médio porte, a canadense Eldorado Gold, tem um projeto concreto de investimento no Tapajós. Mas a própria AngloGold Ashanti, companhia sul-africana considerada uma das maiores empresas de extração de ouro no mundo, também tem requerimentos de pesquisa no oeste do Pará, região hoje tomada pelo garimpo manual – em sua esmagadora maioria, clandestino.
Além de ser considerada a última grande fronteira energética e mineral da Amazônia, a região banhada pelo rio Tapajós tem ainda outro considerável atrativo econômico: é um corredor estratégico para o escoamento da produção de soja colhida no Mato Grosso, o principal produtor de grãos do país. Até 2014, o governo federal pretende gastar R$ 2,85 bilhões para concluir o asfaltamento dos 1.739 quilômetros da BR 163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém – o maior município do oeste do Pará, localizado na foz do Tapajós.
No rastro das hidrelétricas, também está prevista a construção de eclusas que possibilitarão a integração do rio Teles Pires, no Mato Grosso, com o rio Tapajós, no Pará. Além dessa hidrovia, o transporte de commoditiespor via fluvial também será impulsionado pela instalação de ao menos três portos no município de Itaituba, além da expansão das docas de Santarém. Ambientalistas e ativistas de movimentos sociais preocupam-se com os impactos socioambientais que a explosão do agronegócio pode trazer para o oeste do Pará.

Trecho da BR-163 (Foto: Fernanda Ligabue)
Garimpos
Quando a produção do mítico garimpo de Serra Pelada, localizado no sudeste do Pará, entrou em declínio, no início dos anos 1980, os aventureiros dispostos a encarar a lama e a malária apostaram que o novo eldorado encontrava-se no Tapajós. E eles estavam certos.
Passadas três décadas, calcula-se que hoje existam nada menos que 2 mil pontos de garimpo no entorno do rio. Para chegar até as chamadas “currutelas”, povoados que funcionam como uma espécie de QG para os quase 50 mil homens decididos a desafiar a floresta, só fretando um pequeno avião ou encarando dias no lombo de uma lancha, a partir de Itaituba.
“Cerca de 98% dos garimpos da região são irregulares”, assegura Oldair Lamarque, engenheiro que chefia o escritório do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em Itaituba. Não é muito difícil entender por que a esmagadora maioria está na clandestinidade. Para fazer o licenciamento ambiental de uma pequena lavra, do tamanho de até 50 campos de futebol, é preciso viajar até a capital Belém, pagar cerca de R$ 16 mil em taxas e ainda arcar com os custos de transporte dos técnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (Sema).
Sem qualquer tipo de fiscalização, os garimpos são um dos principais vetores de degradação ambiental na bacia do Tapajós. E os problemas não se resumem à contaminação da água por conta da utilização de substâncias tóxicas para depurar o ouro, como o mercúrio e – mais recentemente – o cianeto. Novas técnicas têm aumentado a produtividade e potencializado os impactos sobre a floresta. A utilização de retroescavadeiras chamadas de PCs, usadas para revolver o solo à procura do ouro, é uma delas. O serviço que antes demorava quase um mês para ser feito hoje é realizado em apenas dez dias.

Retroescavadeira em ação no garimpo (Foto: Oldair Lamarque)
Além disso, aumentou significativamente o número de barcaças que garimpam diretamente o leito do rio Tapajós. Nesse caso, servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entendem que a decisão do governo de reduzir a área de cinco reservas ambientais para a construção das hidrelétricas de Jatobá e São Luiz do Tapajós, em janeiro deste ano, contribuiu para agravar o problema. Sem essa medida, o licenciamento ambiental das usinas não poderia ser feito.
Como parte das áreas foi desprotegida, o número de barcaças no rio cresceu de forma preocupante: pulou de cinco para 35 no trecho de 400 quilômetros entre os municípios de Itaituba e Jacareacanga. “Para desarticular garimpos grandes, como os que existem em Itaituba, é preciso montar praticamente uma operação de guerra”, afirma Nilton Rascon, analista ambiental do ICMBio.
No começo de novembro, fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), escoltados por duas centenas de agentes da Polícia Federal (PF) e da Força Nacional de Segurança Pública transportados até por helicópteros, resolveram fazer uma batida digna de cinema para desarticular um garimpo que funcionava na Terra Indígena Kayabi, já na divisa entre Pará e Mato Grosso e habitada por indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká. A operação, no entanto, extrapolou o objetivo inicial de desmantelar a extração de ouro, e seu saldo foi desastroso: casas na aldeia arrombadas, embarcações de pesca afundadas a tiro e, o mais grave, um indígena, Adenilson Kirixi, encontrado morto, boiando no rio.
É fato que o garimpo funcionava com consentimento dos indígenas – que alegam ter protocolado informações a respeito da atividade junto à Funai, a fim de formalizar o acordo de parceria que mantinham com os garimpeiros. Numa região completamente negligenciada pelo poder público, os indígenas afirmam que o pedágio pago pelos mineradores era a única fonte de renda de que dispunham para bancar a eletricidade na aldeia e arcar com os custos das crianças que estudam na sede do município de Jacareacanga. Além disso, vendiam parte de sua produção de alimentos aos garimpeiros.
Segundo lideranças ouvidas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), desde 2005, os indígenas vêm tentando dialogar com representantes do poder público no sentido de criar projetos de piscicultura, produção de mel e artesanato de forma a reduzir a dependência do garimpo. Mas, por enquanto, nada saiu do papel.
Ainda na avaliação das lideranças ouvidas pelo Cimi, a ação da PF foi calculada para intimidar e fragilizar financeiramente os indígenas, de modo a deixá-los mais “sensíveis” às obras das hidrelétricas na região. Até o presente momento, a PF não se pronunciou sobre o caso, mas abriu um inquérito para investigar o episódio, o qual também é acompanhado pela Funai, o Ibama e a Secretaria-Geral da Presidência da República. O Ministério Público Federal (MPF) também abriu investigação.
Vista geral do garimpo (Foto: Oldair Lamarque)
Questionada pela Pública, a assessoria de imprensa da Funai respondeu por meio de nota que o órgão “tinha conhecimento de que existia atividade ilícita (garimpo) na Terra Indígena Kayabi. No entanto, não conhecia os detalhes de sua operacionalização e dimensão”. A nota acrescenta que “a Funai não tem o poder de autorizar, formalizar acordos ou dar anuência a qualquer atividade ilegal realizada em terra indígena. Além disso, o garimpo em terra indígena depende de regulamentação pelo Congresso Nacional”.
Mineradoras
Se o Tapajós é uma das maiores províncias auríferas do mundo, por que ainda não há mineradoras na região? A resposta se divide, basicamente, em duas explicações. A primeira é geológica. “Aqui não existem depósitos grandes, como ocorre em Goiás ou em Minas Gerais. Os depósitos são pequenos e espalhados. Isso favorece o garimpo manual, e não as grandes mineradoras”, explica Lamarque, do DNPM. A segunda explicação é de ordem estritamente econômica. “A falta de estradas e de fontes de energia inviabiliza grandes projetos de mineração de ouro”, completa.
A construção das hidrelétricas e o asfaltamento da BR 163 já estão despertando a sanha das mineradoras. Por enquanto, o ouro do Tapajós ainda não entrou na mira das companhias consideradas majors – as maiores do mundo. Mas pelo menos cinco empresas identificadas como juniors, como são chamadas as de médio porte, já estão em fase de pesquisa. O mais adiantado deles é o Projeto Tocantinzinho, no município de Itaituba, que já está em fase de licenciamento ambiental e deve entrar em funcionamento até 2016. O empreendimento é de uma subsidiária da Eldorado Gold, do Canadá, que já opera uma mina no Amapá.
E não é apenas o ouro que chama atenção no Tapajós. A gigante Anglo American, uma das dez maiores mineradoras do mundo, com lucro líquido da ordem de US$ 6,17 bilhões em 2011, está levantando o potencial de uma jazida de cobre na Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim – a segunda maior do país, com uma área de 1,3 milhão de hectares, quase dez vezes superior à da cidade de São Paulo. Mas é importante ressalvar que, geologicamente falando, o cobre muitas vezes aparece associado ao ouro. Em outras palavras, a mineradora deve mapear todo o potencial da área.
O perímetro de pesquisa requerida pela companhia inglesa ao DNPM, no segundo semestre de 2011, abrange mais da metade da Flona. Em tese, isso não é ilegal: a legislação ambiental permite a mineração em uma reserva desse tipo – desde que devidamente licenciada e adequada ao plano de manejo.
Requerimento feitos ao DNPM pela Anglo American para pesquisa de cobre cobrem mais da metade da área da Flona do Jamanxim (Imagem: Reprodução)
Requerimento feitos ao DNPM pela Anglo American para pesquisa de cobre cobrem mais da metade da área da Flona do Jamanxim (Imagem: Reprodução)
Porém, sem qualquer tipo de autorização, a Anglo American já vem utilizando máquinas de sondagem na área, desde julho deste ano, pelo menos. A denúncia é feita pelo próprio chefe da Flona do Jamanxim, Haroldo Marques. “Esse pedido para realização de sondagem na área tem que ser formalizado. Eu sou o responsável pelo parecer que autoriza pesquisas e perfurações, mas até agora não chegou nada até mim”, explica o servidor do ICMBio. “Eu vi funcionários em caminhonetes com logotipo da Anglo American, usando uniformes, sem qualquer preocupação em esconder o nome da empresa.”
O chefe da Flona do Jamanxim fica lotado no escritório do ICMBio de Itaituba e precisa de autorização dos superiores de Brasília para ir a campo e fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental. “Eu estava na fiscalização combatendo o desmatamento, pedi a renovação de diárias, mas ela não foi concedida”, explica Marques. “Fui tirado da fiscalização e parei os trabalhos que estava fazendo por lá. Muito esquisito, né?”
Questionada pela Pública, a assessoria de imprensa da Anglo American emitiu nota em que “confirma que empresa requereu áreas junto ao DNPM”  e diz que “aguarda a publicação dos respectivos alvarás de pesquisa, para, só então, solicitar a autorização do ICMBio, órgão gestor das Unidades de Conservação no país, e seu respectivo enquadramento no Plano de Manejo [da Flona do Jamanxim]”. A empresa nega, porém, que esteja fazendo trabalhos de sondagem. “A equipe de campo promoveu no período unicamente contatos com superficiários, visando futura celebração de Termos de Acordo, conforme previsto no Código de Mineração”, finaliza a nota.
Os “superficiários” citados na nota da Anglo American são pessoas que reivindicam a propriedade de terras dentro da Flona do Jamanxim. Quando foi criada, em 2006, a unidade de conservação que leva o nome desse afluente do Tapajós já estava ocupada por diversas fazendas. A pecuária, o garimpo e a extração ilegal de madeira fazem dessa a reserva a que mais perdeu mata nativa em todo país, ao longo de 2012.
Curiosamente, a devastação cresce na mesma velocidade que a intenção do governo de reduzir a área da Flona do Jamanxim. Atualmente, um grupo de trabalho do ICMBio de Brasília analisa a possibilidade de extirpar, no mínimo, 200 mil hectares da área atualmente protegida.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que rastreia o desmatamento por satélite, a floresta perdeu, em 2012, 5.069 hectares até outubro. No mesmo período do ano passado, o número era consideravelmente menor: 972 hectares. “A área onde a Anglo American está fazendo as pesquisas é uma das mais preservadas da Flona”, analisa Marques.
Corredor do agronegócio
Itaguaí Mendes da Silva já não descarta um conflito sangrento na pequena comunidade de Açaizal, localizada a 40 quilômetros do centro de Santarém, o maior município do Tapajós, com 300 mil habitantes. Até dez anos atrás, além de plantar a própria roça e tirar peixe do igarapé que banha o povoado, as 54 famílias – descendentes de indígenas e nordestinos – também arrumavam trabalho como vaqueiros ou capinadores de pasto nas fazendas de gado que circundavam Açaizal.
Porém, desde a chegada dos “gaúchos”, como são apelidados os produtores de grãos que compraram as terras dos criadores de bois a partir de 2001, a relação com os novos vizinhos nunca foi tão tensa. “Nós estamos cercados pela soja”, desespera-se Itaguaí. “A gente não pode nem mais criar galinha. Antes os animais ficavam livres. Agora, não dá para soltar. Se soltar, e eles forem para a área dos gaúchos, morrem.”
Itaguaí também reclama do assoreamento e da contaminação com agrotóxicos dos igarapés onde a comunidade pesca. Por essa razão, os moradores de Açaizal lutam, desde 2004, para que o governo federal reconheça a comunidade como uma terra indígena e retire os sojeiros da área. “Esperamos que em 2013 saia pelo menos uma audiência pública”, afirma.

Moradores da comunidade Açaizal, em Santarém (PA), reclamam da contaminação do igarapé por sojeiros / Foto: Fernanda Ligabue
Moradores da comunidade Açaizal, em Santarém (PA), reclamam da contaminação do igarapé por sojeiros (Foto: Fernanda Ligabue)
Os “gaúchos” do oeste paraense não vêm apenas do Rio Grande do Sul. “Muitos são ex-funcionários de grandes fazendas do Mato Grosso, atraídos pelas terras baratas da região”, explica Gílson Rego, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os preços baixos se justificam pela completa ausência de títulos de propriedade regularizados.
“Dez anos atrás, a terra não valia nada aqui. Eram R$ 250 o hectare [equivalente a um campo de futebol, aproximadamente]. Hoje, já está bem mais valorizado, na casa de R$ 5 mil o hectare”, afirma Toni Silver, coordenador da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa). Mesmo assim, o preço é ainda muito baixo quando comparado aos locais onde mais se produzem grãos no país: em Sinop (MT), o mesmo pedaço de terra não é vendido a menos de R$ 21 mil, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola (Imea).
No oeste paraense, as fazendas de soja cresceram em torno do porto da multinacional Cargill instalado na foz do rio Tapajós, em Santarém, e se concentram na zona rural desse município e na do vizinho Belterra. Como a falta de títulos regularizados inviabiliza a obtenção de crédito em bancos públicos, a trading norteamericana, uma das maiores comerciantes de commodities agrícolas do mundo, é a principal fonte de financiamento dos produtores. “Existem 170 produtores cadastrados na Cargill”, afirma Silver.
Quem chega pela BR 163 a Santarém depara-se ao longo da estrada com alguns silos e armazéns para estocagem não só de soja, mas também de milho e arroz. Porém, a realidade é que as lavouras de grãos ocupam uma área ainda pouco expressiva, que não chega a 60 mil hectares. “Esse é o tamanho de uma única propriedade comum no Mato Grosso”, compara o coordenador da Faepa.
Silos para estocagem de grãos na BR 163: Tapajós é corredor para escoamento do agronegócio do Mato Grosso (Foto: Fernanda Ligabue)
Mais do que uma fronteira para produção, o Tapajós é visto principalmente como um corredor para escoar a produção do Mato Grosso. Além da BR 163, que deve ser completamente asfaltada até 2014, o governo também planeja aproveitar as hidrelétricas para construir eclusas que podem viabilizar uma hidrovia ligando o rio Teles Pires, no Mato Grosso, ao Tapajós.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) até chegou a promover uma licitação para encomendar o projeto técnico da hidrovia. Porém, nenhuma empresa se interessou pelos R$ 14 milhões oferecidos para o trabalho, o que levou o órgão federal a suspender o edital. Mas há quem duvide da obra, pelo menos, para o curto prazo. A desconfiança vem da simples observação da história: as eclusas da hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, ficaram prontas 26 anos após a inauguração da usina.
A ideia da hidrovia é ligar o norte do Mato Grosso ao município de Santarém, onde as embarcações saem do Tapajós, adentram o rio Amazonas e da lá ganham o mundo pelo Atlântico. No porto da Cargill localizado em Santarém, cerca de 95% da carga movimentada vêm do Mato Grosso. Mas, por enquanto, os grãos são primeiro transportados de caminhão até Rondônia e, de lá, seguem em barcaças pelo rio Madeira até o rio Amazonas, que recebe o seu afluente Tapajós em Santarém. No terminal da multinacional norteamericana, são carregados os porões de navios capazes de transportar até 60 mil toneladas de grãos.
O porto fluvial da Cargill foi objeto de intensos questionamentos por parte de ambientalistas e movimentos sociais nos últimos anos. Com o consentimento do governo do Pará, a empresa iniciou a operação do terminal sem a realização prévia do Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) – requisito básico previsto na legislação para licenciar qualquer grande empreendimento. “O porto foi construído em cima de sítios arqueológicos importantes. Além disso, acabou privatizando a praia de Vera Paz, que era muito utilizada pela população de Santarém”, conta Érina Gomes, advogada da ONG Terra de Direitos.

Porto fluvial da Cargill em Santarém (PA) (Foto: Fernanda Ligabue)

Segundo o diretor de portos da Cargill, Clythio Buggenhout, a empresa construiu o seu terminal depois de vencer em 1999 uma licitação aberta pela Companhia de Docas do Pará (CDP), vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República. De acordo com ele, a área gerida pela CDP já era uma zona portuária consolidada e tinha licença operacional para diversas atividades.
“Foi feita uma consulta à Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (Sema-PA) e, como o porto já estava licenciado, ela informou que bastaria fazer um Plano de Controle Ambiental (PCA)”, explica Buggenhout, que, antes de assumir o cargo na Cargill, presidiu a CDP entre 2007 e 2009. De acordo com o executivo, até o começo da década passada, não era comum que se cobrasse a realização de um EIA/Rima para licenciar um terminal portuário. “Hoje a gente entende que todo mundo tem que fazer EIA/Rima para qualquer terminal. Mas, na época, era atípico.”
Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Cargill respondeu a questionamentos da Pública. Clique aqui para ler a íntegra das respostas.
As justificativas da Cargill não convenceram o MPF, que se baseou sobretudo na Resolução 237, de 1997, publicada dois anos antes da licitação vencida pela Cargill, para cobrar a realização do EIA/Rima. Depois de um longo questionamento judicial promovido pelo MPF, que até obteve liminares para paralisar temporariamente as atividades do porto, a Cargill foi obrigada a fazer o estudo.
A primeira versão foi concluída em 2008 – cinco anos após a inauguração do terminal fluvial. Porém, a Sema-PA exigiu que o trabalho fosse refeito e que se ampliasse a área de influência do empreendimento, para que fossem analisados os impactos socioambientais trazidos pela inevitável expansão do cultivo da soja no oeste paraense, impulsionada pelo porto. A segunda versão do EIA/Rima ficou pronta em 2010.
Porém, o imbróglio está longe de chegar ao fim: a CPEA (Consultoria, Planejamento e Estudos Ambientais), empresa contratada pela Cargill para fazer o estudo de impacto ambiental, é acusada de fraude pelo MPE-PA. Na ação movida pelo órgão estadual, a CPEA é acusada de ter inserido “informações parcialmente incongruentes, as quais apontam desconformidades entre os textos utilizados como pilares para a construção dos argumentos favoráveis ao Licenciamento Ambiental da empresa Cargill S.A. e os resultados dos próprios autores quanto às suas conclusões”.
Dentre os dados supostamente distorcidos pela CPEA, por exemplo, encontram-se estatísticas sobre o desmatamento na zona rural de Santarém, que teriam sido adulteradas de forma a não serem diretamente correlacionadas à instalação do porto da Cargill. Entidades que trabalham em parceria com movimentos sociais e populações tradicionais também acusam o EIA/Rima de não levar em consideração os problemas sofridos por algumas comunidades do Planalto Santareno descendentes de indígenas e de quilombolas, impactadas diretamente pelo plantio e pelo transporte da soja, como se verifica no povoado de Açaizal.
O representante da Cargill nega que a empresa esteja fomentando a violação de direitos de comunidades tradicionais. “A Funai nunca nos oficiou, dizendo que estamos comprando indevidamente de alguma fazenda em área indígena”, argumenta Buggenhout. Ele também afirma que, para a empresa, a produção de soja no oeste do Pará, “comercialmente, é irrisória”. “Se toda a região de Santarém for plantada com soja, e não é isso que a gente quer, ainda assim não seria significativo no movimento do terminal, que já se movimenta – 95% – com  carga vinda do Mato Grosso.”
Em entrevista concedida à Pública por e-mail, o diretor-presidente da CPEA, Sérgio Luis Pompeia, refuta as acusações do MPE-PA e afirma que “não houve qualquer dado distorcido sobre o desmatamento nas áreas de influência do empreendimento”. Além disso, diz ele, “as áreas indígenas e de quilombolas existentes na área de influência indireta do empreendimento foram todas relacionadas e analisadas dentro do diagnóstico do EIA/Rima”. Pompeia argumenta ainda que a ação movida pelo MPE-PA “decorreu de um equívoco na análise do EIA realizada por seus assistentes técnicos”. O processo judicial ainda está longe de ter um desfecho: a primeira audiência está marcada para agosto de 2013.
Apesar das desconfianças em relação ao EIA/Rima, o fato é que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará concedeu, em agosto deste ano, a licença operacional para funcionamento do terminal e, de quebra, também aprovou a licença de instalação para que a infraestrutura do porto seja expandida. “Muitas empresas do agronegócio estavam esperando resolver esse caso da Cargill. Já temos notícias de que outras querem construir portos no Tapajós”, explica Érina.

Campos de soja na beira da PA 370, em Santarém (PA) (Foto: Fernanda Ligabue)
A menina dos olhos das grandes empresas do agronegócio – e também do setor de transporte de cargas – é o distrito de Miritituba, localizado na margem direita do rio Tapajós, no município de Itaituba. Trata-se de um ponto logístico estratégico não só pela via fluvial, mas também pelo modal rodoviário. É precisamente do lado direito do rio, na altura de Miritituba, que se encontram tanto a BR 163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém, como as vias de acesso à rodovia Transamazônica, que rasga a Amazônia de leste a oeste.
Em Miritituba, barcaças de pequeno porte serão carregadas sobretudo com grãos e vão seguir viagem pelo Tapajós e pelo rio Amazonas até outros portos fluviais de maior envergadura, como os dos municípios de Santarém, Barcarena (próximo à capital paraense) e Santana, no entorno de Macapá (AP). “Mas não são apenas grãos que vão ser escoados. Produtos da Zona Franca de Manaus (AM) também devem chegar à região Centro-Oeste a partir de Miritituba”, analisa Buggenhout.
Além da própria Cargill, pelo menos três grandes empresas já compraram terrenos em Miritituba, nos últimos dois anos, para a construção de novos terminais. Uma delas é a também norte-americana Bunge, que figura entre as quatro maiores empresas mundiais do agronegócio e que já está com o processo de licenciamento ambiental do porto em fase avançada. As outras duas são a Hidrovias do Brasil (HB), pertencente ao fundo de investimento P2 Brasil, e a Cianport – empresa ligada a grandes produtores de grãos do Mato Grosso interessados em fazer a logística da sua produção por conta própria. Mas há quem diga que o número de novos portos possa ser até duas vezes maior.
Exageros e especulações à parte, não há como negar que o Tapajós é a bola da vez na expansão da fronteira amazônica – processo que, historicamente, deixou feridas não cicatrizadas devido à lógica predatória com que se instalou em outras partes da floresta. Resta torcer para que a história não se repita no oeste do Pará. Mas, pelo andar da carruagem, a torcida terá de ser grande. Muito grande.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Amazônia abriga terceira corrida do ouro no Brasil

Amazônia abriga terceira corrida do ouro no Brasil

O que o resultado das operações de fiscalização de crimes ambientais sinalizava, e o governo temia, está sendo confirmado agora por especialistas em mineração e órgãos ambientais: começou, há quase cinco anos, a terceira corrida do ouro na Amazônia Legal, com proporções, provavelmente, superiores às do garimpo de Serra Pelada, no sul do Pará, no período entre 1970 e 1980.
Nos últimos cinco anos, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) desativou 81 garimpos ilegais que funcionavam no norte de Mato Grosso, no sul do Pará e no Amazonas, na região da Transamazônica. O Ibama informou que foram aplicadas multas no total de R$ 75 milhões e apreendidos equipamentos e dezenas de motores e balsas.
Nesta semana, fiscais do Ibama e da Funai (Fundação Nacional do Índio) e agentes da Polícia Federal, desativaram três garimpos ilegais de diamante no interior da Reserva Indígena Roosevelt, em Rondônia. Dezessete motores e caixas separadoras usadas no garimpo ilegal foram destruídos, cessando o dano de imediato em área de difícil acesso.

Garimpo de Serra Pelada, no Pará19 fotos

Empreendimentos de mineração de médio porte povoam de crateras a paisagem ao redor de Serra Pelada
A retomada do movimento garimpeiro em áreas exploradas no passado, como a Reserva de Roosevelt, e a descoberta de novas fontes de riqueza coincidem com a curva de valorização do ouro no mercado mundial. No ano passado, a onça – medida que equivale a 31,10 gramas de ouro – chegou a valer mais de US$ 1,8 mil.
Com a crise mundial, a cotação no mercado internacional, recuou um pouco este ano, mas ainda mantém-se acima de US$ 1,6 mil. No Brasil, a curva de valorização do metal continua em ascensão. No início deste ano, o preço por grama de ouro subiu 12%, chegando a valor R$ 106,49.
"É um valor muito alto que compensa correr o risco da clandestinidade e da atividade ilegal. Agora qualquer teorzinho que estiver na rocha, que antes não era econômico, passa a ser econômico", afirma o geólogo Elmer Prata Salomão, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral e ex-presidente do DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral), ligado ao Ministério de Minas e Energia.


Como a atual corrida do ouro é muito recente, os dados ainda são precários e os órgãos oficiais não têm uma contagem global. Segundo Salomão, que presidiu o DNPM na década 1990, depois da corrida do ouro de Serra Pelada, foram feitos levantamentos que apontaram cerca de 400 mil garimpeiros em atividade no Brasil.

Regiões estratégicas

O secretário executivo da Adimb (Agência para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira), Onildo Marini, cita duas regiões em Mato Grosso consideradas estratégicas para o garimpo: o Alto Teles Pires, no norte do estado, que já teve forte movimento da atividade e hoje está em fase final, e Juruena, no noroeste mato-grossense, onde o garimpo foi menos explorado.
"Tem garimpos por toda a região e tem empresas com direitos minerários reconhecidos para atuar lá", relata. Como ainda há muito ouro superficial que atrai os garimpeiros ilegais, a área tem sido alvo de conflitos. As empresas tentaram solucionar o problema no final do ano passado, quando procuraram o governo de Mato Grosso e o DNPM. "A notícia que tive é que a reunião não foi muito boa. Parece que o governo local tomou partido do garimpo", disse ele. Procurado pela Agência Brasil, o governo de Mato Grosso não se manifestou.
"Os garimpos mais problemáticos são os de ouro e diamante. Na Amazônia, incluindo o norte de Mato Grosso, estão os mais problemáticos e irregulares, tanto por estarem em áreas proibidas, como por serem clandestinos."

Veja registros do desmatamento na Amazônia nos últimos anos71 fotos

 - Foto aérea mostra a floresta Amazônica (na parte superior) fazendo fronteira com terras desmatadas para o plantio de soja, em Mato Grosso. A foto foi tirada neste domingo (4) e divulgada hoje. O Brasil produzirá um recorde de 97,8 milhões de toneladas de soja em 2015/16, um aumento de 3,2% em comparação com 2014/15 Paulo Whitaker/ Reuters
A Reserva Roosevelt, no sul de Rondônia, a 500 quilômetros da capital, Porto Velho, é outro ponto recorrente do garimpo ilegal. A propriedade de mais de mil índios da etnia Cinta-Larga, rica em diamante, foi palco de um massacre, em 2004, quando 29 garimpeiros, que exploravam clandestinamente a região, foram mortos por índios dentro da reserva. O episódio foi seguido por várias manifestações dos Cinta-Largas, incluindo sequestros, que pediam autorização para explorar a reserva.
"Agora existe um grupo de garimpeiros atuando junto com os índios, ilegalmente. Agora, eles estão de mãos dadas. A gente viu fotografias com retroescavadeiras enormes", diz o geólogo.
Os garimpos na Reserva do Roosevelt voltaram a ser desativados esta semana, quando o Ibama deflagrou mais uma operação na região, com o apoio da Polícia Federal.
Marini explicou que ainda não é possível contabilizar os números da atividade praticada ilegalmente na região. "Não há registro. Em Tapajós, onde [o garimpo] está na fase final, falava-se em valores muito altos, em toneladas de ouro que teria saído de lá, mas o registro oficial é pequeno, a maior parte é clandestina. Ouro, diamante e até estanho, que é mais barato, na fase de garimpo, mais de 90% era clandestino".

Novo garimpo de ouro é descoberto no sul do Amazonas

Novo garimpo de ouro é descoberto no sul do Amazonas


Do correspondente.

Um novo garimpo de ouro foi descoberto no sul do Amazonas no município de Santo Antônio do Matupi distante 180km do município do Humaitá, o garimpo fica localizado na rodovia Transamazônica no KM 156 da linha União KM e tem rendido inicialmente alguns quilos de ouro.  O município de Santo Antônio do Matupi, também é conhecido como KM 180 vem crescido diariamente o movimento, recebendo centenas de garimpeiros de Rondônia, Amazonas e Pará. Movimentando a economia local, promovendo o desenvolvimento e o crescimento desordenado da cidade.


A exploração era feita de forma manual por integrantes de uma família que decidiiram abrir para os empresários e a todos que se interessam em explorar a lavra de ouro. Acredita-se que é um novo explorar a lavra do ouro. Acredita-se que é um novo Eldorado, que tem previsão maior que o do Rio Juma (Apuí).



Pepitas de Ouro

Pepitas de Ouro

 

A descoberta de ouro na porção norte do estado do Maranhão, na região localizada entre os rios Gurupi e Maracaçumé, remonta ao ano de 1624, quando das primeiras incursões de aventureiros europeus em território brasileiro. Segundo relatos da época os primitivos índios que viviam na região já conheciam o metal considerando-o todavia de pouca importância. Os primeiros a explorarem o ouro foram os padres jesuítas que se utilizaram de índios e escravos africanos para retirar o metal das aluviões. No início do século XIX. Estes jesuítas se estabeleceram em uma área próxima a Serra do Pirocaua onde hoje é a Vila Aurizona, no município de Godofredo Viana. A busca do ouro espalhou-se para além das bacias dos Turiaçu e Maracaçumé, alcançando a cidade de Bragança no estado do Pará. Ao final do século uma firma inglesa denominada Companhia de Mineração de Ouro Montes Áureos, montou escritório na região. Nesta época o governo brasileiro começou a regularizar as atividades mineiras na região.
No início do século XX ocorreu a primeira invasão de garimpeiros na região, que passaram a batear as aluviões do rio Maracaçumé. Em 1954 a Companhia de Mineração Maranhense tentou o emprego de lavra mecanizada, não vindo a alcançar todavia o resultado esperado.
Além do ouro aluvionar foram identificadas ocorrências de ouro primário em veios de quartzo na Mina Nova, porém os teores revelaram-se antieconômicos.

LOCALIZAÇÃO E ACESSO
A área com ocorrência de ouro situa-se na porção norte-noroeste do Estado do Maranhão (Figura 1), abrangendo os municípios de Turiaçu, Carutapera, Cândido Mendes, Godofredo Viana e Luís Domingues. As vilas de Aurizona e Redondo, esta última situada às margens do rio Maraçumé, são os principais centros de exploração e comércio de ouro. O acesso a área partindo-se da capital maranhense, São Luís, é feito inicialmente por via rodoviária até Vizeu no estado do Pará, e a partir daí, somente por via marítima, até a denominada Baixada Maranhense. Por via aérea atinge-se as cidades de Turiaçu e Carutapera por meio de aviões de pequeno e médio porte. As ocorrências de ouro somente podem ser alcançadas por estradas carroçáveis e/ ou barcos de pequeno calado.

CLIMA E VEGETAÇÃO
O clima da região é quente e úmido, com intensa precipitação anual , que nos meses de março e abril atinge seu valor mais alto, 2.184,3 mm. A temperatura média anual é de 26 o com uma amplitude térmica de apenas 2o . A umidade relativa chega a atingir 85% em alguns meses do ano.
A vegetação maranhense particulariza-se na região costeira pela presença de manguezais, que são substituídos por gramíneas de campos alagados ou secos, para interior adentro aparecer a zona da mata. A floresta amazônica está representada na porção noroeste e parte da região central do Maranhão.

MODO DE OCORRÊNCIA
Tais depósitos tanto podem ser marinhos, como fluviais e até mesmo flúvio-marinho, e são compostos essencialmente por areias mal selecionadas, silte, argila e cascalho.

PRINCIPAIS GARIMPOS DA REGIÃO
De acordo com Neto(1982) são os seguintes os principais garimpos da região:

Garimpo do Caboré
Situado a nordeste da Vila Livramento, apresenta as seguintes coordenadas: 45o 54’ 36" W e 01o 17’ 24" S. A média da produção chegou a alcançar 50 gramas de ouro em uma semana.

Garimpo da Poeira.
Localizado 30 km a Oeste do povoado de Livramento, exibe as seguintes coordenadas 45o 57’ 00 "W e 01o 19’ 00" S. Neste local o ouro é encontrado no leito intermitente do igarapé Poeira, disseminado em espessa camada de material aluvionar essencialmente constituído de argilas de cores amarela a vermelha.

Garimpo Pedra de Fogo
Este garimpo situa-se nas imediações da vila de mesmo nome, com as seguintes coordenadas: 45o 49’ 24" W e 01o 22’ 24" S. O garimpo de ouro aluvionar vem sendo feito num buraco com 25 metros de profundidade e é retirado de uma argila esverdeada denominada de tabatinga pelos garimpeiros do local

Garimpo do Igarapé Cavala
Distante 1,5 km da cidade de Luís Domingues na direção da cidade de Carutapera, no vale do Irrí-Açu, possui as seguintes coordenadas: 45o 54’ 30" W e
01o 19’ 06" S. O ouro é retirado de um cascalho situado a 2,5 metros de profundidade

Garimpo da Ponta do Jardim
Localizado ás margens do Rio Itererê 4 km da cidade de Godofredo Viana, exibe as seguintes coordenadas 45o 44’ 30" W e 01o 22’ 06" S. Encontra-se atualmente desativado.

Garimpo Praia Velha
Situado na localidade de mesmo nome, na foz do rio Irirímirim, com coordenadas de 45o 54’ 48" S e 01o 08’ 54" S. O acesso ao garimpo somente pode ser feito por meio de barco, em jornada de uma hora a partir de Carutapera. A região é de mangue e o ouro ocorre misturado a uma camada de 30 cm de areia fina esbranquiçada, coberta por sedimentos de maré.

Garimpo do Tromaí
Situado no leito do rio Tromaí, apresenta as coordenadas de 45o48’ 36" W e 01o 23’ 12" S. O ouro ocorre em aluviões do rio, e as atividades garimpeiras limitam-se à época do inverno

Garimpo do Maraçumé
Localizado no leito do Rio Maracaçumé, , próximo a cidade de Cândido Mendes, com as coordenadas 45° 43’ OO" W e 01° 26’ 30" S. O ouro ocorre em cascalheira do rio normalmente coberta por 1 a 2 metros de areia, que é removida por chupadeira para então lavrar-se o cascalho.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Placeres diamantíferos do Rio Itiquira, MT, Brasil Diamond placers of the Itiquira River, MT, Brazil

Placeres diamantíferos do Rio Itiquira, MT, Brasil Diamond placers of the Itiquira River, MT, Brazil Itiquira situa-se a SE de Cuiabá, no Estado de Mato Grosso e está inserida no contexto geológico da porção NW da Bacia do Paraná, que do mais antigo para o mais jovem são coberturas cretáceas (Formação Marília), terciárias (Formação Cachoeirinha) e quaternárias (Formação Pantanal). Os cascalhos inconsolidados desta última unidade são hospedeiros de diamantes, que são explorados às margens do Rio Itiquira nos garimpos conhecidos por Cambaúva, Cavoqueiro, Bode e fazendas Formosa e Velha. Os primeiros registros sobre a extração de diamantes dos cascalhos diamantíferos remontam ao século XX, ano de 1930 e ocorreram no garimpo do Cavoqueiro, situado na margem direita do rio a aproximadamente 1 km a jusante da cidade. A região experimentou alta atividade garimpeira e descoberta de novas frentes até o ano de 1940. Desde então os garimpos entraram em declínio e a descoberta de novas frentes também. Foram realizados mapeamentos geológicos das frentes abandonadas que permitiram o empilhamento estratigráfico dos placeres, aos quais adicionamos informações sobre a idade absoluta e o estudo de química mineral em concentrados. A associação das informações geológicas e de geocronologia evidencia a existência de três eventos deposicionais aqui informalmente denominados de T0 a T2, distribuídos ao longo do canal, planícies e terraços laterais mais antigos. Utilizamos a técnica de LOE (Luminescência Opticamente Estimulada) para cinco amostras coletadas desde o canal até o terraço mais elevado. A idade mais jovem, de 660 ± 90 anos, foi obtida na amostra EIT 13 e a idade mais antiga, de 8400 ± 858 anos, na amostra EIT 05, ambas em terraço T1. O conjunto de idades mostra que os terraços diamantíferos foram depositados a partir do Holoceno e retrabalhados até 660 ± 90 anos. Amostras coletadas para estudo dos minerais pesados foram analisadas em lupa e microssonda eletrônica. Os minerais identificados foram as granadas G0, G3, G4 e G4D; o rutilo; a ilmenita; a safira; o zircão; e, óxidos secundários de ferro. A maioria dos minerais identificados não mostra associação com fontes primárias férteis em diamante, com exceção da granada G4D. Palavras-chave: Itiquira, diamante, placeres, armadilhas, idade, minerais indicadores Abstract Itiquira is situated SE of Cuiabá, in the Mato Grosso State, and is inserted in the geological context of NW portion of the Paraná Basin, which from oldest to youngest includes the Cretaceous Marilia Formation, the Tertiary Cachoeirinha Formation and the Quaternary Pantanal Formation. Unconsolidated gravels from the latter unit host diamonds that are mined on the rivers known for rudimentary mining in Itiquira: Cambaúva, Cavoqueiro, Bode and Formosa and Velha farms. First records on the extraction of diamonds from these gravels date to the twentieth century, 1930, and took place in the artisanal mining Cavoqueiro, located on the right bank of the river, about 1 km downstream of the city. The region experienced high mining activity and the discovery of new mining areas by the year of 1940. Since then, the artisanal mining and the discovery of new fronts went into decline. We carried out geological mapping of abandoned fronts allowing the stratigraphic stacking of the placers, determination of their absolute age and study of the chemistry of mineral concentrates. The combination of geological and geochronological studies demonstrate the existence of three depositional events here informally termed T0 to T2, distributed along the channel, plains and older terraces on both sides. We used the LOE (Optically Stimulated Luminescence) dating technique for five samples collected from the channel to the highest terrace. The youngest age of 660 ± 90 years, was obtained in the sample EIT 13 and the oldest with 8400 ± 858 years in the sample EIT 05, both samples at T1 terrace. The ages show that part of these diamondiferous flats were deposited from the Holocene, and reworked until 660 ± 90 years. Heavy mineral samples collected for the study were examined with magnifying glass and analyzed by electron microprobe. The minerals identified were the garnets G0, G3, G4 and G4D, rutile, ilmenite, sapphire, zircon, and secondary iron oxides. Most of the identified mineral shows no close association with fertile diamond primary sources, with the exception of the garnet G4D. Keywords: Itiquira, diamond, placers, traps, age, mineral indicator boletim paranaense de geociências Santana & Weska/Boletim Paranaense de Geociências 68-69 (2013) 26-35 27 1. Introdução O estudo de depósitos de placeres no Brasil foi intensificado nas últimas décadas por apresentar grande importância econômica, como hospedeiros de recursos minerais com destaque para o diamante. Em Mato Grosso, potencialmente existem placeres diamantíferos extensos e espessos, decorrentes do condicionamento climático favorável ao intemperismo e como parte da evolução da Bacia do Pantanal. Rios como o Paraguai, Cuiabá, das Mortes, Itiquira, entre outros, ao longo de ambas as margens comportam placeres diamantíferos. Nestas últimas décadas, este potencial posiciona Mato Grosso entre os principais estados produtores de diamante. Por décadas a história de Itiquira esteve intimamente relacionada à descoberta e garimpagem de depósitos diamantíferos ao longo do rio Itiquira e em várias frentes (Marques 2004). Dos inúmeros vestígios de garimpos existentes, cinco foram estudados: Cambaúva, Cavoqueiro, Bode e fazendas Formosa e Velha. Neste estudo foi possível realizar mapeamento dos pacotes mineralizados em diamante, obtendo-se as características litológicas e empilhamento estratigráfico. Ademais, foram obtidas cinco idades absolutas pelo método de quartzo luminescência em pacotes areno-cascalhosos posicionados em distintas cotas topográficas no vale, assim como estudo preliminar sobre a existência de minerais pesados indicadores de fontes primárias diamantíferas kimberlítica ou outras. 2. Localização e vias de acesso As frentes de garimpos de diamante pesquisadas situam-se na porção extremo SE do Estado de Mato Grosso, no Município de Itiquira, distribuídas em uma área de cerca de 100 km2, na fronteira entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Figura 1). De Cuiabá a Itiquira o acesso é feito pela BR 163. Esta BR interliga Cuiabá a Campo Grande e passa por Rondonópolis. A partir desta cidade até o trevo de acesso a Itiquira, no entroncamento com a MT 370 são71 km. Deste trevo até Itiquira, à distância é de 76 km e o percurso total a partir de Cuiabá soma 362 km. Os acessos às diferentes frentes de garimpos foram realizados através de estradas vicinais (Figura 1). Estas estradas, em grande parte, foram construídas pelos garimpeiros e hoje constituem as principais vias que interligam a cidade com fazendas e chácaras em Itiquira. 3. Materiais e métodos O mapeamento geológico de pontos e das frentes de garimpos de diamantes (Figura 2) foi na escala entre 1:100 a 1:1.000. Foram descritas as características litológicas, bem como a sequência cronológica preliminar dos eventos deposicionais desde o canal atual até os terraços laterais mais elevados e, em princípio, os mais antigos. A compilação dos variados pontos permitiu a elaboração de dois perfis aproximadamente perpendiculares ao canal do Rio Itiquira (Figura 2), que foram plotados sobre a base cartográfica Folha Itiquira, SE. 21-X-D-III, DSG, 1976. Figura 1 – Mapa de localização e acessos ao município de Itiquira e garimpos estudados. Santana & Weska/Boletim Paranaense de Geociências 68-69 (2013) 26-35 28 Estudos de fácies e de armadilhas (traps), de acordo com Weska et al. (1984) e Weska (1996a), suportaram a coleta de amostras de minerais pesados, Figura 3A. O método utilizado para a datação foi LOELuminescência Opticamente Estimulada, que se baseia na interação da radiação ionizante (radiação γ, partícula β e partícula α) com o cristal natural. Quando a radiação incide sobre o cristal, ocorre a ionização do mesmo, com a criação de pares de cargas positivas e negativas no seu interior (Tatumi et al. 2008). As idades foram obtidas no Laboratório de Vidros e Datação da FATEC, Faculdade de Tecnologia de São Paulo. As amostras foram coletadas em poços de 0,90 m de diâmetro e de profundidade, com ambiente livre de ações antrópicas, de animais (zoorturbações) ou de plantas (fitoturbações) (Sallun et al. 2007). Os amostradores foram tubos de PVC, com 0,40 cm de diâmetro e tampões com anel de borracha para vedar as extremidades (Figura 3B). Em laboratório estas amostras, nas frações 0,88 a 0,18 mm, foram submetidas à lavagem com H2O2, HCl e HF, intercalados por enxágues de água destilada, para eliminar vestígios de matéria orgânica, carbonato e ionização do quartzo proveniente das partícula α que atuam na superfície do grão. Um ímã foi utilizado para separar minerais magnéticos da amostra, que em seguida foram imersos em politungstato de sódio para separar a fração de minerais pesados. Etapas subsequentes permitiram a determinação das doses acumuladas natural e anual. A dose acumulada natural foi obtida através do equipamento OSL Automated Systems, modelo 1100-series, Daybreak Nuclear Instruments Inc. Esta dose resulta de medidas das intensidades de LOEnat e as LOEres + irradiação, com incidência de luz azul e detecção no UV pelo método de regeneração total. A partir daí, é feita a curva de calibração onde são inseridos os valores de LOEnat. O ajuste dos pontos experimentais de intensidade de LOE no valor de pico, quando comparados com valores de doses conhecidas nos fornecem o valor da dose acumulada em Gy. A dose acumulada anual foi medida por estação espectroscópica portátil Canberra Inspector com detector: NaI – Tl. As amostras em recipiente plástico são colocadas em um espectrômetro para medidas durante 24 h. Este equipamento faz uma varredura de energia e fornece uma relação de Contagem versus Energia. A partir desta relação, são extraídos os valores de intensidade de contagem referentes à energia dos elementos U (Urânio), Th (Tório), K (Potássio). A idade em anos resulta da equação: Dose Acumulada Natural (Gy)/Dose Anual (Gy/ano). A prospecção de minerais pesados indicadores foi realizada nos cascalhos diamantíferos que ocorrem no rio e alguns afluentes, desde o canal até os terraços. O volume por amostra foi de 50 litros. As amostras em campo foram separadas granulometricamente em peneiras (Figura 3C e D) utilizadas em garimpos de diamantes, denominadas popularmente de refina 1,6 mm; fina 2 mm; média 3,6 mm; grossa 6 mm e sururuca 20 mm. O resíduo final abaixo de 1,6 mm foi concentrado em bateia. Em laboratório os concentrados foram novamente separados nas frações abaixo de 0,125 mm, entre 0,125 a 0,5 mm e acima de 0,5 mm. A fração entre 0,125 a 0,5 mm permitiu a qualificação dos minerais por identificação em lupa binocular. Entre 0,5 mm a 1 mm, os grãos destes pesados foram destinados à confecção de seções para o estudo da química mineral. Estas seções foram confeccionadas no Laboratório de Laminação da Universidade de Brasília (UNB) e analisadas no Laboratório de Microssonda Eletrônica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O equipamento utilizado foi o Cameca Camebax BX50. 4. Contexto geológico regional O Rio Itiquira drena a porção NW da Bacia do Paraná e deságua na Bacia do Pantanal. Os tipos litológicos que compõem o bedrock dos placeres diamantíferos deste rio, do mais antigo para o mais jovem, de acordo com Vasconcelos (2007), são: os grupos Guatá (Formação Palermo), Passa Dois (Formação Irati) e Bauru (Formação Marília). A Formação Cachoeirinha cobre as unidades anteriores e é coberta por Aluviões Atuais. Em Mato Grosso as Aluviões Atuais constituem a Formação Pantanal, conforme Oliveira & Leonardos (1943), com depósitos aluvionares constituídos por vasas, areias e argilas de deposição recente que ocorrem no Pantanal mato-grossense. Almeida (1959) discorreu sobre esta unidade como depositada em uma das maiores planícies no interior do continente, com entulhamento influenciado pela orogenia Andina e o ambiente deposicional fluvial e/ou flúvio-lacustre. Falhas distensivas NE, (Figura 4) delimitam aproximadamente a calha do Rio Itiquira. Regionalmente estas falhas são paralelas a Falha de Poxoréo, que marca a borda entre o graben e o horst do Rifte Rio das Mortes (Weska et al. 1996, Weska 1996, Gibson et al. 1997) e que foram reativadas pelo impacto da Pluma de Trindade durante o Cretáceo. 5. Os placeres Os placeres estudados estão distribuídos em depósitos desde o canal até os terraços laterais (Figuras 5A a D). São compostos por cascalhos na base e areia a argila no topo. Os cascalhos ao longo do rio cobrem, por discordância erosiva, rochas mais antigas do Terciário ao Permiano. Na área estudada normalmente o bedrock dos cascalhos diamantíferos é de tipos litológicos da Formação Marília, Santana & Weska/Boletim Paranaense de Geociências 68-69 (2013) 26-35 29 Figura 2 – Mapa de localização dos pontos estudados e os perfis AA’ e BB’. Figura 3 – Amostragem e concentração. Em A, para minerais pesados. Em B, para datação. Em C, peneiramento de cascalho. Em D, minerais pesados concentrados indicados pela seta. Santana & Weska/Boletim Paranaense de Geociências 68-69 (2013) 26-35 30 Grupo Bauru e, secundariamente, a Formação Palermo (Vasconcelos, 2007). As rochas da Formação Marília são arenitos finos a imaturos e intensamente silicificados (silcretes), como observado no Garimpo do Cavoqueiro (Figuras 5A e B). Os cascalhos normalmente possuem clastos que variam de grânulos a matacões e, eventualmente, ocorrem blocos. Entre os clastos predominam os de quartzo arenito, quartzo, silexito e laterita (Figuras 5C e D). Os dois primeiros tipos apresentam esfericidade média a alta e arredondamento bom a muito bom. Nos demais, a esfericidade é baixa e o arredondamento é ruim. A matriz é composta por argila a areia grossa e, por vezes, há cimento incipiente de óxidos de ferro. O arcabouço dos cascalhos varia de fechado (clasto suportado) a aberto (matriz suportando clastos) e a gradação é normal e, por vezes, inversa Walker (1975). As areias maturas a imaturas (Figura 5D) e por vezes, argilosas, cobrem os cascalhos. Os pacotes de placeres possuem cores branca a marron amareladas quando situados junto ao canal ou na planície de inundação e cores vermelhas a amareladas quando dispostos em terraços. Os primeiros são denominados pelos garimpeiros de grupiaras e os outros de monchões. A razão estéril/minério varia na proporção de 0:1 no canal e 3:1 nos terraços. A partir dos perfis AA’ e BB’ (Figuras 6 e 7) é possível sugerir o empilhamento estratigráfico dos pacotes areno-cascalhosos que, do mais antigo para o mais jovem, são aqui denominados informalmente de T2 a T0. Geralmente os placeres T2 são aqueles posicionados em cotas topográficas acima de 550 m e estão distribuídos ao longo de ambas as margens do Rio Itiquira, recobrindo parte da Formação Marília. Os pacotes tipo T1 ocorrem ao longo das cotas topográficas situadas entre 500 a 550 m. Os cascalhos T0 são aqueles posicionados geograficamente junto ao rio, afluentes e depositados em cotas topográficas abaixo de 500 m. Os cascalhos dos terraços mais elevados apresentam seixos a matacões com tipos litológicos similares a aqueles encontrados no T1 e T0; porém, o tamanho dos clastos, em média, difere. Os cascalhos tipo T2 são mais finos, enquanto que os cascalhos tipo T0 são em média mais grossos. Isto decorre do retrabalhamento realizado pelos eventos deposicionais T0 sobre os pacotes mais antigos T1 e T2. Figura 5 – Em A, escavação aberta no garimpo do Cavoqueiro. Em B, detalhe do contato discordante erosivo entre cascalho diamantífero no topo e os silcretes da Formação Marília na base. Em C, detalhe do cascalho clasto suportado no topo em contato discordante erosivo com silcretes. Em D, garimpo da Fazenda Velha, com destaque para a cobertura estéril branca. Santana & Weska/Boletim Paranaense de Geociências 68-69 (2013) 26-35 31 Figura 6 – Perfil Geológico AA’'. Mostra as formações Palermo e Marília sobrepostas por cascalhos dos “terraços” T2 e T1. O T0 é o canal atual do Rio Itiquira. Figura 7 – Perfil Geológico BB'. Mostra a distribuição dos “terraços” T2 e T1 em relação ao Rio Itiquira (T0) e no bedrock as formações Palermo e Marília. Armadilhas em ambiente fluvial constituem estruturas controladoras da evolução do rio e de captura (concentração) de recursos minerais, resultantes de condicionamentos hidrodinâmicos, litologia do bedrock, evoluções geomorfológica e tectônica. Na área estudada foram identificadas armadilhas tipo bolsões, panelas, veias e ajogo (Figuras 8 A a D), conforme descrito por Weska (1996a). As duas primeiras armadilhas são formas erosivas que predominam no bedrock dos garimpos do Cavoqueiro e Fazenda Velha, todavia foram vistas também no leito do rio, próximo ao garimpo do Bode. Veias são canais de corte e preenchimento (cut and fill), de pequeno porte e foram observadas nos cascalhos ou no limite entre o bedrock e o cascalho, como por exemplo, no garimpo do Cavoqueiro. O ajogo é um depósito de barra de pontal que ocorre no meandro do rio (Figura 8D) e a evolução desta armadilha foi controlada por falhas NE e NW. 6. Idades por luminescência do quartzo No Brasil os primeiros registros sobre a aplicação deste método de datação absoluta ocorreram a partir do ano de 1950; entretanto, a aplicação mais intensa em sedimentos iniciou a partir de 1980 (Sallun et al. 2007). Em Mato Grosso não há registro desta utilização. Os resultados das datações deste trabalho são apresentados na Tabela 1. Estes dados, associados ao empilhamento estratigráfico do quaternário local, mais os perfis geológicos, permitem diferenciar os eventos mais jovens dos antigos. A idade de 720 ± 120 anos da amostra EIT 14, corresponde aos depósitos atuais a subatuais T0; enquanto que, a idade de 8400 ± 858 anos, da amostra EIT 05, aos depósitos mais antigos e do terraço T1, Figura 9A. As idades obtidas nas amostras EIT 07, 11 e 13, respectivamente, Figuras 9B e 9A, foram interpretadas como retrabalhamento dos terraços mais antigos por eventos erosivos mais jovens e por reativação neotectônica da bacia. O conjunto de idades mostra que parte dos placeres diamantíferos do Rio Itiquira são holocênicos, principalmente aqueles eventos relacionados à T0 e T1. Em função do pequeno número de amostras e este trabalho não ter amostrado todos os terraços, pressupõe-se idades pleistocênicas para placeres nos terraços mais elevados > 550 m e assim melhor definir a evolução deste rio no Quaternário. Santana & Weska/Boletim Paranaense de Geociências 68-69 (2013) 26-35 32 Figura 8 – Tipos de armadilhas (traps). Em A, bolsão próximo ao garimpo do Bode. Em B, panela no Cavoqueiro. Em C, veia (cut and fill) em pacote cascalhoso. Em D, barras de pontal (ajogo) na Fazenda Formosa mostradas pelas setas. Tabela 1 – Idades dos pacotes quaternários obtidas pelo método de Luminescência Opticamente Estimulada (LOE). PONTOS UNIDADE LOCAL IDADE/ANOS EIT 05 T1 GARIMPO DO CAVOQUEIRO 8400 ± 858 EIT 07 T0 FAZENDA FORMOSA 1750 ± 210 EIT 11 T1 FAZENDA FORMOSA 4100± 430 EIT 13 T1 GARIMPO DO CAVOQUEIRO 660 ± 90 EIT 14 T0 GARIMPO DO CAMBAUVA 720 ± 120 Figura 9 – Pontos amostrados para datação por LOE. Santana & Weska/Boletim Paranaense de Geociências 68-69 (2013) 26-35 33 7. Minerais pesados O estudo de minerais pesados em depósitos secundários diamantíferos no mundo constitui um método de prospecção de vital importância para a prospecção de fontes primárias kimberlítica, lamproítica ou outras, conforme Addad (2001). O estudo da química de minerais indicadores norteia a prospecção de fontes primárias e contribui para o entendimento da provável gênese destes minerais. Por exemplo, minerais indicadores para kimberlito são as granadas G3D, G4D, G5D e G10D (Grütter et al. 2004), a picroilmenita, o espinélio e o cromodiopsído, principalmente. No caso de lamproíto, os minerais indicadores são: cromita, andradita, zircão, manganoforita, Ba-flogopita, priderita e wadeita (Gold 1984). Em Mato Grosso existem trabalhos que trataram sobre a prospecção, a gênese e/ou fertilidade dos corpos primários por meio da química mineral de minerais indicadores, como por exemplo, Weska (1996), Greenwood et al. (1998) e Greenwood (2001). Estudos sobre minerais indicadores e acompanhantes em depósitos de paleoplaceres e placeres estão descritos em Weska et al. (1984), Weska (1987, 1996) e Bittencourt Rosa et al. (1993). Os grãos de minerais pesados identificados em lupa binocular, com denominações utilizadas por garimpeiros em parêntesis, foram: o diamante na Figura 10; a magnetita; safira (azulinha); granada (chicória); ilmenita (pretinha); rutilo; zircão (microdiamante); e, óxidos de ferro (feijão). O percentual em peso de óxidos das granadas nas amostras EIT 14_1 a 14_7 (Tabela 2) situa-se entre 0,16 a 9,68 para o MgO; são empobrecidas em Cr2O3 com 0 a 0,06; os valores de CaO são baixos a altos, respectivamente, 0,31 a 7,19; o conteúdo de MnO entre 0,54 a 26,05; o FeOt de 16,24 a 27,70; o TiO2 varia entre 0,02 e 0,15; e, o Na2O entre 0 a 0,15. Resulta que duas composições moleculares de granadas existem. A primeira dominada pelo Fe2+, associada a Mg, caracterizada pelo par Alm42-55; Py31-40 e seguido de Gr3-16, And2-6 e Sp1-2. A segunda destaca o Mn em paragênese com o Fe2+, o par molecular dominante é Sp44-52; Alm42-47, seguido de Py1-8 e And1-2. Figura 10 – Diamantes capturados em garimpos de Itiquira. Um diagrama CaO X Cr2O3 foi construído para as granadas analisadas e o resultado é mostrado na Figura 11. Este diagrama foi proposto por Dawson & Stephens (1975) para discriminar granadas peridotíticas (G10), lherzolíticas (G9) e eclogíticas (G3). Grütter et al. (2004) adicionaram a este diagrama intervalos de percentuais de outros óxidos, como é o caso do TiO2, MgO, Na2O, FeO e o MGNUM= (MgO/40,3)/(MgO/40,3 + FeOt/71,85) [óxidos %], que permitem a classificação detalhada e individualizar granadas G0, G1, G3, G4, G5, G9, G10, G11 e G12. Granadas G9, G5, G4, G3 e G1 possuem campos em sobreposição que são discriminados por estes óxidos e o MGNUM. As granadas G3, G4, G5 e G10, com Na2O > 0,07%, de acordo com Grütter et al. (2004), sugerem associação composicional e de P-T com o diamante e as quais se adiciona o sufixo “D”. Figura 11 – Diagrama Cr203 vs CaO com os campos segundo Grütter et al. (2004). As granadas do Rio Itiquira são de variedades G0 (crustal), G3 (eclogito) e G4 (piroxenito). As granadas das amostras EIT14_1 a 7, tratadas pelo método proposto por Grütter et al. (2004), plotam nos campos G0, G3 e G4. O conteúdo de Na2O na granada da amostra EIT 14_3 é de 0,09 (Tabela 2) e é G4D. Sendo assim, entre as granadas coletadas no Rio Itiquira foram identificadas G0, G3, G4 e G4D. As granadas G0 (EIT 14_4, 14_6 e 14_7) com valores elevados de Mn (18,38 a 26,05%) e valores baixos de CaO (0,31 a 1,56%) e Cr2O3 (0 a 0,02%), não ocorrem em kimberlitos. As granadas G4 e G3 sugerem, respectivamente, fontes piroxenítica e eclogítica, enquanto a granada G4D indica associação com fonte kimberlítica fértil em diamante (Grütter et al. 2004). As ilmenitas das amostras EIT14_8 a 10 possuem baixos valores de MgO (0 a 1,44%) e elevados de MnO (1,36 a 7,29%). Os percentuais em peso de TiO2 variam de 49,41 a 53,41; e, o de FeOt entre 41,69 a 43,51, Tabela 2. A composição molecular é Ilm94-99, Geik0-6, Hem0-6 e plotam nos campos de granito e basalto do diagrama da Figura 12 proposto por Mitchel (1986). Kaminsky & Belousova (2009) descreveram valores elevados de MnO (0,63 a 2,49%) e baixos de MgO (0 a 0,24%) em ilmenitas Santana & Weska/Boletim Paranaense de Geociências 68-69 (2013) 26-35 34 Tabela 2 – Dados de química mineral de minerais pesados em percentual em peso. Amostra Na2O MgO Al2O3 SiO2 K2O CaO TiO2 Cr2O3 MnO FeOt NiO Total Mineral EIT14_1 0,06 8,68 22,06 38,81 0,00 3,22 0,07 0,00 0,55 25,20 0,03 98,69 granada EIT14_2 0,07 6,89 21,08 36,51 0,01 5,18 0,02 0,06 1,48 27,24 0,02 98,57 granada EIT14_3 0,09 9,68 22,15 36,29 0,05 3,19 0,05 0,04 0,54 27,70 0,08 99,87 granada EIT14_4 0,15 0,19 19,95 35,88 0,06 1,56 0,15 0,02 26,05 16,24 0,00 100,23 granada EIT14_5 0,05 8,75 21,83 36,69 0,04 7,19 0,10 0,00 0,46 23,80 0,00 98,91 granada EIT14_6 0,00 0,16 20,52 33,72 0,02 0,67 0,08 0,00 20,60 23,04 0,02 98,83 granada EIT14_7 0,05 1,93 20,48 35,38 0,02 0,31 0,14 0,00 18,38 23,64 0,02 100,35 granada EIT14_8 0,03 1,44 0,05 0,21 0,02 0,03 53,41 0,07 1,36 43,12 0,01 99,76 ilmenita EIT14_9 0,00 0,07 0,00 0,11 0,04 0,00 50,91 0,00 2,96 43,51 0,00 97,61 ilmenita EIT14_10 0,02 0,00 0,04 0,21 0,02 0,01 49,41 0,00 7,29 41,69 0,00 98,69 ilmenita EIT14_11 0,05 0,00 0,06 0,09 0,00 0,01 98,98 0,20 0,00 0,57 0,06 100,02 rutilo EIT14_12 0,00 0,02 0,07 0,14 0,01 0,00 96,95 0,40 0,00 0,21 0,06 97,86 rutilo EIT14_13 0,05 0,00 0,09 0,15 0,01 0,00 97,11 0,25 0,00 0,83 0,00 98,47 rutilo manganesíferas de kimberlitos em Juína, que também ocorrem em Guaniamo, Venezuela e sugeriram tratar-se de um indicador distinto para kimberlito. Os percentuais em peso de MgO e MnO nas ilmenitas analisadas são elevados, quando comparados aos das ilmenitas de kimberlitos em Juína. São também muito mais elevados do que em picroilmenita de kimberlito (0,2 a 0,3%) e sugerem fonte distinta de kimberlito. Figura 12 – Diagrama Fe2O3-FeTiO3-MgTiO3, mostrando os campos de ilmenitas de kimberlitos, de rochas alcalinas, de granitos (A) e basaltos (B) extraídos de Mitchel (1986). As ilmenitas do Rio Itiquira plotam em A e B. 8. Conclusões Os garimpos em Itiquira representaram em passado recente importante atividade econômica local e contrastam com o declínio atual. As frentes de garimpos abandonadas estudadas permitiram o empilhamento estratigráfico de depósitos diamantíferos quaternários. Os depósitos cascalhosos foram subdivididos informalmente em T0 a T2 e são hospedeiros de diamante. As armadilhas do diamante identificadas nestes placeres foram panela, bolsão, veia (canal de corte e preenchimento) e ajogo (barra de pontal). A idade mais jovem de 720 ± 120 anos foi obtida na amostra EIT 14 (Cambaúva), em cascalhos do canal atual do rio e T0. A mais antiga, no terraço da margem direita do rio, amostra EIT 05 (Cavoqueiro), T1, com idade de 8400 ± 858 anos e situam estes depósitos no Holoceno. As demais idades não refletem a idade de sedimentação, mas retrabalhamento dos terraços mais antigos por eventos erosivos mais jovens (T0). O estudo de minerais pesados indicadores e acompanhantes proporcionou a identificação de magnetita, safira, granada, ilmenita, rutilo e zircão. A partir da química mineral de minerais indicadores foram identificadas granadas G0 e G4+G3. A primeira não tem relação com fontes primárias kimberlíticas. A segunda é indicadora de fonte piroxenítica a eclogítica (Grütter et al. 2004), com baixo Cr2O3 e médio a alto CaO. Entre as granadas G4, o percentual em peso de Na2O na granada da amostra EIT14_3 é 0,09. Neste caso é uma granada G4D e indicadora de fontes primárias férteis em diamante. As ilmenitas estudadas são distintas de ilmenita magnesiana (picroilmenita) encontrada em kimberlito devido ao baixo conteúdo de MgO e o elevado de MnO. A plotagem das ilmenitas no diagrama Fe2O3-FeTiO3-MgTiO3 mostra derivação de fontes granítica e de basalto. Agradecimentos: Os autores agradecem a FATEC – Laboratório de vidro e datação pela obtenção das idades dos sedimentos, em especial a professora Sonia H. Tatumi e toda sua equipe. Agradecemos também o laboratório de Microssonda Eletrônica da UFRGS, em particular a professora Márcia Elisa Boscato e a técnica Juscelania Tramontina pela realização das análises de química mineral. Ao laboratório de laminação da UNB pelo suporte na montagem das seções de grãos e aos trabalhadores de Itiquira: Jucelino, Manoel, Paulo, Detinho e Dito, que se empenharam em nos fornecer dados sobre os garimpos e pelo acompanhamento nas etapas de campo