sábado, 16 de novembro de 2013

O Brasil "bruto e profundo"

O Brasil "bruto e profundo"


Divulgação / Divulgação
Cazarré e Andrade em "Serra Pelada": um filme "sofisticado", segundo Dhalia, "pela reconstituição de época e pela complexidade de execução de cenas, principalmente as de ação"
Cada fotograma de "Serra Pelada", o quinto longa-metragem de Heitor Dhalia, tem uma razão de ser, trazendo um conflito que ajuda a empurrar a história para a frente. Com cenas registradas por múltiplas câmeras e cortes rápidos, a estrutura narrativa é pulsante, dispensando momentos de transição e, muitas vezes, saltando no tempo. Essas características ajudam a obra, essencialmente masculina e violenta, a evocar um gênero no qual o cinema brasileiro tem pouca tradição: o filme de ação. "O ritmo nervoso nasce no roteiro e depois ganha corpo na montagem", conta Dhalia, que assume a vocação comercial ("no melhor sentido da palavra") do filme com lançamento marcado para o dia 18 nas telas brasileiras. Distribuído pela Warner Bros, "Serra Pelada" já desponta como candidato a blockbuster do cinema nacional em 2013. "É uma história de ambição, traições e amores ambientada num Brasil que está desaparecendo, o Brasil bruto e profundo."
Exibido na quinta-feira no Odeon Petrobras, no encerramento da 15ª edição do Festival do Rio, "Serra Pelada" resgata o frenesi do maior garimpo a céu aberto da idade moderna, seguindo os passos de dois homens atraídos pelo sonho de riqueza nos anos 1980. Saídos da imaginação de Dhalia e de sua mulher, Vera Egito, o roteiro escrito a quatro mãos segue os passos dos amigos Juliano (interpretado por Juliano Cazarré) e Joaquim (Julio Andrade). A dupla deixa o Rio para enriquecer (ou "bamburrar", como eles dizem na linguagem local) no Morro da Babilônia, onde foram encontradas as maiores pepitas de ouro na época. A dupla se dá bem na cratera cavada no sudeste do Pará - eternizada pelas lentes do fotógrafo Sebastião Salgado em 1986, com as imagens panorâmicas dos longos cordões humanos (como se fossem formigas) subindo e descendo as encostas e as escadas improvisadas, com sacos de barro nas costas.
O violento Juliano, ex-pugilista, acaba seduzido pelo dinheiro e pelo poder, tornando-se um temido gângster no garimpo. Já o amigo Joaquim, professor, só quer ganhar dinheiro suficiente para poder voltar para casa, onde a mulher o espera, grávida. Estremecida pelo comportamento intempestivo de Juliano, a amizade da dupla é abalada ainda mais quando Lindo Rico (Wagner Moura, também coprodutor do filme) se aproxima de Joaquim. Por inveja de Juliano, Lindo Rico passa a envenenar a relação dos amigos, na esperança de tomar o lugar do gângster. Juliano ainda perde a cabeça pela bela Tereza (Sophie Charlotte), noiva de Carvalho, um fazendeiro rico e poderoso vivido por Matheus Nachtergaele.
"Embora tenha grande apelo popular, por ser um faroeste moderno ambientado no calor da Amazônia e embalado por música brega, o filme é extremamente sofisticado. Não só pela estrutura narrativa, mas pela reconstituição de época e pela complexidade de execução de cenas, principalmente as de ação, com tiroteios e perseguições automobilísticas", diz Dhalia, também conhecido por "Nina" (2004), "O Cheiro do Ralo" (2006), "À Deriva" (2009) e "12 Horas" (2012). "Espero que todas essas qualidades façam 'Serra Pelada' dialogar com o público. Ainda assim, não dá para prever qual será a bilheteria, já que cada filme tem um carma a cumprir", completa. O diretor gastou cerca de R$ 10 milhões no longa.
Claudio Belli/Valor
"É uma história de ambição, traições e amores ambientada num Brasil que está desaparecendo", define Dhalia (acima, no set de filmagem)
A equipe rodou "Serra Pelada" em algumas locações no Pará, mas a maioria das cenas foi realizada no Estado de São Paulo. "Não filmamos mais na Região Norte em função da logística, da falta de infraestrutura no local e por não conseguirmos autorização de mineradora atual (o grupo canadense Colossus Minerals) para rodar na cava. Além disso, a vila de Serra Pelada de hoje já não se parece com o que era naquele período do garimpo", conta a produtora Tatiana Quintella, sócia de Dhalia na Paranoïd Filmes, aberta em 2009, em São Paulo. Todos esses fatores levaram a produção a reconstruir a mina em Mogi das Cruzes e a vila dos garimpeiros em uma fazenda em Paulínia. Muitos trabalhadores deixavam boa parte do dinheiro que ganhavam com o ouro nesse vilarejo, tomado de mercearias, biroscas que vendiam bebidas alcoólicas e prostíbulos (constituídos de homossexuais batizados de "Marias", já que a presença de mulheres foi proibida durante muito tempo no garimpo).
"Serra Pelada" foi concebido por Dhalia como um filme "genuinamente nacional, feito para funcionar no Brasil". Mas o diretor não descarta o seu interesse pelo mercado internacional, levando em conta o fascínio que o tema poderá exercer sobre a plateia estrangeira. "Trata-se de um capítulo exótico e significativo da história do Brasil que o público no exterior nunca viu nas telas", afirma o cineasta nascido no Rio, criado em Pernambuco e radicado em São Paulo. O longa já tem um agente de vendas internacional, a Celluloid Dreams.
"Serra Pelada" foi o primeiro filme nacional de Dhalia depois da experiência "complicada" na filmagem de "12 Horas" em Hollywood, com a atriz Amanda Seyfried encabeçando o elenco. "Foi um trabalho complexo por causa da grande interferência dos produtores. Queria filmar nos Estados Unidos, mas hoje percebo que não se pode fazer isso a qualquer custo. Não dá para passar um ano dedicado a um filme sobre o qual você não tem todo controle." Apesar da frustração com o primeiro filme em inglês, ele poderá voltar aos EUA para desenvolver outro. "Desde que eu negocie mais liberdade criativa antes de assinar o próximo contrato." Embora ele venha discutindo várias propostas de filmes com o seu agente em Los Angeles, nenhum título foi definido ainda. "Hollywood é como um cassino de apostas. Um projeto pode virar realidade ou cair no esquecimento de uma hora para outra."
Enquanto aguarda o melhor momento para voltar à indústria americana, Dhalia já começou a desenvolver o seu próximo filme brasileiro: "Bando de Dois". "Será mais uma produção calcada no universo masculino, violenta e do gênero de Velho Oeste. Dessa vez, com foco no cangaço", conta, referindo-se ao projeto que será uma adaptação da história em quadrinhos homônima de Danilo Beyruth, publicada em 2010 pela editora Zarabatana. Os protagonistas Tinhoso e Caveira de Boi formam uma dupla de cangaceiros que representam os únicos sobreviventes de um bando de 20 homens exterminado pelo Tenente Honório. Sua missão é encontrar as cabeças decepadas dos companheiros, antes que sejam exibidas como troféus pelo inimigo. "É uma boa premissa para um filme", diz Dhalia.



Nenhum comentário:

Postar um comentário