Diamantina na rota do contrabando internacional de diamantes
Diamantina na rota do contrabando de diamantes. Impasses impedem a legalização da área de exploração. Polícia Federal investiga o caso.
Diamantina: exploração de diamantes
Enfiados nas margens barrentas do Rio Jequitinhonha, na região de Diamantina, quase 2 mil pessoas extraem diamantes de um grande garimpo ilegal, que desafia há alguns anos autoridades de Minas Gerais, do governo federal e interesses de duas empresas privadas.
Os direitos de exploração da área, apelidada de Areinha, são da Mineração Rio Novo, do grupo da construtora mineira Andrade Gutierrez. A empresa extraiu diamantes num longo trecho do rio por duas décadas e encerrou a produção em 2007 dizendo que o empreendimento não era mais viável do ponto de vista econômico. Desde então, garimpeiros ocupam parte da área e retiram, com equipamentos rudimentares, diamantes que foram deixados para trás.
A Rio Novo continua sendo a dona dos direitos minerários, concedidos pela União. A proprietária da fazenda onde fica o garimpo é de outra companhia, a Ramires Reflorestamento, sediada em Sorocaba (SP).
O que começou com poucos aventureiros, é hoje um negócio fervilhante: a extração ilegal na Areinha elevou a renda das famílias dos garimpeiros de Diamantina e região, ativa comércio e setor de serviços e absorve mão de obra.
A Associação Comercial de Diamantina diz que o garimpo tem um efeito muito visível na cidade, no aumento da venda de carros, de roupas, combustível, peças para máquinas, alimentos, entre outros itens. A prefeitura também reconhece os efeitos da receita gerada pelo garimpo na economia local. Uma estimativa citada pela associação dos garimpeiros dá conta de que nos últimos cinco anos R$ 55 milhões gerados no garimpo entraram no comércio da cidade.
O problema é que a atividade na Areinha trouxe a Diamantina não só uma repentina injeção de dinheiro, mas atraiu uma rede de compradores com vínculos com o contrabando internacional de diamantes. Autoridades locais admitem que todas as pedras que saem da cidade para o exterior vão pela rota ilegal.
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão do Ministério das Minas e Energia disse que “acompanha de perto o desenrolar dos fatos”, juntamente com o governo do Estado de Minas Gerais e que a Polícia Federal está investigando.
Areinha fica a pouco mais de 100 km do centro de Diamantina. Com suas ruas de pedra e casario colonial, a cidade é uma dos mais belos destinos históricos de Minas. No fim dos anos 90, Diamantina ganhou o título de Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco. Sua história está ligada às primeiras notícias de descobertas de diamantes no Brasil, que datam do século 16. Diamantina foi fundada como cidade em 1838, e a extração e venda de diamantes continuou a compor sua história. Nas últimas décadas, no entanto, as restrições legais e o controle exercido por duas grandes empresas que lá produziram diamantes, a belga Tejucana e a Rio Novo, levaram a atividade garimpeira a perder força. Mas isso é passado.
Do centro de Diamantina até a Areinha, a estrada é praticamente toda de terra. A reportagem do Valor esteve no garimpo e constatou bombas de sucção espalhadas pelo rio, uma pá carregadeira e várias bicas canadenses, estruturas que sustentam pranchas metálicas que servem como uma primeira peneira dos diamantes tragados junto com a água e o cascalho do rio. E muitos trabalhadores enfiados na lama das margens e em grandes buracos abertos na área alagada.
Na Areinha, garimpeiros e lideranças repetem que o anseio generalizado é a legalização da extração. A Prefeitura de Diamantina disse que participa das gestões para a regularização. O que os garimpeiros propõem é uma medida aparentemente simples: já que a Andrade encerrou sua produção ali, que transfira para as entidades garimpeiras a permissão para a lavra de diamantes. A lei federal 11.685, o Estatuto do Garimpeiro, diz que as cooperativas de garimpeiros têm prioridade em “herdar” o direito minerário de uma empresa que declara que área onde atuava foi exaurida. Outra proposta é que a Andrade firme parceria prevista em lei com os garimpeiros.
Os dois casos livrariam as famílias que vivem do garimpo do pesadelo diário que é a iminência de uma interdição pela Polícia Federal. Segundo o DNPM, toda atividade de lavra ilegal é tipificada como crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, de acordo com o artigo 2º da lei 81176, de 08/02/1991.
Os garimpeiros querem que a Andrade transfira a permissão para a lavra de diamantes de Areinha para uma cooperativa
A legalização permitiria que as entidades dos garimpeiros pudessem requerer licenças ambientais, vender as pedras com nota fiscal e solicitar o certificado Kimberley, documento criado em nível internacional com a chancela da ONU para atestar a origem legal de diamantes, que entrou em vigor em 2003. Sem nota, sem documentação que autorize os garimpeiros a fazerem a extração da Areinha, as pedras não têm como serem certificadas e a única forma de entrar no mercado internacional é pela via ilegal.
“Pais de família que já trabalharam em garimpos e que hoje moram em São Paulo, Rio e em Belo Horizonte ficam me ligando perguntando quando Areinha será legalizada porque querem vir para cá”, diz Aélcio Vial, presidente da Associação de Proteção à Família Garimpeira de Diamantina e um dos articuladores dos esforços pela legalização da área, ao lado de Raimundo Luiz Miranda, presidente da Cooperativa Regional Garimpeira de Diamantina e do vereador Marcos Fonseca (PDT). Segundo Vial, o número de garimpeiros na Areinha chega a 1.500 homens e mulheres; levantamento recente citado pelo Ministério Público Estadual apontou 1.800.
A Andrade aceita a proposta de transferir os direitos minerários à cooperativa dos garimpeiros de Areinha. Mas com uma condição. E aqui essa história ganha outro capítulo e outros personagens. A Andrade Gutierrez aceita a proposta dos garimpeiros contanto que o Ministério Público Estadual de Diamantina e o Ministério Público Federal de Sete Lagoas a isentem da responsabilidade por danos ambientais que os promotores dizem que ela, por meio da Rio Novo, cometeu e nunca reparou plenamente no Jequitinhonha.
“Para o MP isso é inviável. Entendemos que a responsabilidade de reparação da área é da empresa”, disse o promotor estadual Daniel Oliveira de Ornelas, da 3ª Promotoria de Justiça de Diamantina.
A briga se arrasta há anos. Enquanto extraiu diamantes com suas gigantescas dragas, a Rio Novo retirou mata ciliar, removeu areia e pedras do leito do rio e deformou as margens. Em 2004, lembra Ornelas, a empresa assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o MP Estadual, que já havia instaurado um inquérito civil público para apurar os danos provocados pela Rio Novo.
No TAC, continua o promotor, a empresa se comprometeu a recuperar a Areinha em termos ambientais – o que significava, entre outros pontos, reflorestar a região. “Mas ela não cumpriu o termo; o que fez foi pouco e em 2010, quando já havia encerrado suas atividades na Areinha, o Ministério Público judicializou o TAC” [ou seja, a Justiça determinou à empresa a obrigação de fazer o que se comprometera], disse o promotor.
A Andrade recorreu dizendo que já não podia recuperar a área por causa dos garimpeiros que tomaram uma parte da área onde ela explorou os diamantes e que eles, sim, é que degradam área. Os garimpeiros, segundo Aélcio Vial, operam 200 bombas de sucção no rio e já se propuseram a assumir a recuperação de 40% dos danos.
Em agosto, um laudo pericial encomendado pela Justiça apontou que a Rio Novo “cumpriu parcialmente” o TAC; que as áreas que em 2007 a empresa discriminou como “em processo de reabilitação” e “a serem reabilitadas” encontram-se abandonadas; e que o garimpo não interveio “substancialmente na área em processo de recuperação”. A empresa fez novas indagações à perita autora do laudo e o caso continua em aberto. Mas o promotor diz que a questão dos danos ambientais não impede de modo nenhum que os garimpeiros continuem tentando regularizar sua situação.
Enquanto isso, a extração ilegal prossegue. “Dois grandes pilares sustentam o crescimento da economia da cidade: as obras no campus da nova universidade federal e o garimpo”, disse Guilherme Coelho Neves, presidente da Associação Comercial de Diamantina. “Se o garimpo parar, o problema não será só para a turma que está lá, mas para o pessoal que vai perder o emprego quando o ritmo das obras da universidade diminuir”.
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