segunda-feira, 21 de abril de 2014

Processos de ocupação nas novas fronteiras da Amazônia: o interflúvio do Xingu/ Iriri

Processos de ocupação nas novas fronteiras da Amazônia: o interflúvio do Xingu/ Iriri





RESUMO
Este trabalho apresenta os primeiros resultados do esforço conjunto de várias instituições, organizadas em torno da rede Geoma (Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia) para avançar a compreensão dos novos padrões e processos de estruturação do território nas novas frentes no sul do Pará, analisando padrões de desmatamento e os processos que dão origem a esses padrões. Busca-se, aqui, produzir os subsídios necessários para o desenho de políticas públicas responsáveis, que não privilegiem um único aspecto do problema, como a abertura de estradas, por exemplo. Aponta-se, então, a partir desses primeiros resultados, que apenas uma solução integrada que procure estruturar os principais agentes e processos na cadeia produtiva seria possível para minorar os efeitos do desmatamento e nortear o desenvolvimento integrado para a região, com benefícios para a floresta e para as populações que ali vivem.
Palavras-chave: Uso da terra; apropriação fundiária; desmatamento; unidades de conservação; fronteiras.

ABSTRACT
This work presents the first results achieved through an interdisciplinary and multi-institutional effort conduct by the Geoma Network, aiming to advance in the comprehension of the new frontiers in the South of the Pará State, in the Amazonian region, by examining the new patterns of deforestation and the underlying processes that are generating them. Our objective is to product information aiding to draw responsible public policies considering not only one dimension of the problem like roads infra-structure, as usual. Based on the analysis presented here we pointed out that only an integrated solution, that considers the main actors and the organization of economical processes in the productive chains over the region, would be capable to minimize the effects of deforestation and would drive an integrated development policy to the region bringing benefits to forest conservation and the local population.
Keywords: Land use; land appropriation; deforestation; conservation unities; frontiers.



Introdução
ESTE ARTIGO APRESENTA uma análise da dinâmica de ocupação da nova fronteira amazônica no interflúvio entre os rios Xingu e Iriri, no estado do Pará, conhecida também como Terra do Meio. Essa região tem vivenciado uma fase de expansão de fronteira agrícola sem ordenamento ou plano de gestão territorial e nos últimos anos, tem sido palco de inúmeros conflitos, denunciados e noticiados em veículos de comunicação nacional. Na análise sobre a estruturação do território, buscou-se identificar e caracterizar os principais atores, suas estratégias socioeconômicas e as formas de apropriação fundiária. Apresenta-se, ainda, uma análise sobre a pecuária e os modelos de ocupação das propriedades situadas na região de ocupação mais antiga. Finalmente, discutem-se dois planos de ordenamento territorial para a região: o mosaico de unidades de conservação proposto pelo Ministério do Meio Ambiente, e o Macrozoneamento Ecológico-Econômico proposto pelo estado do Pará.

Uma visão da área em estudo
A Frente do Xingu/ Iriri está localizada na região dos municípios de São Félix do Xingu e Altamira, entre dois importantes rios na região central do estado do Pará, o rio Xingu, um dos maiores tributários do rio Amazonas, e o rio Iriri. Esta nova frente na região do vale do Xingu constitui-se a partir de duas áreas de ocupação antiga no Pará, Conceição do Araguaia-Redenção e Marabá, diretamente vinculadas aos estados vizinhos do Maranhão, Tocantins e Goiás (Shimink e Wood, 1992). Em um movimento convergente a frente atravessa o rio Xingu e prossegue em direção ao Iriri, encerrando-se no vale dos rios Xingu e Iriri num efeito de tenaz. Esse efeito se dá em virtude da existência de uma outra frente oriunda dos desbravamentos da Cuiabá-Santarém, vinculados ao vizinho Mato Grosso, avançando em direção ao rio Iriri, no sentido Oeste-Leste, constituindo o território conhecido como "Terra do Meio". A Figura 1 apresenta a área e seu entorno.



Modelo geral de ocupação na frente Xingu/ Iriri
A partir dos anos de 1970, o crescimento extraordinário de cidades médias na região Norte resulta da presença de surtos de desenvolvimento, baseados na exploração dos recursos naturais, sob a forma de ciclos, como o garimpo e a ex-ploração madeireira. Uma expressão disso é o intenso processo de criação municipal. Entre 1980 e 1996, o número de municípios do Pará saltou de 83 para 143, basicamente nas zonas de expansão da fronteira. A exploração predatória dos recursos naturais é o primeiro momento de um processo de apropriação fundiária. O sistema tende a reproduzir estruturas de concentração da propriedade e da renda, porém, também permite certa mobilidade vertical para os indivíduos que vivem na região.
A estruturação e a dinâmica da apropriação fundiária – que se torna uma atividade economicamente rentável em si – cria as condições necessárias à definição de outras atividades, sendo a principal delas a pecuária. Essa estruturação e suas associações explicam em larga medida a intensificação e a amplitude do desmatamento nas novas frentes de ocupação na área de São Felix do Xingu e Iriri. Nesse processo de apropriação fundiária, dominante no momento atual na região do Iriri, o que dá o tom não é a produção, e nem mesmo a exploração predatória de recursos naturais, e sim assegurar a posse da terra, base para futuras atividades produtivas e também de especulação com seu valor. É importante mencionar a influência de capitais provenientes de atividades ilícitas nesse processo de apropriação fundiária, que permite colocar seus detentores na base da estrutura político-administrativa dos possíveis futuros municípios da região, criando mais complicadores. A Figura 2 apresenta um diagrama esquemático para o modelo de apropriação fundiária na região.



Dinâmica do desmatamento
Na região entre os rios Xingu e Iriri, que engloba parte dos municípios de São Félix do Xingu e Altamira, de acordo com estimativas feitas com os dados do Prodes (Inpe, 2004), o desmatamento passou a se intensificar a partir do final dos anos de 1990, como apresentado no gráfico da Figura 3. A área desmatada acumulada nessa região aumentou de 347 km2 em 1997 para 2.955 km2 em 2004.



Atores, redes e fluxos populacionais
A história de ocupação da região está associada à presença de diferentes tipos de atores e atividades econômicas que se sucederam no tempo, refletindo as transformações na paisagem e perdas significativas da cobertura florestal.
A abertura da estrada da Companhia Mineradora Canopus, que explorou cassiterita em meados dos anos de 1980 permitiu a entrada das madeireiras (Castro et al., 2002), de levas de migrantes e a formação de vários núcleos populacionais. Por volta de 1998-2000, teve início um novo ciclo de atividades, desta vez de fazendeiros, especuladores e pecuaristas que se apropriaram da terra, utilizando a densa rede de estradas deixada pelas madeireiras, acelerando a ocupação da região. Vilarejos e pequenos núcleos populacionais surgiram a partir de 1992, concentrando em seu entorno famílias de colonos, que adquiriram terras por meio do Iterpa ou da compra de terceiros. Devido a um acordo assumido entre o Iterpa (Instituto de Terras do Pará) e colonos, as pequenas propriedades se estabeleceram-se a uma distância de até 10 km da estrada da Canopus, com um tamanho médio de 100 ha (Amaral e Escada, no prelo). Este acordo não foi legitimado e a posse da terra dos colonos não foi legalizada, facilitando o estabelecimento de fazendas de médio e grande porte misturadas às propriedades dos colonos, cujas terras foram adquiridas muitas vezes por meio de invasão, compra e agregação de lotes dos pequenos produtores rurais. A Figura 4 apresenta um esquema simplificado da distribuição espacial dos principais modelos de ocupação na zona rural segundo os atores presentes na região, que desenvolvem as atividades ligadas à agricultura, pecuária e extrativismo.
Os atores foram agrupados em cinco categorias, descritas a seguir.
  • Fazendeiros: proprietários de grandes e médias fazendas, de tamanho superior a 2.500 ha, havendo relato de fazendas de tamanho maior que 50 mil ha. A maioria dos fazendeiros desenvolve atividades ligadas à pecuária, e muitos deles têm envolvimento com atividades ilícitas como narcotráfico, grilagem, trabalho escravo e desmatamento ilegal. Distribuem-se ao longo dos ramais/ linhas transversais a estrada da Canopus e em áreas remotas, distantes das estradas principais e de difícil acesso.
  • Colonos: pequenos agricultores que desenvolvem atividades ligadas à agricultura de subsistência cujo modo de produção baseia-se na mão-de-obra familiar. As propriedades variam de tamanho, em média de 50 a 100 ha podendo chegar até cerca de 300 ha, o que é raro devido às dificuldades em manter a terra livre de invasões e grilagem. A maioria das propriedades se situa ao longo da estrada da Canopus.
  • Colonos que utilizam mão-de-obra externa: uma das maiores diferenças entre essa categoria e a anterior é que esse tipo de produtor rural não depende da mão-de-obra familiar, possuindo outras fontes de renda. Desenvolvem atividades associadas à criação de gado e à especulação da terra. Como os colonos, distribuem-se ao longo da estrada da Canopus e nos assentamentos do Iterpa. O tamanho das propriedades pode variar de 100 ha a 2.500 ha.
  • População ribeirinha: os ribeirinhos localizam-se nas margens dos rios Xingu, Iriri e Curuá, em habitações isoladas umas das outras, desenvolvendo basicamente atividades extrativistas como a pesca e a coleta da castanha, para a qual são realizados percursos de até 40 km de distância das habitações. As atividades econômicas desenvolvidas pelos ribeirinhos não alteram significativamente a cobertura florestal, porém, esta população está submetida a condições precárias de subsistência. Devido à ausência do estado tornam-se vulneráveis aos processos de invasão de terras, grilagem e violência.
  • População indígena: a região é cercada por reservas indígenas ocupadas por diferentes tribos, principalmente Kayapós. Apesar de a maior parte das terras indígenas estar protegida pela legislação, algumas estradas avançaram sobre as terras indígenas (Souza Jr. et al., 2004) para a exploração do mogno, muitas vezes com a conivência dos próprios índios. Embora uma das reservas indígenas, a reserva Apyterewa, situada na margem leste do Rio Xingu ao norte do Município de São Félix, tenha um histórico de invasão e grilagem (Raguenes, 2003), esta não é uma regra para a região. A demarcação da Terra Indígena Kayapó na região ocorreu de forma mais clara e definitiva quando comparado com a demarcação da Terra Indígena Apyterewa, cujos limites sofreram alterações ao longo do tempo.

O papel da pecuária na evolução da fronteira
São Félix do Xingu é palco de um grande número de conflitos e mortes no campo, possui uma das mais elevadas taxas de desflorestamento anual e é detentor de 10% do rebanho bovino do estado do Pará, com um aumento do rebanho em 780% em apenas sete anos (1997-2004). O processo de desmatamento da região leva, direta ou indiretamente, à implantação de pastagens para a formação de fazendas, principalmente, de gado de corte. A preferência por esse uso da terra explica-se pelas seguintes razões:
  • Acesso a extensas terras públicas e condições que permitem a sua apropriação ilegal (existência de cadeia de comercialização de terras, estruturação deficiente dos órgãos fundiários e de registro de imóveis, formação particular de rede de infra-estrutura etc.);
  • características biofísicas apropriadas para formação de pastagens e criação de gado (chuvas suficientes e bem distribuídas, ausência de baixas temperaturas, solos apropriados etc.);
  • elevado grau de organização da cadeia produtiva da pecuária, que permite o preço estável dos produtos e acesso facilitado aos mercados;
  • simples e eficiente pacote tecnológico que permite a obtenção de um certo lucro e, acima de tudo, a garantia da posse da terra, para posterior legalização.
Devido à ausência quase total do Estado, não há respeito à legislação ambiental que prevê a manutenção das áreas para Reserva Legal e de Preservação Permanente nos imóveis rurais. As barreiras sanitárias às quais estão sujeitos os produtos pecuários da região devido à febre aftosa impedem a exportação do gado vivo para outras regiões do estado e do País. Isso contribui para o processo de degradação das pastagens devido ao aumento da densidade do gado nas propriedades e na região ("represamento do gado") e, por conseguinte, contribui para o desmatamento em novas áreas para formação de pastagens/ fazendas.
No curto prazo, a abertura da barreira sanitária possibilita reduzir a super-lotação nos pastos existentes, podendo diminuir a pressão por novos desmatamentos. No médio e longo prazos, em um cenário de consolidação da cadeia produtiva bovina na região e da ineficiência das ações de controle de desmatamento por parte do Estado, pode haver formação de novas fazendas e, conseqüentemente, aumento no desmatamento.
A Figura 5 mostra as etapas de conversão da cobertura florestal em usos e coberturas associados à pecuária, observados nas fazendas visitadas na região em torno de São Félix do Xingu em 2004. O processo inicia com a conversão da cobertura florestal para implantação de pastagem que, com o tempo, segue dois caminhos, de acordo com o manejo empregado: a) a pastagem degrada devido à superlotação é recuperada através da mecanização do solo e da intensificação do manejo, como o pastejo rotacionado. Como resultado, é ampliado o tempo de utilização da pastagem possibilitando a intensificação da produção, evitando ou reduzindo a necessidade de aquisição de novas áreas e desmatamento; b) a pastagem vai se degradando por superlotação de gado, o estoque florestal esgota-se e o produtor é impelido a adquirir e/ ou arrendar novas terras. O resultado é a expansão do desmatamento para áreas mais remotas, com grande disponibilidade de terras a preço baixo, como a região do Iriri.



Unidades de conservação do Ministério do Meio Ambiente
(MMA) na frente do Xingu/ Iriri: avaliação e recomendações

Em resposta às altas taxas de desmatamento, que nos últimos anos têm colocado o município de São Félix do Xingu no topo do ranking do desmatamento e, devido aos freqüentes episódios de violência na região, associados à disputa pela terra, o governo, por intermédio do MMA, formulou políticas para região voltadas para a conservação, criando um mosaico de unidades de conservação.
Três unidades de conservação foram criadas por meio de decretos presidenciais, entre dezembro de 2004 e fevereiro de 2005: a Reserva Extrativista do Riozinho do Anfrísio (Brasil, 2004), a Estação Ecológica da Terra do Meio e o Parque Nacional da Serra do Pardo (Brasil, 2005), conforme apresentado na Figura 6. A Reserva Extrativista do Riozinho do Anfrísio envolve as regiões próximas do Igarapé do Anfrísio. Embora sofra pressões constantes das regiões vizinhas e das ações violentas na disputa pela terra e das madeireiras, inclui áreas que possuem grandes blocos contínuos de floresta primária, com uma população humana pouco densa, cuja atividade econômica mais importante desenvolvida é o extrativismo, principalmente a pesca, a coleta de castanha e a coleta do látex. O tipo de unidade de conservação definido é compatível com as atividades desenvolvidas na região e garante a continuidade e a fixação da população no local, minimizando as pressões das regiões vizinhas. Estudos mais aprofundados devem ser realizados na região de forma a conhecer as principais demandas da população e propor alternativas que visem à melhoria de sua qualidade de vida, bastante precária em algumas regiões.



Com relação à criação da Estação Ecológica da Terra do Meio, por meio do decreto de 17 de fevereiro de 2005, que destinou 3.373.111 hectares para proteção integral, a complexidade é maior e há também um número maior de atores nessa área extensa e heterogênea. A categoria de unidade de conservação definida para essa área é de proteção integral, ou seja, não permite nenhum tipo de uso, o que inviabiliza a permanência dos ribeirinhos na região. A área, apesar de contar com grandes blocos contínuos de floresta, acolhe posses de grileiros com história de conflito devido à disputa pela terra. Além disso, contém uma população de ribeirinhos que desenvolve atividades extrativistas e habita as margens do rio Iriri. Será necessário desenvolver um eficiente sistema de monitoramento e fiscalização, que deve ser mantido por um longo período de tempo, evitando novos conflitos, desmatamento e grilagem de terras.
Como mostra a Figura 6, o limite da Estação Ecológica foi definido próximo a um núcleo populacional, a vila Canopus, que contém cerca de duzentas pessoas, muitas delas ocupando pequenas parcelas de terra nas proximidades da vila (cerca de 10 km), com lotes que podem estar sobrepostos aos limites e a área da Estação. É uma área que apresenta grande vulnerabilidade social e ambiental, sendo necessária a formulação de políticas claras com regras bem definidas quanto às restrições de uso. A área que envolve o segmento final da Estrada da Canopus (Figura 7), terminando nas proximidades do rio Iriri, além de ser ocupada por colonos, é um nó importante. A conexão fluvial com Altamira e Trairão desempenha um importante papel no abastecimento de gêneros alimentícios e no fornecimento de serviços para a região, principalmente no período das chuvas, quando as estradas ficam interditadas.



Estes pontos são importantes por evidenciarem a existência de incompatibilidades entre o uso atual da terra e o destino dado à área pelo poder público. Será preciso solucionar questões como a presença das populações ribeirinhas em área de conservação integral, o núcleo populacional próximo da reserva, a estrada da Canopus que corta a reserva e a utilização do rio Iriri como um importante nó regional. Além disso, a presença de desmatamentos e reivindicações de posse de diversos tamanhos, inclusive de grandes grileiros, requer uma ação enérgica do governo, no sentido de sustar essas atividades sem premiar a apropriação ilegal das terras públicas. Se tais incompatibilidades não forem bem solucionadas, podem levar a grandes impactos sociais e ambientais, colocando em risco a reserva como um todo e a credibilidade das instituições públicas.
Uma possível solução para compatibilizar os objetivos do MMA ao uso atual da terra é a elaboração de um zoneamento da Estação Ecológica. Esse estudo poderia estabelecer novas categorias de unidades de conservação na região, com menores restrições de uso, possibilitando o desenvolvimento de atividades extrativistas nas margens do rio Iriri, e atividades agroflorestais na área de influência da vila Canopus e do porto do rio Iriri. Este novo zoneamento deve basear-se em pesquisas de campo e deve incluir, além da análise de fatores ambientais e econômicos, uma análise sociológica da população local e de suas necessidades Deve-se evitar a legitimação de atividades destrutivas dentro da reserva como a pecuária, exploração madeireira e outras.
O Parque Nacional da Serra do Pardo, criado através do decreto de 17 de fevereiro de 2005, conta com uma área de 445.392 hectares. A área possui elementos naturais importantes como montanhas, diferentes tipos de vegetação, presença de rios, entre outros. Esta categoria de unidade de conservação permite abrir a área para visitação pública, apresentando potencial para desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo. Tais atividades podem beneficiar diretamente a comunidade local através da geração de empregos e, indiretamente, por meio do desenvolvimento do comércio e da infra-estrutura local. Entretanto, como em outras regiões, existem fazendas ilegais na área do Parque, onde a disputa por terra está em curso atualmente. Para que seus recursos naturais sejam conservados, deve-se contar com um eficiente sistema de monitoramento e fiscalização do Parque, impedindo novas ocupações e desmatamento.

Proposta do governo estadual (ZEE-PA):
avaliação e recomendações

A proposta de Macrozoneamento Ecológico Econômico está em vias de ser votada pela Assembléia Legislativa do estado do Pará. Trata-se de uma ferramenta de gestão do uso do território que, uma vez atualizada e executada, tornar-se-á referência para as políticas públicas voltadas para a conservação biológica, o estabelecimento de atividades produtivas e organização fundiária no estado.
Verifica-se nessa proposta (Figura 8), que a região será contemplada com a criação de quatro unidades de conservação de uso sustentável abrangendo uma área de cerca de 2,8 milhões de hectares, entretanto, alguns aspectos devem ser considerados na análise da proposta.
O Macrozoneamento não considera áreas de ocupação humana, em alguns núcleos urbanos e/ou em pequenas propriedades, propondo usos restritivos que não são compatíveis com as atividades econômicas desenvolvidas na região. Tal como nas reservas criadas pelo MMA, o segmento final da estrada da Canopus, próximo ao rio Iriri, foi inserido em área de preservação permanente, existem também grandes fazendas em zonas de uso restritivo, tornando o uso atual incompatível com a proposta, sendo necessário propor medidas de monitoramento e fiscalização de longo prazo que garantam sua conservação.
Destaca-se como um dos aspectos positivos desta proposta o estabelecimento de zonas de uso sustentável ao longo dos rios, possibilitando a permanência da população ribeirinha e o desenvolvimento de suas atividades nas margens dos rios Xingu, Iriri e Curuá. Entretanto, o mesmo uso sustentável é proposto para áreas onde estão em curso atividades ligadas à pecuária, algumas desde o início da década de 1980, como a Comunidade Santa Rosa e o Assentamento Linhares de Paiva, próximos da sede do município de São Félix do Xingu. Essas áreas devem ser analisadas com cuidado, pois o uso proposto não é compatível com o uso atual, sendo uma área de potencial conflito.
Recomenda-se que a ordenação do território pelo Estado seja feita de modo a evitar o acesso às terras públicas e sua apropriação indébita, pois a dinâmica da ocupação atual via pecuária é mais voltada à especulação fundiária do que à produção sustentável. Seguindo o exemplo de órgãos públicos de apoio institucional ao setor produtivo atuando na região, como a Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará), há necessidade da presença local de instituições ligadas ao setor rural, ambiental e fundiário, para apoio, regulamentação e controle das atividades produtivas nas áreas já abertas, desestimulando o avanço do desmatamento e a produção pecuária em áreas florestais e nas unidades de conservação, propiciando o desenvolvimento regional.
A atuação do governo deve enfatizar a formulação de políticas públicas para apoiar as atividades produtivas em bases sustentáveis que possam competir com a pecuária, que gerem mais emprego e propiciem a inserção dos pequenos produtores no mercado. Deve ser feito, ainda, um diagnóstico mais aprofundado da região, adicionando uma análise da população local, das atividades econômicas desenvolvidas, visando à proposição de alternativas economicamente viáveis e implantação de infra-estrutura que apóie essas alternativas econômicas e que, ao mesmo tempo, reduza o desmatamento e os impactos sociais.

Ecos da "Terra do Meio": percepção e demandas dos atores locais
Informações obtidas junto à Associação de Produtores Rurais da região a oeste do rio Xingu e à população local permitiram listar alguns pontos importantes relacionados às políticas públicas que refletem a ausência do Estado.
A manutenção das estradas está entre as principais carências da população. Além de garantir abastecimento local, a manutenção das vias de acesso garante o escoamento de eventual produção agrícola (e da atual produção da pecuária). Este é um dos fatores que sustentam a relação (quase simbiótica) entre colonos e fazendeiros. Por manterem as estradas, os fazendeiros são considerados benfeitores pelos colonos que dependem desse acesso. Os fazendeiros, por sua vez, usam a mão-de-obra dos colonos, os quais lhes garante um respaldo da população local.
Melhorias nos sistemas de saúde e educação também são freqüentemente citados como demanda local e como condição necessária para a fixação dos colonos. Como a mão-de-obra é familiar, a ausência de escolas limita o processo produtivo. Os colonos que não têm condição de manter as crianças com a mãe na vila, ou na cidade, acabam por abandonar a terra.
Outra reivindicação diz respeito à fiscalização do Ibama. Os atores não contestam a atuação do órgão em si, por entenderem que não há propriedade legal alguma de terra na região. Alegam que o Ibama, embora não participe do cotidiano das comunidades, não oferece assistência nem orientação durante o ano todo, apenas na época das queimadas, os fiscais surgem na região para fiscalizar o cumprimento das leis. Estes pequenos colonos não se consideram infratores da lei, apenas tiram o sustento da terra, sobrevivendo sem o apoio do Estado.
Há um contingente populacional de migrantes na região amazônica que tem dificuldade de se fixar numa mesma terra, não podendo ser ignorado. Seja pela natureza errante dos indivíduos, seja pelo caráter especulativo de "tirar terras", ganhar a posse, vender e se encaminhar para outra frente (onde pode comprar mais terras, pelo preço mais barato), ou mesmo pela falta de condições de sobreviver com estrutura de produção familiar, o processo de migração regional tende a continuar. Há colonos com vontade de se fixar num local, mas as condições adversas dificultam a sua permanência, levando-os a abandonar suas terras, migrando para os centros urbanos (caso dos mais velhos que vão morar com os filhos) ou para novas fronteiras.

Conclusão
Os muitos processos concorrentes e o enredamento das inter-relações entre os atores agravam a complexidade da região, e tornam menos eficazes as políticas públicas imediatistas ou que enfoquem apenas parte dos problemas, sejam elas conservacionistas ou desenvolvimentistas. Apenas uma solução integrada que procure enfocar os principais agentes e processos na cadeia produtiva seria possível para minorar os efeitos de desmatamento e nortear o desenvolvimento sustentável da região.

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