segunda-feira, 21 de abril de 2014

Ouro: Em busca de um novo padrão


Ouro: Em busca de um novo padrão


Todos os dias, cinco bancos internacionais reúnem-se para decidir o valor do ‘London Gold Market Fixing’, há quase 100 anos a referência mundial para a transacção de barras de ouro. Agora, depois de um estudo sugerir que a cotação pode estar a ser fixada artificialmente e que há conluio entre os decisores, crescem as vozes a pedir um maior escrutínio sobre o processo.
Ouro: Em busca de um novo padrão
Na manhã de 12 de Setembro de 1919, volvidos apenas 10 meses sobre o fim da Primeira Guerra Mundial, um grupo de banqueiros reuniu-se na sede da NM Rothschild & Sons, em Londres, para calcular uma cotação justa para o ouro a pedido do Banco de Inglaterra, que pretendia repor o estatuto da City como centro financeiro internacional.
Sir Brien Cokayne, governador do banco central, tinha em mente "um mercado aberto para o ouro, no qual quem vende sabe que vai fazê-lo ao preço mais alto que o mundo está disposto a pagar e quem compra sabe que vai adquirir ouro ao preço mais baixo possível". Às 11 horas dessa mesma manhã, Rothschild fixou um preço reserva em 4,92 libras esterlinas ou 20,67 dólares a onça. Como os outros quatro bancos de investimento convidados para fazer uma oferta estavam interessados em todo o ouro disponível, o preço aumentou 2 cêntimos de libra para reflectir a procura. Foi assim que nasceu o ‘London Gold Market Fixing'.
Cerca de 95 anos depois, a cotação continua a ser a referência mundial usada por bancos centrais, empresas mineiras e joalheiros, bem como pela indústria financeira na transacção de barras de ouro, na avaliação do valor de mercado das ‘value stocks' e na fixação do preço dos contratos de derivados. Entretanto, os cinco bancos originais foram substituídos por cinco bancos de abrangência mundial - HSBC, Deutsche Bank, Scotiabank, Barclays e Société Générale -, mas os processos e as tradições pouco mudaram. Com uma única excepção. Já não reúnem face a face, mas sim por videoconferência.
Para os apologistas do ‘gold fixing', a sua longevidade é quanto basta para atestar a sua eficiência e utilidade. Para um grupo crescente de críticos, porém, o preço de referência é uma coisa opaca, antiquada e vulnerável a abusos de poder por parte dos mercados. A pressão no sentido da reforma é cada vez maior e tem origens diversas. Desde que foram denunciados alegados abusos de banqueiros relativamente à taxa Libor e a índices de referência das bolsas de valores, os reguladores passaram a escrutinar mais atentamente os principais índices dos mercados financeiros para identificar eventuais fragilidades.
É preciso reformar o sistema
Os académicos questionam a justiça da cotação de referência e alegam que existe uma situação de conluio. Um grupo de advogados norte-americanos, sempre dispostos a encetar uma batalha legal, instaurou pelo menos três processos judiciais em Março invocando a "possibilidade de especulação" por parte das entidades envolvidas. Digamos que aquilo que era uma posição prestigiante passou a ser uma dor de cabeça. "A maior parte das pessoas na indústria gostaria de manter o preço de referência porque funciona, mas é necessário fazer reformas. O que há cinco anos era aceitável em termos de transparência deixou de o ser", realça Natalie Dempster, directora de políticas públicas no Conselho Mundial do Ouro.
O ouro não é transaccionado numa bolsa em Londres, como acontece com as outras ‘commodities'. Quem quiser comprar e vender este metal precioso tem de recorrer a um mercado de balcão criado pelos cinco bancos que fixam a cotação e por bancos de investimento como o Goldman Sachs, JP Morgan e UBS, que se encontra disponível 24 horas. Os principais contratos de futuros são negociados em Nova Iorque e Xangai, e a cotação do ouro reflecte em parte os seus movimentos, ao mesmo tempo que influencia esses mercados.
Todos os dias às 10h30 e 15h00, hora de Londres, os cinco bancos reúnem por videoconferência, durante a qual o presidente - cujo mandato é rotativo e tem a duração de um ano - sugere um valor inicial, próximo do preço de mercado. Os bancos contactam individualmente os seus clientes, designadamente outras instituições financeiras, produtores e consumidores de ouro, e depois anunciam o papel que vão assumir: não estão interessados, são compradores ou vendedores. No caso de haver apenas vendedores, o preço é revisto em baixa e vice-versa.
Quando o interesse conflui, os membros definem quantas barras de ouro de 400 onças (12,4Kg) - cujo valor unitário ronda os 531.600 dólares a preços correntes - pretendem negociar. O presidente ajusta o preço e os bancos reformulam as suas ordens até a diferença entre os pedidos de compra e venda ser inferior a 50 barras, fixando-se então o preço de referência. Este processo dura menos de 15 minutos e não é particularmente lucrativo para os bancos, que normalmente cobram aos clientes um prémio entre os 5 e os 10 cêntimos de dólar por onça (equivalente a 31,1 gramas) acima do preço de referência.
As vantagens de fixar a cotação
principal vantagem para quem integra o núcleo duro é a possibilidade de angariar negócio junto de grandes clientes, como os bancos centrais, pois funciona como um compromisso para com o mercado. Mas seria importante perceber se há outro tipo de vantagens financeiras para os participantes neste processo. Andrew Caminschi e Richard Heaney, leitores na University of Western Australia, fizeram um estudo para aferir do impacto da cotação do ouro nos maiores contratos de futuros de ouro e ‘exchange-traded fund' ou ETF (um misto de fundos de investimento e acções) entre 2007 e 2012.
As conclusões foram publicadas no ano passado no Journal of Futures Markets. Nos primeiros quatro minutos após a fixação do preço de referência, o volume de negociações de futuros e ETF disparou mais de 50% e a volatilidade atingiu os 40%. Isto significa que a informação foi usada antes de o preço de referência ser anunciado, regra geral uns minutos depois. Segundo o mesmo estudo, estas negociações davam pistas "particularmente indicativas" sobre o rumo que a cotação final iria tomar, nalguns casos excedendo os 90%.
Os autores estimam que um "‘trader' informado" tem uma vantagem de 0,1%, em termos de retorno, face a outros participantes do mercado, "o que excede em muito os custos transacionais podendo, por isso, ser considerado económico". O estudo não acusa ninguém de ter um comportamento impróprio, mas diz que as respectivas conclusões deveriam ser motivo de preocupação para reguladores e investidores. "Cinco corretores reúnem-se a meio tarde para levar a cabo um leilão privado, cujo resultado vai ter uma influência determinante no preço das acções. Parece-me que é motivo mais do que suficiente para escrutinar todo este processo", realça Caminschi.
Os banqueiros contrapõem que "não há fuga de informação" durante o processo, uma vez que foi pensado para sondar rapidamente a indústria retalhista a fim de avaliar a oferta e a procura reais, encorajar o ‘trading' e, consequentemente, aumentar as comissões. Mesmo assim, ninguém nega que existem oportunidades de arbitragem ou que ocorre um grande volume de transações noutros mercados de ouro durante o período de tempo em que é fixada a cotação. "Toda a gente no mercado sabe que este é um jogo para os ‘tubarões', mas nunca me apercebi de irregularidades ou abusos. Se assim fosse isto já tinha acabado, certo?", questiona um ex-corretor de metais preciosos num banco de investimento.
Em Fevereiro, a Bloomberg publicou um artigo que usa elementos citados numa versão preliminar desse estudo, que diz que "os dados são consistentes com a fixação artificial da cotação" e que "é provável que exista cooperação entre os participantes". Desde então, o artigo passou a ser invocado nos três processos judiciais interpostos pelos EUA contra os cinco membros do The London Gold Market Fixing.
Embora neguem ter cometido qualquer infracção, recusaram-se a fazer comentários para este artigo, tal como a London Bullion Market Association, onde os cinco bancos também têm assento. "Este silêncio não é nada abonatório para a indústria, até porque afecta a percepção que se tem da forma como a cotação é fixada", comenta Adrian Ash da BullionVault, corretora sediada em Londres que opera na área do retalho.

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