Descida ao inferno à procura de turmalinas
Mavuco, apesar de constar dos itinerários internacionais das turmalinas paraíba, é um lugarejo perigoso e semi-selvagem, a pouco mais de 20 quilómetros de Chalaua, um posto administrativo, a meio caminho entre Nametil e Moma, na província mais populosa de Moçambique: Nampula.
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Desempregados de Cabo Delgado, Zambézia e Nampula trabalham sol a sol em escavações que às vezes ultrapassam os dez metros, qualquer coisa como um prédio de três andares. Sem andaimes ou barrotes para escorar as paredes arenosas e instáveis do garimpo a céu aberto. De vez em quando lamentam a morte dos desafortunados que foram atingidos pelos desabamentos. “Sobretudo quando chove”, contam com um encolher de ombros traduzindo destino.
Apresar do ar desolador e inóspito do local, Augustavo Alfredo, o líder do garimpo que veio do Luabo, acha que “a situação hoje está muito melhor”. A equipa do SAVANA tentou perceber melhor as contradições e desafios neste pedaço de fim do mundo que ilustra páginas de internet com gemas esplendorosas.
O termo de comparação para os garimpeiros é o que consideram “a segunda guerra de Moçambique”, quando em Abril de 2009 uma força policial apoiada por “buldozers” pagos pela empresa “Mozambique Gems”, atacou milhares de mineiros estacionados em Mavuco, destruindo todas as construções precárias que havia no local. “Tínhamos quase tudo aqui no meio do mato. Mercearia com azeite de oliveira, restaurante, até discoteca”. Numa área de 1000 hectares chegaram a operar mais de 3000 garimpeiros ilegais, vandalizando a concessão atribuída em 2002 à Moz Gems, numa área de 300 hectares e onde foi desde o início assinalada a existência de turmalinas da variedade paraíba, de grande valor comercial.
Moussa Konate, guineense de origem e habitualmente residente em Nova Iorque, é o fundador da Moz Gems. Ele começou a sua actividade mineira em 1987, ainda durante a guerra na zona de Macula, no Gilé, comercializando águas-marinhas (aquamarine). Tendo fundado a empresa em 1992, logo a seguir ao Acordo de Paz, movimentou-se para a zona de Chalaua quando em 2002 foram notadas as primeiras ocorrências de turmalinas paraíba, tendo feito conhecer as gemas e os seus depósitos no exterior, nomeadamente no mercado americano e tailandês. As gemas Paraíba têm o seu nome atribuído à zona no Brasil onde foram inicialmente registadas as ocorrências.
As empresas é que são
As confrontações de 2009 resultaram num “separar das águas”. O garimpo ilegal foi afastado das concessões da Mozambique Gems e da Paraíba Mozambique, empresa concorrente formada em 2006. Os aventureiros internacionais, sobretudo os “sem papéis” foram afastados do local, muitos foram presos e levados para Nampula. Habitualmente guineenses, malianos e senegaleses, verdadeiros especialistas na determinação da qualidade das gemas prospectadas na zona. Os moçambicanos foram acantonados numa zona de “baixo rendimento”, criaram uma associação, a Agurmic e vendem as pedras encontradas às duas empresas ou a intermediários oeste-africanos sedeados em Nampula. A associação tem 418 membros e tem acesso a uma senha mineira. A área do garimpo, segundo Alfredo, tem 1500 homens e mulheres a tentar a sua sorte.
Não muito longe fica o Gilé, na Zambézia, outra zona de garimpo e prospecção mineira. A dar a cara pela Moz Gems aparecem habitualmente, para além do guineense Moussa Konate, o brasileiro Saint-Clair Fonseca, mas os garimpeiros falam também de um moçambicano, Jaime António Chiba. A Paraíba foi registada em nome de José Miranda da Costa e do guineense Mamadou Dabo. Nas conversas zangadas dos garimpeiros há sempre generais “por detrás do negócio” mas ninguém soube dar ao SAVANA os nomes dos generais envolvidos no negócio das turmalinas, como é o caso de Raimundo Pachinuapa nos rubis da zona de Montepuez.
Tal como em Namanhumbir, em Cabo Delgado, a disputa entre os garimpeiros é sempre a mesma. “A população a que descobre as áreas com boas pedras, mas depois vem o governo, expulsa-nos dos melhores sítios e entregou essas terras da população a empresas que habitualmente são também de pessoas ligadas ao governo”.
João Rosário, 22 anos, 6ª. Classe feita em Mocuba, mostra uma pedra de quartzo “enorme” mas diz que não tem nenhum valor comercial. “As boas pedras estão dentro da concessão”, diz. O trabalho duro nas grandes covas de Mavuco é feito por jovens que trabalham para os “bosses” da associação. Habitualmente, os controladores do negócio empregam seis a 15 garimpeiros, fornecendo-lhes alimentação e os instrumentos de trabalho. Em troca, têm a “obrigação” de vender as pedras aos “bosses”, mas preferem fazê-lo a intermediários oeste-africanos que aparecem pela zona e pagam muito melhor. Os entendidos das pedras preferem frequentar as barracas de Chalaua, onde mais facilmente se misturam com a população local.
Adélia Cipriano, nascida na zona, há quatro anos que vende refeições aos garimpeiros. Um prato de alumínio com arroz ou chima, caril de repolho e amendoim ou peixe seco, custa 10 meticais. Cada refeição dá direito a um copo de água servida a partir dum “jerrycan” de plástico e anormalmente límpida. “Temos nascente na montanha, é por isso que sai assim”. Rosário diz que a vida é miserável porque não faz mais do que dois a três mil meticais mês. “Mas é melhor que nada”.
Malas com rodinhas
Nas ruínas da antiga “cidade mineira” destruída pelos “buldozers” em 2009, os pequenos comércios vão aparecendo timidamente. Abdulselem Hassan, veio de Mogadíscio na Somália e foi deixado num barco junto a Palma, em Cabo Delgado. Foi preso pela polícia moçambicana quando viajava coberto por um encerado numa carrinha de caixa aberta. Esteve seis meses preso, mas com a intervenção do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) foi liberto e viu a sua situação legalizada temporariamente através do Núcleo de Apoio aos Refugiados. Uma folha de papel A4 com fotografia garante-lhe livre circulação só para a província de Nampula e uma entrevista um dia destes.. Em Mavuco vende geradores eléctricos, motorizadas e malas executivas com rodinhas. A sua irmã Quimi, tem também a sua barraca onde oferece trens de cozinha “ a bom preço”. Apesar dos lamentos da baixa renda do garimpo, Hassan diz que os seus produtos, tipicamente de cidade, saem com muita facilidade.
“Há noite isto parece cidade”, diz para justificar a popularidade dos geradores chineses que tem em exposição.
Não percebe muito bem o alcance da palavra xenofobia, mas diz que o entendimento com os moçambicanos é muito bom. “Guerra é onde eu venho”. “Aqui entendemo-nos todos , porque precisamos uns dos outros”. Os garimpeiros meneiam a cabeça afirmativamente e riem.
Ao longe, um polícia de motorizada e um acompanhante à paisana, acompanham a situação.
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