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SEU TIBÚRCIO em sua casa em Novo Oriente de Minas,
triste com sua sina, afastado do garimpo por ordens médicas e do seu
passado de glórias pelo tempo |
Lembra de Martha Rocha? De seu sorriso? Do rosto? Dos olhos azuis de
nossa eterna miss? Os mais novos, talvez não, mas os mais velhos...
Martha provocou comoção nacional em 1954 ao perder o título de Miss
Universo por duas polegadas a mais nos quadris. Isso mesmo: duas
polegadas, algo em torno de cinco centímetros. Naquele tempo, concurso
de miss era coisa séria. Tinha glamour. Apelo popular. Emoção. Ela não
ganhou mas empolgou a nação. O povo já a elegera a mulher mais bonita do
mundo. Martha virou mito. Seu nome passou a ser sinônimo de bonito –
não o da moça escolhida Miss Universo. Como é mesmo o nome dela?
Em
1957, o garimpeiro Tibúrcio José do Santos fez um achado extraordinário
ao cavucar a terra em Marambaia, distrito de Teófilo Otoni, considerada
a “capital mundial das pedras preciosas”, situada a 450 quilômetros de
Belo Horizonte. Ele topou com uma água-marinha de 35 quilos (175 mil
quilates), azulada – um azul tendendo para o verde, da cor dos olhos da
miss (à dir.). Justamente uma água-marinha, gema da família dos berilos,
tida como a pedra do amor e da felicidade, protetora das sereias – o
historiador romano Plínio colocava-a dentro d’água, na praia, para
checar sua pureza. Se “desaparecesse” na mão, confundindo-se com a água
do mar, então era verdadeira. Batizada Martarrocha, é a mais famosa das
gemas coradas brasileiras – gema corada é o nome que a indústria de
jóias, bijuterias, folhados e artefatos de pedras dá às pedras preciosas
em geral, especialmente as coloridas. Desde então, foram encontradas
água-marinhas de maior tamanho mas nenhuma tão bonita (tão perfeita)
quanto ela.
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CITRINOS BRUTOS, cujo nome deriva do latim citrus,
que significa amarelo-limão. As principais jazidas estão em Minas
Gerais, Bahia, Goiás e Rio Grande do Sul
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Passados tantos anos, Martha continua linda. Mora em Volta Redonda, RJ, e
dedica parte do dia à pintura – dizem que seus azuis são incomparáveis.
A água-marinha que levou seu nome foi vendida, revendida e mais tarde
cortada em várias pedras menores. Para Tibúrcio, porém, a coisa ficou
feia. Aos 83 anos, pobre, adoentado, passa o dia inteiro na cama, aos
cuidados dos filhos – teve 12, quatro dos quais “particulares”, ou seja,
nascidos fora do casamento oficial. Ele não lembra em nada o garimpeiro
forte e sacudido dos tempos de glória. Na ocasião, apareceu em jornais e
revistas de todo o país, dando entrevistas ou mostrando a pedra. Ficou
famoso, mas não chegou a bamburrar. Metade do dinheiro obtido com a
venda foi rateado entre os sócios Irineu de Oliveira e Lindolfo
Capivara, fornecedor da quicaia – conjunto de ferramentas
indispensáveis, tais como lebanca (espécie de alavanca), picareta,
enxada, bateias, peneiras, cacumbu (um tipo de machado) e calumbés
(gamelas cônicas, na quais o cascalho que vai ser lavado nas catas de
ouro ou diamante é conduzido). Da outra metade, 20%, pelo menos, ficaram
com o fazendeiro Antônio Galvão, dono da terra. Do que lhe coube ao
final da partilha (cerca de 200 mil contos – um dinheirão, na época),
Tibúrcio gastou quase tudo em terras, carro e farras. Hoje, restam-lhe
somente um sítio improdutivo em Novo Oriente de Minas e 48 hectares em
São Juliano, onde outros filhos tentam ganhar a vida com roça e gado.
Com raras exceções, sua história pessoal repete a da maioria dos
garimpeiros do Brasil, país pródigo em recursos minerais, pobre em
investimentos no setor, confuso quanto à legislação e à fiscalização,
ignorante quanto ao volume produzido, o valor movimentado, o número de
pessoas envolvidas e a importância de tal contingente na economia,
especialmente nas pequenas cidades. “Garimpeiro é esbanjador; vive
sonhando”, afirmam Maurino dos Santos e Valdomiro Pinheiro, parceiros
nas catas e túneis de Padre Paraíso, município ao norte de Teófilo
Otoni.
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VALDOMIRO, com a picareta, alargando o túnel pelo
qual entrará com um carrinho de mão para retirar o entulho: “Qualquer
hora a gente acha a pedra grande”
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Maurino relaciona histórias pessoais e casos semelhantes em que os
colegas ganharam bom dinheiro para em seguida perder tudo ou quase tudo.
“Três vezes levantei rico e fui deitar pobre”, conta, resignado. A
maior pedra de sua lavra foi um crisoberilo de 20 quilates e a mais
valiosa, uma água-marinha que lhe rendeu 140 mil reais na ocasião
(1979). Em agosto passado, eles inventaram um modo novo de ganhar
dinheiro no garimpo: abriram um túnel atrás de gemas no morro ao lado do
Parque de Exposições Pampulinha, em Teófilo Otoni, a convite dos
organizadores da 16a Fipp – Feira Internacional de Pedras Preciosas, um
dos maiores eventos do gênero, realizada anualmente no país,
paralelamente à Feira Livre de Pedras Preciosas. Esta, parece uma feira
livre comum, com inúmeras barracas ao longo da rua. Ao invés de frutas,
legumes, verduras, carnes, etc., vende- se principalmente pedra bruta,
além de gemas, bijuterias e artefatos minerais. Os compradores
estrangeiros que acorrem ao Pampulinha também circulam por ali, atrás de
bons negócios.
Maurino e Valdomiro foram contratados para VALDOMIRO, com a picareta,
alargando o túnel pelo qual entrará com um carrinho de mão para retirar o
entulho: “Qualquer hora a gente acha a pedra grande” mostrar aos
visitantes, especialmente aos compradores estrangeiros, de onde vêm e
como são extraídas algumas das pedras preciosas que eles, avidamente,
procuram. Franceses, holandeses, alemães, ingleses, chineses, indianos,
israelenses e sul-africanos, as feiras brasileiras do setor atraem gente
do mundo inteiro. Tem até quem venha e fique, como o engenheiro mineral
Markham Wilson, da Carolina do Norte, EUA. Ele veio duas vezes ao ano
nos últimos 15 anos. Neto de joalheiros, comerciante de pedras brutas
para colecionadores, certa vez foi convidado a visitar túneis e minas na
região de Téofilo Otoni, algo que jamais ocorrera nos demais países que
visitara. Ele sonhava com tal oportunidade. Queria saber como os
garimpeiros chegavam às pedras que ele aprendeu a gostar – sempre usa
uma em forma de colar. Encantado, descobriu nos túneis que tinha
“coração garimpeiro” e mudou-se de mala e cuia para o Brasil. “As pedras
me chamaram.” Virou otoniense.
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FEIRA LIVRE em Teófilo Otoni: ao invés de frutas e
hortaliças, mais de 100 barracas com pedras preciosas, bijuterias e
artefatos variados
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Nem tudo são flores (pedras), porém. A cidade onde Markham agora mora
ainda é o principal centro lapidário do país, mas já foi maior. Há 20
anos, abrigava 2,7 mil oficinas. Hoje, restam 359. Havia cerca de 30 mil
garimpeiros em atividade. Atualmente não passam de 500, segundo Robson
de Andrade, presidente da Accompedras – Associação dos Corretores do
Comércio de Pedras Preciosas de Teófilo Otoni. “Estamos caindo em rabo
de égua”, diz ele, tratando logo de esclarecer a frase: “Rabo de égua só
vai pra baixo”. São números significativos, segundo ele, considerando,
também, o de vagas abertas no mercado: “São pelo menos dez empregos
gerados por cada garimpeiro”, justifica, relacionando entre eles o
lapidador, o serrador, o encanetador (“caneta” é um tubo em cuja ponta o
especialista fixa a pedra que será lapidada em discos abrasivos), o
polidor, o corretor (intermediário entre o garimpeiro e o comprador), o
desenhista de jóias e o joalheiro além dos demais envolvidos na cadeia
produtiva.
Robson também reclama da legislação por favorecer, indiretamente, a
“máfia do GPS” – expressão com a qual se designa os que usam aparelhos
de GPS (sistema de posicionamento global via satélite) para “marcar”
terrenos potencialmente produtivos em terras alheias e reivindicar o
direito de explorá-los, adiantando-se ao proprietário da terra. A
propósito, o subsolo brasileiro é propriedade da União. A concessão é
dada a quem a peça primeiro e demonstre condições de exploração, desde
que cumpra uma série de exigências (leia O que fazer, na última página).
Robson aponta outra distorção no setor, de resto recorrente no país:
exportar matéria-prima ao invés de produtos acabados, como ocorre com o
café, o ferro, a soja, etc. Segundo ele, dá-se o mesmo com as gemas: o
Brasil é responsável por 30% da produção mundial de gemas coradas
(excetuando-se o diamante, que corre à parte), embora participe com
apenas 4% do mercado internacional, que movimenta cerca de 1,5 bilhão de
reais anualmente. “Israel não produz esmeraldas mas tá no topo do
ranking mundial dos exportadores. Sabe como? Eles (os israelenses) vêm
aqui, compram pedras brutas das mãos dos garimpeiros ou intermediários,
lapidam e vendem as gemas (e jóias)”. (NR: ao eclodir a segunda guerra
mundial, muitos ourives europeus de origem judaica emigraram para o
Brasil. Com a recessão no mercado joalheiro internacional no pós-guerra,
mudaram- se para o recém criado Estado de Israel. Lá, ajudaram a
construir uma das maiores indústrias de lapidação do mundo, em grande
parte com pedras brutas brasileiras. Eles falavam português. Tinham
contatos aqui. Sabiam o caminho das pedras).
O presidente do IBGM – Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos,
Écio Moraes, concorda com Robson nesse ponto. “Se um alemão, por
exemplo, chega em Teófilo Otoni ou Valadares (Governador Valadares,
palco da Brazil Gem Show, outra grande feira comercial de caráter
internacional) e compra uma pedra bruta, ele sai do país com imposto de
exportação zero. Se eu trago essa mesma pedra para lapidar (agregar
valor) em São Paulo, pago 12% de ICMS”, compara. Em sua opinião, a
tributação excessiva é o principal entrave ao desenvolvimento do setor –
chega a 53%. Além de restrições de natureza tributária, Écio reclama da
burocracia, capaz, segundo ele, de fomentar a informalidade, cujo
índice ultrapassa 50% atualmente. Ou seja, mais da metade da produção e
da comercialização de pedras preciosas no Brasil é feita por baixo do
pano. Não se sabe ao certo quanto se tira do subsolo nem quanto se
vende, muito menos o montante real nas transações. Problemas à parte, as
exportações vêm crescendo 20% ao ano, de acordo com o IBGM – uma
espécie de confederação de associações estaduais e empresas do setor.
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RAFAELA Menditi, capixaba de Mimoso do Sul, de olho
nas gemas expostas na 17a Fipp: “Se eu tivesse dinheiro, compraria todas
elas”
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O Brasil é uma das sete “províncias gemológicas” mais importantes do
planeta, com produção em todos os estados, alguns dos quais destacam-se
também pela exclusividade. Por exemplo, o Piauí, único produtor de
opalas brancas, descobertas em 1973, e a Paraíba, terra das “turmalinas
paraíba”, pedras azuis e verdes de rara beleza, encontradas pela
primeira vez em 1989. Ouro Preto, MG, também faz parte desse grupo. Na
antiga Vila Rica encontram- se as únicas jazidas de topázio imperial
rosa do planeta. A Bahia destaca-se pela produção de esmeraldas, safiras
e águas-marinhas, além de diamantes. O Rio Grande do Sul, pelas
ametistas, ágatas, citrinos, cristais de rocha e outras. O Pará, pelo
ouro. Minas, por dezenas de pedras – o estado não tem esse nome à toa.
Água-marinha, opala, morganita, topázio, safira, rubi, turmalina,
berilo, rubelita, cristal de rocha, quartzo, ametista, pirita (mineral
chamado “ouro dos trouxas”), citrino, calcedônia, cornalina, ágata,
alexandrita, amazonita, rutilo, brasilianita, granada, hematita, iolita,
turquesa, olho-de-gato, espodumênio, ônix, kunzita, lazulita,
malaquita, obsidiana, pedra-da-lua, diamante etc., o país guarda gemas
coradas de todas as cores e tonalidades, várias delas multicoloridas
como a opala nobre ou a turmalina “melancia” – lapidada a partir de
cristais com a cor verde por fora, uma fina camada branca e o miolo
rosa.
O Brasil produz 90 tipos diferentes de pedras preciosas. Há de tudo no
mercado. Pedras sintéticas, artificiais, coloridas por irradiação,
tratadas por difusão, tingimento, imersão em óleo e outras técnicas.
Encontra-se até diamantes sintéticos, embora ainda de qualidade inferior
àqueles formados há milhões de anos no interior da Terra, de cujo magma
emergiram para cristalizar em Diamantina, Gran Mogol, no mundo inteiro,
enfim, para satisfação de seu Ida, Totôca, seu Marão e tantos outros.
Principais áreas de ocorrência de pedras preciosas e
metais nobres do Brasil. A sobreposição de cores identifica regiões
potencialmente explosivas. Segundo levantamento, há mais de 200 garimpos
em reservas indígenas |
Todos os estados brasileiros abrigam riquezas minerais. Alguns, mais,
outros, menos, como se pode ver no mapa ao lado. Legalmente, o subsolo
pertence à União. Se um fazendeiro quiser saber o que há em suas terras
deve contratar um geólogo. O segundo passo e pedir um Requerimento de
Autorização de Pesquisa ao DPNM – Departamento Nacional de Produção
Mineral, vinculado do MME – Ministério de Minas e Energia, descrevendo o
tipo de mineral e sua localização.
Também é preciso incluir um plano de pesquisa, detalhando prazo e
orçamento – a descrição da área e o plano deve ser preparado e assinado
obrigatoriamente por um geólogo ou engenheiro de mineração. O DNPM o
avalia e, caso não haja nenhum impedimento legal – se não estiver dentro
de área indígena, parque nacional ou área de proteção ambiental e não
houver requerimentos sobrepostos – emite um “Alvará de Pesquisa”, válido
geralmente por três meses, mas renovável.
Antes, porém, de pôr a mão na massa, o fazendeiro precisará de
licenciamento do órgão responsável pelo meio ambiente (varia de estado
para estado), de estudo e relatório de impacto ambiental (EIARima) e
autorização de outras instituições, caso necessite cortar árvores, usar
muito água ou atingir área de proteção ou hidrovia federais. Nesse caso,
terá de bater na porta do Ibama. Por baixo, gastará mais de 20 mil
reais.
Quadro das exportações |
Produtos negociados no mercado internacional (em US$ milhões) |
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Apenas uma observação: o prazo inicial do alvará de pesquisa é de 3 anos, e não de 3 meses, como está no texto deste artigo.
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