O aumento do interesse chinês por turmalinas e
outras pedras preciosas do Brasil já provoca uma pequena revolução no
mercado de global.
Cinquenta
metros abaixo do chão, trabalhadores caminham por túneis estreitos,
abertos na rocha e cheios de poças de água, para extrair a pedra que
caiu no gosto do mercado de luxo da China. Com pás, picaretas e
furadeiras, uma centena deles retira todos os dias quilos e quilos de
turmalina na Mina do Cruzeiro, no município de São José da Safira,
interior de Minas Gerais. As pedras são exportadas em forma bruta,
lapidadas na China e também lá transformadas em anéis, brincos e
pingentes usados por chinesas endinheiradas.
O aumento do interesse chinês por
turmalinas e outras pedras preciosas e semipreciosas de cor do Brasil é
ainda uma novidade, mas já provoca uma pequena revolução no mercado de
gemas. Os chineses tornaram-se mais visíveis como compradores depois da
crise financeira mundial de 2008, quando os compradores tradicionais -
americanos e europeus - se retraíram. A demanda da China literalmente
salvou empregos em algumas cidades do interior de Minas Gerais - o
Estado mais tradicional na produção e venda de "pedras coradas" do país -
que são centros de exploração ou comércio de pedras. Mas o apetite
asiático também é motivo de preocupação.
Grandes joalherias brasileiras que usam
em suas peças pedras nacionais viram quase de uma hora para outra
compradores chineses arrematando grandes lotes de turmalinas, topázios,
águas-marinhas e muito quartzo. A disponibilidade de pedras para o
mercado nacional diminuiu, ao mesmo tempo em que os preços explodiram.
Algumas pedras estão sendo vendidas a preços 400% superiores aos que
eram praticados há quatro anos e muitos produtores acabam privilegiando
fazer negócios com os chineses porque eles estariam em geral mais
dispostos do que os compradores brasileiros a pagar mais pelas pedras,
compram lotes maiores e pagam à vista.
Um dos efeitos do aquecimento do mercado
pela China se vê nas minas. Segundo o chefe do escritório do
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em Governador
Valadares, Marlucio Dias de Souza, há um movimento de reabertura de
minas na região.
Marcos de Moura e Souza/Valor / Marcos de Moura e Souza/ValorO resultado do trabalho na Mina do Cruzeiro
Marcos de Moura e Souza/Valor / Marcos de Moura e Souza/ValorO resultado do trabalho na Mina do Cruzeiro
Em seu discreto escritório na cidade,
Douglas Willian Neves, um dos proprietários da Mina do Cruzeiro, diz que
antes da crise de 2008 a China representava 20% de suas vendas. Hoje,
representa 80%. Neves está à frente também da Nevestones, empresa de
compra e venda de gemas. "A China aqueceu o mercado. Eles compram de
tudo, pedras para joias e para bijuterias. Antes de 2008, até o cascalho
de turmalina [pedras pouco aproveitadas para lapidação, mas que têm
valor para coleções e entalhes], que custava US$ 200 o quilo, hoje custa
US$ 3,5 mil."
Outro comerciante de pedras preciosas e
semipreciosas de Valadares, José Henrique Fernandes, dono da Pinkstone
International e da Mina de Aricanga, diz: "Se não fossem os compradores
asiáticos, nós, pedristas, teríamos quebrado. Exportávamos para o
mercado dos EUA e da Europa, mas, com a crise, a tendência dos preços
era cair".
Não se trata apenas de uma substituição
do mercado. Os empresários que produzem pedras dizem que com os chineses
- e em menor escala outros novos clientes da Índia e Rússia e de alguns
países asiáticos - compram mais do que os americanos e europeus.
Em 2009, a China já era o principal
destino das exportações de pedras brutas brasileiras. Naquele ano, Hong
Kong sozinha comprou US$ 6,5 milhões e a China continental mais US$ 6,2
milhões. Em 2011, as vendas para cada um estavam na casa dos US$ 11
milhões. Para a Índia, as exportações saltaram de US$ 4,1 milhões para
US$ 9,5 milhões. No mesmo período as exportações para os EUA ficaram num
nível bem inferior: de US$ 3,8 milhões em 2009 para US$ 4,7 milhões no
ano passado. Para a Alemanha, a maior economia da Europa, foram de US$ 1
milhão para apenas US$ 1,5 milhão.
Marcos de Moura e Souza/Valor / Marcos de Moura e Souza/ValorLapidador em Valadares trabalha em turmalina
Marcos de Moura e Souza/Valor / Marcos de Moura e Souza/ValorLapidador em Valadares trabalha em turmalina
Quando a China começou a abrir sua
economia, o consumo local por pedras preciosas era quase todo limitado
ao jade, pedra verde com longa tradição no país e que era usada para
joias, estatuetas e talismãs, diz Hécliton Santini Henriques, presidente
do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM), cujos
escritórios ficam em Brasília e em São Paulo. Com a abertura, outras
pedras ganharam espaço. Comerciantes de diamantes foram um dos primeiros
a se estabelecer. Depois, veio o forte consumo de platina. "De três
anos para cá, os chineses começaram a descobrir a cor, a variedade de
pedras de cor. E começaram a comprar turmalina, principalmente a
vermelha. Daí essa valorização brutal", diz Henriques. "Eles também
compram quartzo rutilado e a demanda por esmeraldas está em um processo
de crescimento."
Esse interesse, trouxe à região de
Valadares um tipo diferente: o comprador chinês de pedras preciosas. "Os
chineses ficam circulando por aqui, nas cidadezinhas menores, como São
José da Safira, por exemplo. Estão em todo o lugar. Nos garimpos
ilegais, eles dominam", diz Douglas Neves. Em Curvelo e Corinto,
municípios da região central de Minas e onde o forte é o quartzo,
chineses também passaram a fazer parte da paisagem e da economia locais.
Esses compradores são tipos sui generis,
segundo a descrição que se ouve entre empresários: andam de chinelo,
mal vestidos, dormem em pensão ou às vezes debaixo de lona no mato e
falam um português arrevesado (quando falam). E, apesar da aparência,
compram lotes de pedras com dinheiro vivo, à vista - muitas vezes pagam
adiantado por uma produção. São eles que passaram a concorrer com vários
compradores de pedras brasileiros.
Parte das pedras sai do subsolo de Minas
Gerais de modo ilegal e entra também de modo ilegal no mercado. Não há
consenso entre empresários e autoridades, qual o peso da extração e do
comércio clandestino no comércio total de pedras no Brasil. Mas até o
DNPM em Valadares admite que o número de minas sem autorização de
funcionamento deve ser muito maior do que as meras dez autorizadas em
todo o leste e nordeste do Estado. Quanto ao envio das pedras para o
exterior, o caminho alegadamente mais fácil para quem está no mercado
clandestino é o de subfaturar lotes de pedras - algo difícil de ser
captado pelas autoridades.
Para os produtores e comerciantes de
maior porte, como Neves e Fernandes, a porta para o mercado externo
costuma ser outra. Como vários exportadores brasileiros, José Henrique
Fernandes, participa da feira de joias e gemas de Hong Kong, a Jewellery
and Gem Fair. É lá onde faz muito de seus negócios. "Antes
participávamos das feiras de Tucson, Nova York e Las Vegas (EUA) e na
Basileia (Suíça). Hoje, nos concentramos só nas feiras de Hong Kong, que
não atrai só compradores chineses, mas americanos e europeus." Na
edição de setembro da feira (são três edições anuais), das 35 empresas
no pavilhão do IBGM, 30 são de Minas, segundo Hécliton Henriques.
O Brasil é, segundo o IBGM, o maior
produtor de pedras coradas em termos de variedade. Produz mais de cem
tipos de gemas, num mercado que só aqui movimenta entre US$ 250 milhões e
US$ 300 milhões. Estimativas citadas pela instituição em seu site
apontam o Brasil como a fonte de cerca de um terço do volume das gemas
do mundo - sem levar em conta diamantes, rubis e safiras. Dois Estados
são grandes produtores e polos de negócios: Minas Gerais e Rio Grande do
Sul. Minas é o maior produtor em termos de valor.
De uma lavra de turmalina, topázio
imperial ou água marinha no interior de Minas, até a vitrine de uma
joalheira brasileira num shopping de São Paulo, por exemplo, o caminho
costuma ser mais ou menos o mesmo. Começa com o empresário, o dono da
lavra; passa pelos representantes das empresas de joias que vão a campo
ver e escolher os lotes de pedras; segue para as mãos de lapidários; dos
designers e da equipe de montagem da indústria joalheira e pronto, as
peças estão à disposição dos clientes. Se o efeito China é ótima notícia
para quem investe e trabalha na ponta inicial dessa cadeia, para os
demais é um estorvo.
Os lapidários, por exemplo, parecem
estar em fase de extinção. "Aqui em Valadares havia há uns 10 ou 15 anos
cerca de 2 mil oficinas de lapidação. Hoje são no máximo 50", diz
Ronaldo Rodrigues Barbosa, 45, ele mesmo um lapidário. É a velha questão
dos custos da mão de obra: enquanto no Brasil o preço do trabalho por
quilate oscila de US$ 0,80 a US$ 1,20, na China, fica entre US$ 0,25 e
US$ 0,35. Um grama é equivalente a 5 quilates. Barbosa conta que muitos
de seus colegas de profissão ficam duas ou três semanas sem trabalho;
outros tantos simplesmente abandonaram o ramo porque os clientes que
tinham passaram a contratar lapidários na China e na Índia.
Mas quem se queixa mais da concorrência
asiática são mesmo as empresas de joias que dependem da oferta das
pedras nacionais. "Tivemos de rever o tamanho das pedras de algumas de
nossas coleções. Antes, podíamos fazer o que quiséssemos com pedras de
quaisquer tamanhos, hoje já não é mais assim", diz Rodrigo Robson,
designer da Vivara, empresa paulistana, fundada em 1962, que se
apresenta como a maior rede varejista de joalherias do Brasil. Segundo
ele, a maioria dos fornecedores de pedras da empresa são de Minas
Gerais. Topázio e quartzo são as duas mais usadas nas joias de Vivara.
"O que estamos percebendo é uma diminuição na oferta de pedra bruta. As
pedras maiores vão para a China."
Daniel Sauer, diretor da Amsterdam
Sauer, sediada no Rio, diz: "Se eu quiser comprar, tenho de pagar o
preço que eles [chineses] estão pagando ou mais. E tem pedras que eles
estão pagando o dobro e ninguém quer pagar mais". "A China não está
apenas comprando commodities. Está consumindo muito produto de luxo e a
joia está nesse contexto."
A vantagem de sua empresa, diz ele, é
estar há 70 anos no mercado, enquanto os chineses ainda não
estabeleceram uma base de confiança com muitos fornecedores. Os
chineses, no entanto, compram quantidades maiores e pagam valores acima
do que as joalherias nacionais estão dispostas a pagar.
Em Belo Horizonte, a grife joalheira
mais conhecida da cidade, a Manoel Bernardes, desistiu de depender da
pedra preciosa de cor brasileira. "Comprávamos mais de Minas Gerais, mas
hoje 80% das pedras brutas de cor que compramos vêm da África, de
Moçambique e Nigéria. Às vezes também do Paquistão", diz Marcelo
Bernardes, que junto com o irmão, Manoel, dirige a empresa fundada pelo
pai. A vantagem, diz ele, é que a oferta africana é maior e mais
contínua.
Segundo Bernardes, a oferta brasileira
de pedras é pequena e os produtores preferem vender mais para quem paga
mais, que são os chineses atualmente. "É difícil para nós pagarmos o
preço que eles pagam. Sai mais barato comprar em Moçambique do que
aqui".
Nem todos veem assim. Raymundo Vianna,
um dos maiores exportadores de joias do Brasil, com vendas para 112
países, é um deles. Dono da Vianna Brasil, ele diz que se fosse depender
de pedras importadas para competir mundo afora seria derrubado pela
carga tributária do Brasil, que onera pedras preciosas de fora em 40%.
"Nossa empresa já está tendo dificuldade de adquirir matéria-prima no
Brasil. Se continuar assim, a empresa não terá condições de sobreviver."
Presidente do Sindicato da Indústria de
Joalheria, Bijuteria e Lapidação de Gemas de Minas Gerais
(Sindijoias-MG), Vianna defende medidas drásticas do governo: estancar a
saída de pedra bruta do Brasil e motivar empresas de joias e lapidação a
se instalarem aqui. "Algo tem de ser feito, senão acaba a indústria da
joia no Brasil."
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