A floresta mais rica do planeta pode ser explorada sem ser destruída.
Se você não acredita, estas páginas o farão mudar de idéia.
“A Amazônia é mais falada que conhecida, mais discutida que vivida,
mais mito que realidade.” A definição do ambientalista João Meirelles
Filho, autor de O Livro de Ouro
da Amazônia, dá uma idéia do que é a Amazônia tanto para os que
vivem na floresta e pensam que suas riquezas são intermináveis quanto
para os que nunca chegaram nem perto
dela e têm na ponta da língua a solução para acabar com a devastação:
parar de explorá-la. E o que fazer com os 21 milhões de pessoas
distribuídas pelos 5,1 milhões de km² da
Amazônia brasileira? Se você ficou com cara de interrogação, saiba que
exploração não é sinônimo de destruição, e a Amazônia pode gerar muita grana sem tirar o sono dos
ambientalistas.Se você não acredita, estas páginas o farão mudar de idéia.
Quando se fala nas dimensões do território amazônico, é comum compará-lo a países europeus: até hoje já se desmatou uma área equivalente à Alemanha e à Itália somadas (650 mil km²), por exemplo. Mas, quando o assunto é a divisão da terra, a comparação mais adequada é com o Oriente Médio: a ocupação desordenada e a vigilância precária transformaram a Amazônia em um barril de pólvora.
A guerra começou na década de 1960, quando o governo militar decidiu colonizar a região doando vastos latifúndios para quem topasse se embrenhar no meio do mato— em 1969, foram criadas mais de setenta fazendas com uma média de 3 mil km² (duas cidades de São Paulo) cada uma. Com a abertura de estradas cruzando a floresta — como a Rodovia Cuiabá–Porto Velho —, mais colonos chegaram e, sem receber terras do governo, começaram a se apossar de propriedades ou, pior ainda, falsificar escrituras para se apropriar de terras e até vender fazendas que nem eram deles — são os famosos posseiros e grileiros. Mais recentemente, chegaram famílias de sem-terra, que, de forma legal ou não, ocuparam áreas que já interessavam a alguém. “Hoje, só 25% das propriedades têm títulos legais, 30% são áreas públicas demarcadas (Terra Indígena, Unidade de Conservação ou Área Militar) e os demais 45% são ‘terra de ninguém’ e estão à mercê dos ataques dos grileiros”, diz o engenheiro florestal Niro Higushi, do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Como a terra não tem dono, de quem é o interesse em preservá-la? De quase ninguém, afinal muitos acham que a floresta não tem fim, e poucos acreditam que árvores intactas possam gerar dinheiro. As próximas páginas esclarecem esses dois enganos e mostram que a Floresta Amazônica pode valer mais em pé do que no chão.
TERRA DE NINGUÉM Entenda quem são os principais personagens da luta pela terra na Amazônia |
Posseiros
– Nada mais são do que pessoas que se estabelecem em terras que não são
suas, sejam sem-terra, seringueiros, agricultores, criadores,
garimpeiros ou uma mistura disso
tudo.
Grileiros – Atuam
como piratas na floresta, tomando posse de terras alheias por meio de
escrituras falsas. O grileiro Falb Saraiva, preso em 2001, chegou a ser
“dono” de 1,5% do
território brasileiro.
Latifundiários – Não
costumam entrar no conflito para conseguir mais terras, mas, sim, para
defender sua propriedade, mesmo que vários hectares dela não sejam
usados para nada
ou quase nada.
Índios – Índio
pelado, que caça e vive em cabana de palha hoje é raridade na Amazônia.
Tem índio se associando com madeireiro, cobrando aluguel de garimpeiros e
brigando pela
terra com pistola em punho.
Amazônia Legal – O
termo surgiu na Constituição de 1953, que definiu os limites do
território amazônico: todos os estados da Região Norte mais pedaços do
Tocantins, de Mato
Grosso e do Maranhão, representando 59,8% do Brasil. Só a parte com
predomínio de floresta tropical é praticamente do tamanho dos 25 países
da União Européia somados.
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COMO A FLORESTA ESTÁ SENDO EXPLORADA
MADEIRA
- A destruição começa quando o fazendeiro vende ao madeireiro as árvores nobres da sua propriedade — ipê e mogno, por exemplo. São árvores de até 55 metros, cortadas sem muito planejamento, o que faz com que, na queda, outras 25 árvores sejam esmagadas ou arrastadas por cipós. Em seguida, entra em cena um trator, que arrasta os troncos para a serraria.
- Sem um mapa preciso da área explorada, o trator faz um ziguezague à procura dos troncos. A vegetação sofre com a rota caótica, e muitos troncos são encontrados. Além disso,é comum árvores ocas serem derrubadas e descartadas assim que beijam o chão.
- A falta de planejamento somada ao desgaste das toras no transporte — por terra ou pelos rios — faz com que o desperdício na serraria seja de cerca de 60%. Para piorar, a madeira descartada costuma ser queimada a céu aberto.
QUEIMADA
- Quando todas as espécies rentáveis são extraídas do terreno (das 3.100 espécies de árvores da Amazônia, apenas 350 são exploradas comercialmente), entra em ação um correntão puxado por dois tratores, que arrasta tudo que encontra pelo caminho.
- A “cama” formada pela vegetação derrubada é o alimento perfeito para o fogo, que completa a limpeza da propriedade. As cinzas, ricas em matéria orgânica, deixam o solo mais fértil e pronto para receber sementes de capim. Grandes agricultores ainda beneficiam o solo com produtos químicos.
- A tática dos pecuaristas é gastar o mínimo com seu rebanho, deixando o gado solto. Muitos não colocam nem cercas para segurar o rebanho: perder algumas cabeças ainda é mais barato do que o custo das cercas. O boi amazônico ocupa mais de 7% do território brasileiro e responde por apenas 0,02% do PIB.
- A valorização da soja na década de 1990 fez com que as lavouras do Centro-Oeste avançassem sobre a Amazônia. Os agricultores, em geral, são ricos e compram terras de pecuaristas, que então abrem novos pastos. Assim, o desmatamento avança com tudo pela floresta.
MINERAÇÃO
- Outro grave problema na Amazônia é o garimpo “artesanal”, que é mais prejudicial à região que a mineração industrial — mesmo com esta ocupando áreas maiores. O primeiro impacto do garimpo “artesanal” é o assoreamento: os garimpeiros despejam a terra tirada da mina nos rios. De 1978 a 1995,o garimpo de ouro lançou 1,5 bilhão de toneladas de terra no Rio Tapajós.
- Depois de derrubar o barranco com um jato d’água, o garimpeiro usa uma draga para lançar o barro na cobra fumando — uma rampa coberta com um tecido grosso que segura pedacinhos de ouro que descem como barro. Ao final, ele torce o pano na água e adiciona mercúrio, que se liga ao ouro formando uma massa cinzenta.
- Uma pequena parte do mercúrio se liga ao ouro, e o resto acaba sendo despejado nos rios, contaminando a água e os peixes. Além disso, para chegar ao ouro puro, o garimpeiro queima o amálgama (a tal massa cinzenta) com um maçarico. O mercúrio então evapora e se espalha pela região. Inalado ou ingerido, o mercúrio inibe ações de algumas enzimas do nosso corpo.
COMO A FLORESTA DEVERIA SER EXPLORADA
MADEIRA
- Só 6% do território amazônico seria suficiente para abastecer a demanda de madeira do mundo. Por isso, para proteger a floresta, a extração de árvores deve seguir um sistema de rodízio: divide-se o terreno em trinta partes e explora-se uma por ano, fazendo o replantio ao final da extração — depois de 30 anos, a primeira parte volta a ser explorada.
- Dois mecanismos que já existem — mas não são cumpridos — são fundamentais para viabilizar esse rodízio: o zoneamento (que define a aptidão de cada área) e a reserva legal (80% da área de cada propriedade deve ficar livre da extração de madeira). Sem um sistema de fiscalização rigorosa, com direito a radares e imagens de satélite, eles nunca funcionarão corretamente.
- O Protocolo de Kyoto, em vigor desde fevereiro, determinou que quem lança carbono no ar precisa comprar créditos de carbono de quem conserva o ambiente. Em breve, florestas nativas valerão créditos — por absorver o carbono do ar —, e a Amazônia será uma “Casa da Moeda” para o Brasil.
ECOTURISMO
- A idéia do ecoturismo sustentável é conciliar preservação da natureza e bem-estar dos hóspedes. Para isso, toda a rede de hotéis, restaurantes e lojas deve se basear em uma infra-estrutura limpa, usando caixas-d’água para aproveitar água da chuva, madeira de árvores que caem naturalmente, placas para captação de energia solar, etc.
- A biodiversidade é o grande atrativo turístico da Amazônia. Ali estão 23% das espécies de peixes do planeta, 13% das aves, 10% dos anfíbios, 9% dos mamíferos e 6% dos répteis; e 30 mil espécies vegetais só existem ali. Observar a natureza é pouco, é possível fazer trilhas na mata fechada, pescar e conhecer costumes da região.
Fruto da Pupunha Soja |
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Açaí no Mercado do Ver-o-peso, Belém do Pará |
EXTRATIVISMO
- Outra forma de exploração sustentável da região é o aproveitamento dos frutos da Amazônia. A floresta tem, pelo menos, 1,2 mil plantas e frutos com potencial para a indústria de cosméticos — babaçu, andiroba e copaíba são só alguns deles. O setor de produtos alimentícios também pode render bastante, com a exploração do açaí, da pupunha, do cupuaçu...
- Segundo um estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), se uma área de 50 km for usada para engorda de gado, em média 7 pessoas serão empregadas. Se for uma plantação de soja, o número sobe para 25, mas, se a atividade for extração de culturas perenes (como dendê ou castanha), cria-se emprego para 800 pessoas. E sem derrubar árvores!
MINERAÇÃO
- O subsolo da Amazônia vale alguns trilhões de dólares e pode ser explorado sem grandes danos, desde que se use tecnologia industrial e um planejamento de exploração. Antes de abrir o buraco da mina, a empresa tem de explicar, por exemplo, o que fará com a terra tirada de lá para evitar assoreamento e o que será do buraco quando acabar o minério.
- Ao final da exploração de uma mina, vem o processo de fechamento. Isso não significa que encherão o buraco de terra, afinal ele se enche de água naturalmente. O ideal é replantar árvores nativas — que evita, inclusive, o desabamento de montanhas de terra extraída do buraco — e dar capacitação aos ex-operários.
- Para o extrativismo dar certo, é fundamental que os frutos e as plantas saiam da região como produtos prontos para o consumo, e não simples matérias-primas. Isso aumenta a renda gerada no local e cria mais empregos. Órgãos públicos e ONGs entrariam com a capacitação e com linhas de crédito, e a comunidade, com a mão-de-obra da cooperativa.
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