domingo, 29 de junho de 2014

GARIMPANDO EM REJEITOS DE GARIMPOS

GARIMPANDO EM REJEITOS DE GARIMPOS




            A atividade garimpeira é um trabalho essencialmente masculino e não sei de nenhum garimpo onde mulheres trabalhem ao lado de homens.

            Mas, se é normal que só os homens garimpem, é também normal que mulheres e crianças revolvam rejeitos deixados pela atividade dos homens, buscando material de qualidade inferior ou eventualmente alguma coisa de valor maior que eles possam ter deixado escapar. 

Isso não deixa, é verdade, de ser garimpagem também, mas não é o trabalho pioneiro, não é o desmonte primário do material mineralizado. É uma atividade secundária que só existe, quando existe, se houve homens que deram início ao garimpo e geralmente só enquanto eles nesse garimpo trabalham.

            Mas, há outro tipo de gente que revolve rejeitos de garimpos. São os colecionadores de minerais. Os garimpeiros tradicionalmente só aproveitam aquilo que eles estão buscando e minerais que se destacam pela beleza ou pela raridade são muitas vezes desprezados simplesmente porque não é aquilo que está sendo buscado.  Dizem inclusive que se um garimpo produzir ouro e diamantes os garimpeiros ficarão só com o diamante, porque ficar com os dois dá azar...

            Os garimpeiros de ametista da região do Médio Alto Uruguai, no norte do Rio Grande do Sul, chamam os minerais estranhos, ou mesmo minerais que eles conhecem, mas que se apresentam com uma aparência fora do comum, de “esquisitos”.

Minha coleção de minerais conta com vários “esquisitos” e várias peças bonitas que foram abandonadas por garimpeiros ou que deles recebi como presente. E não são bem mais numerosos simplesmente porque me falta espaço para guardá-los e porque no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina não existem garimpos em pegmatitos, rochas que fornecem minerais incríveis pela beleza, tamanho ou raridade.

A drusa abaixo, com cristais de calcita sobre ametista, provém de um garimpo de ametista do Rio Grande do Sul. (Clique nas fotos se desejar ampliá-las.) Mede 30x28x12 cm e pesa 11,9 kg. A ametista não tem boa cor, mas a peça é bonita pelo tamanho e pela associação com a calcita. Não estava no rejeito quando a vi, mas tampouco estava junto às peças que iam ser aproveitadas. Deixada de lado na boca de uma galeria (“broca”), me chamou a atenção e perguntei ao garimpeiro mais próximo o que iriam fazer com ela. Nada, disse ele. Quer levar?


Esta outra drusa, sim, estava solenemente largada no meio do rejeito. Ela mede 27x25x13 cm e pesa 8,1 kg.



O quartzo abaixo (10x8x6 cm) contém o que os garimpeiros da mesma região chamam de mosquitinhos. São inclusões de cristais de um outro mineral, a goethita, que podem ser pretos, como estes, ou dourados.  Para os garimpeiros, são impurezas e isso é motivo suficiente para descartar os cristais em que aparecem. São peças atraentes, curiosas, e que merecem figurar em coleções particulares e museus.

Os cristais de goethita às vezes formam tufos dispersos, como nesta amostra, mas outras vezes desenvolvem-se todos a partir de um mesmo plano cristalográfico, estando assim nivelados pela base.


Nesta outra drusa (7x6x4 cm), inclusões talvez também de goethita, não formam tufos, mas sim películas paralelas a uma das faces dos cristais. Esta bela peça também foi reprovada pelo controle de qualidade do garimpeiro...


Os cristais de moscovita que normalmente são vistos aqui no Rio Grande do Sul são pequenas palhetas de 1 cm ou menos de diâmetro, raramente 2-3 cm em veios pegmatoides. Mas, em um garimpo de gemas que visitei em Minas Gerais, o pátio junto à entrada da galeria estava forrado de moscovita medindo até 20 cm, se não mais. Todo esse volume era rejeito dos garimpeiros, que para nada lhes serve a moscovita. Nesse mesmo garimpo, coletei no rejeito, além de moscovita (foto abaixo, medindo 18 x 8 cm), cristais de até 15 cm de espodumênio (foto seguinte, 12x8x1 cm), outro mineral que não se encontra por aqui.



 Certa vez, junto com alunos e professores de Gemologia da UFRGS, visitamos um garimpo de ametista do Rio Grande do Sul que produzia também cristais de selenita, uma variedade incolor e muitas vezes bem límpida de gipsita. No galpão em que os garimpeiros costumam guardar ferramentas, alimentos e outras coisas relacionadas com seu trabalho, havia vários pedaços pequenos de selenita, com até uns 10 cm de comprimento. Eram peças de pouco valor comercial que o garimpeiro, generoso, permitiu que os estudantes levassem.

Cada um então pegou um cristal de selenita para si.  Eu não me interessei porque os cristais eram realmente de pouco valor. Mas, havia entre eles a peça abaixo, bem maior (17x10x5 cm), bem cristalizada e que ninguém ousou pegar, porque era claramente muito mais valiosa que os pequenos fragmentos que estavam à sua volta.  Estes, como eu disse, não me interessavam, mas aquela peça, sim. Perguntei então ao garimpeiro por quanto ele a venderia. Para minha surpresa, ele disse que eu podia levá-la. Era presente também.


Quando começaram a surgir os primeiros cristais de selenita naqueles garimpos do Médio Alto Uruguai, eram todos desprezados pelos garimpeiros, que os chamavam de “pedra-gelo”.  Mas, quando começaram a surgir cristais com dezenas de quilos, apareceram compradores e eles viram que aquilo tinha valor também. Hoje, toda a selenita é aproveitada.

Na região de Salto do Jacuí, também no Rio Grande do Sul, está concentrado o maior número de garimpos de ágata do estado (e do Brasil). E neles é comum ocorrer opala comum de cor branca, às vezes com manchas acinzentadas ou cinza-amarronzadas, como a que se vê na foto (15x7x6 cm).  Pois essa opala toda é rejeitada pelos garimpeiros e pode ser facilmente recolhida pelos interessados. 


Nos últimos anos, começou a aparecer, em um dos garimpos, uma opala também do tipo comum (sem jogo de cores), mas de cor azul-acinzentada. Como o responsável pelo garimpo era um geólogo, Klaudir Kellermann, ele soube valorizar a nova descoberta e passou a guardar toda a opala dessa cor encontrada. Quando visitamos seu garimpo pela última vez, Klaudir estava em busca de comprador para o mineral. Fosse ele um simples garimpeiro, a opala azul seria mais um mineral de valor museológico a acabar nos rejeitos do garimpo.

A peça abaixo, de 8x4x3 cm, recebemos dele. 


Eu disse, no início, que os garimpeiros costumam desprezar aquilo que não é o objetivo de seu trabalho. Mas, mesmo o mineral por eles procurado pode ser encontrado nos rejeitos em peças de boa qualidade. A drusa de ametista ao lado foi abandonada simplesmente por ser pequena (8x5x2 cm), mas a cor, o brilho e o tamanho dos seus cristais são muito bons. 


O Rio Grande do Sul é o maior produtor brasileiro de ágata e ametista. A ágata é produzida principalmente na região de Salto do Jacuí, no centro do Estado, enquanto a ametista provém sobretudo do Norte, de Ametista do Sul e mais sete municípios ao seu redor.  Curiosamente, a ágata não é abundante na região produtora de ametista, mas, quando aparece, geralmente é muito bonita, além de estar associada à ametista. Como o garimpeiro quer é ametista, se ela não é boa, vai para o rejeito, ainda que acompanhada de uma bela ágata, como na peça abaixo, de 12x10x5 cm.


Em Fontoura Xavier (RS), estive num garimpo de ágata que produzia vários outros minerais. Como de hábito, os garimpeiros só aproveitavam a ágata. Foi assim que de lá trouxe a interessante cornalina de 11x10x4 cm da foto abaixo. Também lá encontrei um geodo de opala cinza-azulado. A foto a seguir mostra um fragmento pequeno (6x6x1 cm) dele; a parte maior, de uns 12 cm pelo menos, coloquei no acervo do Museu de Geologia da CPRM.  Essa opala, sob luz ultravioleta, mostra notável fluorescência em verde-maçã.  






A drusa de citrino abaixo (cerca de 10x15 cm) não se destaca pela cor, muito menos pela pureza. Mas, ela é importante porque provém da única ocorrência de citrino natural que encontrei depois de visitar praticamente todos os garimpos de gemas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Encontrei-a em um garimpo abandonado de ametista (e citrino?) de Bonaiumer, Caxias do Sul (RS), e pertence também ao Museu de Geologia da CPRM.  




A pequena “escultura” de quartzo abaixo foi coletada num garimpo de ametista.


As “pinhas” de ametista são sempre valorizadas, mas esta, de 6x5x6 cm, com cor realmente ruinzinha, foi parar no rejeito. Resgatei-a num garimpo de Entre Rios (SC).


Por fim, quero mostrar um tipo de material que teria tudo para ser rejeitado, mas que tem recebido uma valorização meio surpreendente. É o que o comércio de gemas vem chamando de “flor de ametista”.  São peças de formato irregular, como uma crosta cristalina, sem brilho, com cor esbranquiçada a roxa, sempre clara. As dimensões são bem variáveis, geralmente com 30 cm ou menos, mas podem ser muito maiores. Talvez por seu aspecto muito exótico, atrai o público e tem sido aproveitada. Mas, o exemplar abaixo foi coletado em rejeito.


Os minerais de minha coleção coletados em garimpos são quase todos do Rio Grande do Sul ou de Santa Catarina. Mas, na primeira coleção que organizei e que hoje pertence ao Museu de Ciências Naturais da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) há peças de vários outros estados.

            Diante do que eu mostrei, é fácil de entender por que o colecionador que visita um garimpo encanta-se e vibra com o que pode coletar e trazer gratuitamente. Mas, se este colecionador é como eu, geólogo, fica muito dividido. Ele alegra-se como colecionador, mas, como profissional e cidadão consciente, lamenta que se esteja desprezando coisas tão bonitas, de valor mineralógico, de importância museológica e às vezes, também científica. Um cristal defeituoso, sem valor comercial para o garimpeiro, pode ser, justamente pelo defeito que exibe, uma raridade a ser preservada. Mais de uma vez eu disse isso a garimpeiros, mas o fiz sempre consciente de que seria esperar demais que eles ficassem estocando minerais sem valor comercial contando com a possibilidade de talvez um dia aparecer um pesquisador ou colecionador que talvez se interessasse por algumas delas e talvez se dispusesse a fazer uma compra.

            Felizmente, está surgindo entre os comerciantes de gemas do Rio Grande do Sul uma nova consciência, e peças antes rejeitadas estão sendo por eles adquiridas, pois aprenderam - ou estão aprendendo - que elas podem ter valor como peças de coleção. Acredito que, com isso, muitas peças valiosas estejam sendo salvas, preservadas em coleções particulares ou mesmo em museus públicos.

A TURMALINA PARAÍBA

A TURMALINA PARAÍBA




            A novela Flor do Caribe tornou conhecida de milhões de brasileiros uma gema da qual pouca gente ouvira falar até então, a turmalina Paraíba. Isso não é de estranhar, porque a principal característica dessa gema é a raridade.

            Para início de conversa, a turmalina Paraíba só se tornou conhecida em 1989, quando foi descoberta na Paraíba (daí seu nome), na localidade de São José da Batalha, município de Salgadinho. Nos anos seguintes, foi descoberta também no Rio Grande do Norte (a divisa com a Paraíba fica bem perto de São José da Batalha), em dois locais do município de Parelhas.

          
              Após mais algum tempo, descobriu-se que havia turmalina Paraíba também na África, na Nigéria e em Moçambique. E só. Por enquanto, é o que se sabe em termos de ocorrência, e com um agravante: as jazidas brasileiras estão esgotadas e as africanas, até onde eu sei, também estão acabando. O que me deixa desolado; são cada vez mais remotas as chances de eu ter uma turmalina Paraíba na minha coleção de gemas...

        Existem turmalinas azuis (indicolita), verdes (verdelita), rosa, vermelhas (rubelita), incolores (acroíta) e pretas (schorlita).  Os cristais de turmalina são prismáticos ou colunares e muitas vezes mostram metade com uma cor e a outra metade com cor diferente. Outras vezes são três as cores, uma em cada ponta e uma terceira no centro do cristal. Mas, tem mais: alguns cristais são verdes externamente e vermelhos no centro (turmalina-melancia). Com toda essa profusão de cores, o que menos se esperava era a descoberta de uma turmalina de cor diferente de todas as conhecidas. Pois a turmalina Paraíba surpreendeu exatamente por isso, com uma cor azul muito diferente, que vem sendo chamada de azul elétrico, azul néon ou azul fluorescente. Pode também ser verde ou verde-azulada, mas também em matizes diferentes daquele da verdelita ou da indicolita.

        Mas, não são só a escassa distribuição geográfica e a cor inusitada que tornam essa gema rara. Contribui também para sua raridade o fato de raramente aparecer com boa transparência, tendo geralmente abundantes fissuras. Além disso, forma cristais pequenos: a grande maioria deles pesa menos de um grama e o maior cristal com qualidade gemológica encontrado até hoje tinha apenas vinte gramas.


            Com tudo isso, não é de se admirar que a turmalina Paraíba seja uma gema tão cara. Para se ter uma ideia, gemas lapidadas pesando entre 5 e 10 quilates (1 a 2 gramas), de excelente qualidade custam até 120 dólares por quilate se foram turmalinas comuns de cor rosa; até 200 dólares por quilate se forem verde a verde-azuladas; até 300 dólares se forem vermelhas e até 350 dólares se tiverem cor azul. Já as turmalinas Paraíba verde néon de mesma faixa de peso e mesma qualidade (excelente) valem até 10.000 dólares por quilate e as de cor azul-néon podem atingir 20.000 dólares o quilate. Se tiverem 10 quilates, o preço dispara para 35.000 dólares por quilate. Lembremos que são necessários cinco quilates para totalizar apenas um grama...


          Na novela Flor do Caribe, antes de descobrirem as turmalinas, Cassiano e Duque encontraram, na mina, um veio de cobre.  As jazidas brasileiras não têm esse veio, mas ele não chega a ser um absurdo geológico, já que o que dá a cor verde e azul à turmalina Paraíba é a presença de pequena porcentagem daquele metal (até 1,92%). Se houver também manganês, com pouco cobre, a turmalina Paraíba fica violeta. 

            As duas primeiras fotos são de Marcelo Lerner e estão no excelente livro Minerais e Pedras Preciosas do Brasil, dos meus amigos Andrea Bartorelli e Carlos Cornejo, onde os interessados podem encontrar informações adicionais sobre a mais valiosa turmalina brasileira.  A segunda é uma turmalina da coleção de Luiz Alberto Dias Menezes.
            A ultima foto são anéis da griffe Yael.

GEMAS ABUNDANTES E DE GRAÇA!

GEMAS ABUNDANTES E DE GRAÇA!

Muitas pessoas têm sonhos que se repetem com frequência. Alguns são terríveis pesadelos, que apavoram. Mas, outros, felizmente são sonhos bonitos que só dão prazer.
Eu sou uma dessas pessoas que têm um sonho que se repete. Infelizmente, não com a freqüência que eu gostaria, pois é um sonho emocionante. Nele, eu me vejo descobrindo enorme quantidade de minerais lindos, grandes, brilhantes. São tão bonitos que aí vem o lado chato do sonho: eu não consigo me convencer de que estão sendo vistos pela primeira vez. Não é possível, digo para mim mesmo, isso tem que ter dono ! Tantas coisas bonitas num mesmo lugar têm que ser de alguém !
Mas, mesmo assim, mesmo com essa dúvida atroz que me faz hesitar se levo comigo ou não aquelas maravilhas, são sonhos que me fazem feliz e que gosto de ter.
Bem, contei tudo isso para dizer que há sim, na natureza, lugares onde podem ser encontradas pedras preciosas em abundância, fáceis de achar, fáceis de pegar, sem problemas para carregar e, sim, que são de graça ! Mas... – tinha que ter um mas... – são muito pequenininhas...
Falo de areias de praia. As areias de praia são formadas praticamente só de grãos de quartzo incolor. Mas, há alguns locais onde elas mostram manchas escuras, e esses pontos de areias negras são concentrações de minerais mais pesados que o quartzo. A onda traz com ela a areia e, à medida que vai perdendo velocidade, essa areia vai se depositando. Os minerais pesados depositam-se primeiro, e o quartzo que é leve, depois.
Formam-se, assim, concentrações onde podem ser encontrados minerais pretos ou cinza-escuros, como magnetita, ilmenita e schorlita (turmalina preta), junto a outros bem coloridos, como granadas, monazita, epídoto, zircão, espinélio, etc.
Há um desses lugares que eu conheço bem porque colhi amostra da areia negra e mandei analisá-la. É a Praia Vermelha, no Rio de Janeiro (foto da Wikipédia ao lado), ali juntinho ao ponto onde a gente embarca no bondinho que leva ao Pão de Açúcar.
Aquela areia contém várias gemas, como granadas (vermelha e rosa) e turmalina preta.
Como fazer para admirar essas pedras preciosas se são tão pequenas ? A primeira coisa a fazer é coletar a amostra, como eu disse, num ponto onde se concentram minerais escuros. O passo seguinte é lavar essa areia com cuidado para remover o sal da água. Feito isso, deixar a areia secar, ao sol ou num forno. Os grãos ficarão bem soltinhos, facilitando a observação.
Eles podem ser observados a olho nu. As imagens abaixo foram obtidas fotografando a areia sem nenhum equipamento ótico de ampliação. Mas, o ideal é observar com uma lupa binocular. É um aparelho semelhante a um microscópio, mas que aumenta menos e dá uma imagem direta, e não invertida como o microscópio. A imagem aparece bem iluminada e a observação é muito confortável.
Se não conseguir uma lupa dessas, o jeito é usar uma lupa de 10 aumentos, como a usada por geólogos, joalheiros e em laboratórios gemológicos. Aí, a areia terá que estar local bem iluminado e ser mantida bem perto do olho.
Uma coisa é ver os minerais, outra é identificá-los. Como fazer isso ?
A magnetita é fácil. Qualquer ímã comum atrai os grãos do mineral, pois ele é fortemente magnético (do seu nome vem a palavra magnetismo). A primeira coisa a fazer então, após secar a areia lavada, é retirar a magnetita (se houver, claro) com um ímã comum.
Se você não for geólogo ou laboratorista experiente na identificação de minerais em grãos, a separação dos demais é feita em um laboratório de Sedimentologia. Nele, a areia é submetida à ação de um separador eletromagnético.
Muitos minerais são atraídos por um íma, embora não com a mesma facilidade que a magnetita. Então, o que o separador eletromagnético faz é atrair primeiro aqueles mais magnéticos. Depois, aumentando a intensidade da corrente elétrica, ou seja a capacidade de atração do eletroímã, passa-se a amostra de novo e aí ele atrai aqueles um pouco menos magnéticos. Fazem-se novas passagens, sempre aumentando a intensidade da corrente, e outros minerais vão sendo separados, até restar aqueles sem magnetismo.
A areia da Praia Vermelha de que falei mostrou o seguinte comportamento quando submetida a esse processo (e após a separação da magnetita):
a) Minerais atraídos com corrente de 0,3 ampère: ilmenita e granada vermelha.
b) Minerais atraídos com corrente de 0,5 ampère: ilmenita, epídoto e granada rosa;
c) Minerais atraídos com corrente de 0,75 ampère: schorlita.
d) Minerais não atraídos com corrente de 0,75 ampère: estaurolita, monazita, sillimanita, andaluzita, zircão e espinélio.

À esquerda, magnetita separada com íma de mão. À direita, minerais pesados antes da separação, mas já sem a magnetita

Ilmenita e granada vermelha, à esquerda. Ilmenita, epídoto e granada rosa, à direia.

À esquerda, schorlita (turmalina preta). À direita, minerais não atraídos pelo ímã: estaurolita, monazita, sillimanita, andaluzita, zircão e espinélio
Os interessados em fazer uma análise dessas podem procurar, por exemplo, o laboratório do Serviço Geológico do Brasil, em Porto Alegre. A análise custa R$ 180,00.
A ação constante das ondas do mar deixa os grãos de areia tão polidos e tão arredondados que mesmo aqueles de quartzo incolor são muito bonitos quando vistos com dez aumentos ou mais. Quem tiver acesso a uma lupa binocular procure observá-los. Garanto que ficarão surpresos. Aliás, até mesmo prosaicos cristais de sal e de açúcar já surpreendem quando vistos assim.
Nas praias muito abertas, como as do Rio Grande do Sul, onde a ação das ondas é mais enérgica, os grãos costumam ser menores e mais arredondados, pois o desgaste é maior.
O polimento do grão de areia surge em decorrência do atrito dele contra os outros grãos, na presença de água. Nos desertos, esse atrito também existe, mas, por faltar água, os grãos ficam foscos.
Por fim um esclarecimento: a Praia Vermelha tem este nome porque sua areia se mostra avermelhada, mas não pela presença das granadas, e sim pela luz do Sol, no fim do dia.
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UMA HISTÓRIA QUE NOS ENVERGONHA

UMA HISTÓRIA QUE NOS ENVERGONHA

Vou lhes contar uma história feia. Uma história muito feia. História daquelas capazes de deixar qualquer brasileiro sério muito indignado.
Aqui no Rio Grande do Sul, usamos um superlativo muito nosso, o tri-. Ele significa muito ou muitíssimo. Ficar tri-indignado, então, é ficar muito indignado ou muitíssimo indignado. Esse tri- vem lá da Copa do Mundo de 1970, no México, quando ganhamos o Campeonato Mundial de Futebol pela terceira vez. Ele significa então, etimologicamente, três vezes. Pois a história que lhe vou contra me deixa não tri-indignado, mas dodecaindignado. - Dodecaindignado ? Já explico.
Dodeca- é um prefixo grego que significa doze. Quem estudou Mineralogia, ou pelo menos Cristalografia, ou mesmo os colecionadores de minerais mais experientes devem lembrar que as granadas formam belos cristais de doze faces, chamados dodecaedros (edro significa plano ou face plana).
Por que então eu fico dodecaindignado ? Porque a barbaridade que vou contar me deixa tri-indignado como brasileiro; tri-indignado como geólogo; tri-indignado como colecionador de minerais e ainda tri-indignado como dirigente de museu - que não sou mais, mas fui por treze anos. Então, tenho quatro motivos para ficar triplamente indignado, e 4 x 3 ainda são 12, apesar do que se vê em alguns livros de Aritmética editados pelo MEC.
Mas, chega de suspense. Vamos à história.
Quem já ouviu falar em Ilia Deleff provavelmente saberá do que vou falar. Quem nunca ouviu falar nele, que se sente e se prepare para receber uma dose cavalar de indignação.
Ilia Deleff é um búlgaro que, em 1957, aos 36 anos, mudou-se para o Brasil. Desde aquela época, ele começou a andar pelos garimpos brasileiros e, apaixonado pelos belíssimos minerais que neles via, começou a colecioná-los, mas reunindo apenas cristais muito grandes, gigantescos mesmo.
Na década de 1970, Deleff radicou-se em Minas Gerais e em 1982, após 25 anos reunindo cristais enormes que encontrava, tinha uma coleção de 78 cristais fabulosos, variando de 200 kg a 4 toneladas. Era um acervo sem igual no mundo, não só pelo tamanho das peças, mas também por sua beleza. Dessa coleção faziam parte o maior citrino, a maior amazonita azul, a maior morganita e o maior topázio azul conhecidos no mundo. (Abaixo, cristais de quartzo e amazonita da coleção de Deleff.)
Naquele ano, Deleff decidiu vender sua coleção. Ele era búlgaro, já dissemos, mas como os minerais eram brasileiros, quis que a coleção permanecesse no Brasil. Assim, ofereceu o acervo a diversas instituições brasileiras.
Sua proposta era simplesmente irrecusável: ele queria que o pagamento fosse feito apenas com a renda obtida com a exposição da sua coleção. Simples assim. Negócio de pai pra filho.
Pois bem. Ninguém neste vasto Brasil quis comprar uma coleção sem igual no mundo ! Pior: sua proposta foi considerada exótica e recebida com desinteresse, quando não com desprezo !!!
Diante disso, é claro, Deleff ofereceu-a a museus estrangeiros. Aí, naturalmente, a coisa mudou de figura. Surgiram muitos interessados, da Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e Japão. A coleção acabou vendida ao Museu de História Natural da França, e hoje quem quiser conhecê-la precisa ir a Paris. (Abaixo, Deleff com parte de sua coleção.)
Agora me digam: é ou não é para ficar tri-indignado ?
Mas, isso não é tudo. A coleção de Deleff saiu do Brasil – legalmente, é claro ! – sabem como ? Como simples matéria-prima destinada à indústria, como cristais comuns de quartzo !!!
Não entendo muito de comércio exterior, mas uma pergunta me martela a cabeça sempre que lembro disso: Como é que pode ?!!!
E agora ? Ficaram um pouco mais indignados ?
Pois tem um mais um detalhe para aumentar essa dose de indignação. Deleff, já foi dito, vendeu sua coleção. Ela não foi doada, foi vendida. A França não informa quanto paga por acervos museológicos que seus museus públicos adquirem, mas dá para imaginar que não foi por pouco que a compraram. Pois bem. Por ter feito essa venda, Deleff foi condecorado pelo presidente francês François Mitterrand, em 14.07.1983, com a Ordem Nacional das Palmas Acadêmicas, criada por Napoleão Bonaparte em 1808. Palmas para ele ! Uma vaia para o Brasil !
Quando a coleção foi exposta no Museu Nacional de História Natural, em Paris, a embaixada brasileira recebeu convite para a inauguração da mostra, mas não mandou nenhum representante. Prefiro acreditar que nosso embaixador, pelo menos, sentiu-se envergonhado com o que o Brasil fizera.
Acho que deixei bem claro que Deleff não era nenhum mercenário. Muito pelo contrário. Pois querem mais uma prova ? Em 1985, ele doou – aí, sim, doou - outra coleção de cristais gigantescos, à sua terra natal, a Bulgária. Esta segunda coleção é hoje a maior atração do Museu Nacional Terra e Homem, de Sofia, capital daquele país (vejam em http://omm-online.org/eng/iliadeleff.htm). Entre os minerais brasileiros desse museu, estão três geodos de ametista de 525 kg, 638 kg e 700 kg e um cristal de quartzo enfumaçado de 575 kg (vejam em http://www.earthandman.org/en/guideonenglish.pdf).
Tenho ou não tenho razão para ficar dodecaindignado ? Isso foi ou não foi um atentado contra a cultura brasileira ?
Eu já contei essa história muitas vezes. Contei-a aos muitos alunos que passaram por meus cursos de Gemologia. Contei-a num dos 44 artigos de divulgação científica que escrevi para o Canal Escola (www.cprm.gov.br) e contei-a, sempre com a mesma indignação, na minha coluna de Gemologia no Portal das Joias (www.portaldasjoias.com.br). E continuarei a contá-la pelo resto da minha vida, sempre que tiver oportunidade de fazer isso porque uma história dessas pode ter acontecido só uma vez, mas JÁ FOI DEMAIS ! ISSO NÃO PODE ACONTECER DE NOVO !!!
Fiquei sabendo da coleção de Deleff e de sua venda para França em 1983, em reportagem da revista Veja (edição de 23 de março, p. 54-55). Na semana seguinte, a mesma revista noticiou (p. 81) a condecoração de Deleff. Desde então, tenho procurado conhecer mais detalhes sobre o assunto e cada nova informação que obtenho só confirma a barbaridade que se cometeu.
Por isso, peço uma coisa: se alguém souber de algum detalhe dessa história que eu não mencionei e que possa diminuir um pouco a indignação que sinto, por favor me conte. Se a coleção não era lá essas coisas (duvido muito !), se a proposta de Deleff não era assim tão vantajosa, se a recusa das instituições brasileiras foi baseada em bons motivos, se souberem enfim de qualquer atenuante para o papel tão feio que o Brasil fez nessa história, por favor me contem. Me ajudem a dormir mais tranquilo.
Agora, se souberem de alguma coisa que torne essa história feia mais feia ainda, peço que me poupem. Não vou aguentar saber que tudo aconteceu de um modo ainda pior do que contei aqui !
PERCIO M. BRANCO

O REPOUSO DO GUERREIRO

O REPOUSO DO GUERREIRO

          Jogador de futebol quando se aposenta pendura as chuteiras. Por isso, para mim, geólogo aposentado é aquele que pendurou o martelo.
Coerente com isso, decidi que, quando me aposentasse, penduraria meu valente companheiro numa parede de casa, em lugar de destaque.
Estou aposentado há quatro anos, mas apenas do ponto de vista legal. Embora raramente use meu precioso instrumento de trabalho, me considero um geólogo na ativa e, por isso, nunca quis pendurar meu martelo. Só que, na mudança de minhas coisas do meu local de trabalho para casa, ele acabou ficando junto com outras ferramentas, ao lado de um simples martelo de carpinteiro.
Isso me incomodava e me deixava com remorso. Aquilo não era lugar para martelo de geólogo, um símbolo da nossa profissão, muito menos para um martelo que me acompanhou em tantas jornadas, algumas épicas e memoráveis. Mas, eu não encontrava um lugar adequado para ele e o coitado continuava lá, em indigno local para um merecido repouso.
Um espaço para ele, bem à altura de sua importância, seria a estante onde está a minha coleção de minerais. Mas, ela já estava muito cheia, e eu relutava em colocá-lo ali.
          Este mês, porém, o remorso falou mais alto e, incentivado também pela Jane, companheira de longa caminhada que também admira os minerais e a Geologia, resolvi finalmente dar-lhe um lugar à altura do seu valor e dignidade. Primeiro, removi a ferrugem que nele havia, fruto não do desuso ou do descaso, mas das intempéries que por tanto tempo enfrentamos juntos. Depois, limpei seu cabo de nylon, removendo até as impurezas de cada reentrância das palavras nele gravadas, a começar pela marca famosa (Estwing). E, por fim, coloquei-o entre os minerais e fósseis da minha coleção, em lugar sempre bem iluminado, seja de dia ou de noite.
         Lá está ele agora, valente e garboso como sempre. Deitado, sim, mas não pendurado.