Gênese do diamante: uma revisão dos conhecimentos atuais*
A
gênese do diamante é um tema que vem empolgando os pesquisadores há
longa data. Garimpado desde 2.000 A.C. foi ele encontrado "in situ" pela
primeira vez em 1871, na África do Sul, em um tipo particular de
peridotito que recebeu o nome de kimberlito. Durante um século,
aproximadamente, o kimberlito foi considerado a rocha matriz do
diamante. Em 1955, um grupo de cientistas da General Eletric Co. (BUNDY
et al., 1955; Nature, 176:51-54) sintetizou diamantes a partir de
grafita e níquel como catalizador, em temperaturas de 1200ºC e pressões
de 40 kbar. Como essas condições equivalem a profundidades da ordem de
150 km, ficou provado que o diamante cristaliza no manto superior.
Com
o desenvolvimento do Projeto Moho no início dos anos sessenta, alguns
pesquisadores passaram a investigar as inclusões cristalinas do
diamante. O raciocínio que faziam era simples: sendo o diamante
mantélico, suas inclusões singenéticas constituem fragmentos de rochas
do manto e podem revelar informações sobre sua gênese. Na verdade, havia
uma literatura vasta sobre essas inclusões, mas o emprego da difração
de raios X e da microssonda eletrônica restringiu o número de fases
primárias e ao mesmo tempo revelou outras até então desconhecidas. No
final dos anos setenta estava bem estabelecido que o diamante,
independentemente da sua procedência geográfica, possui dois grupos
distintos de iclusões singenéticas a saber: a) grupo peridotítico, o
mais freqüente, constituído pela olivina, enstatita, diopsídio, magnésio
cromita e magnésio ilmenita; e b) grupo eclogftico reunindo onfacita,
piropo-almandina, ferro cromita, ilmenita, coesita, rutilo, coríndon e
cianita. Sulfetos e o próprio diamante ocorrem nos dois grupos. O
estabelecimento desses dois grupos paragenéticos distintos bem como a
presença de diamantes em xenólitos de eclogitos e peridotitos em
kimberlitos, motivou a procura de outras fontes além da tradicional
kimberlítica. Durante a Conferência Internacional de Kimberlitos
realizada na França em 1982, foi comunicada a descoberta de lamproftos
diamantíferos na Austrália. Uma das intrusões, Argyle, continha a maior
reserva de diamante em uma jazida individual com teores de 5
quilates/tonelada. A essas alturas, já haviam várias indicações de que o
diamante não se cristaliza no magma kimberlítico e/ou lamproítico.
Trabalhos geocronológicos de Richardson e vários colaboradores provaram
essa assertiva. Utilizando os métodos Rb/Sr e Sm/Nd (Nature 310:198-202,
1984), eles dataram crómio piropos (grupo peridotítico) extraídos de
diamantes dos Kimberlitos Finsch e Kimberley, duas minas clássicas da
África do Sul com idades bem conhecidas de 90 Ma., obtendo para as
inclusões idades de 3,3 Ga. Essa discrepância de idades mostrou
claramente que o diamante é apenas um xenocristal e o kimberlito seu
veículo de transporte até a crosta. Pouco depois (Nature, 332:623-626,
1986) foram datados onfacita e piropoalmandina (grupo eclogítico)
utilizando diamantes de kimberlitos e lamproftos. Para o Kimberlito
Premier de idade 1,1-1,2 Ga., as inclusões revelaram idade de 1,15 Ga.
indicando que nesse caso o diamante é contemporâneo à inclusão. Já para o
Lamproíto Argyle de idade 1,1-1,2 Ga., as iclusões são mais antigas com
valores de 1,58 Ga.
Diamantes peridotíticos possuem razões isotópicas δ13C
constantes, sugerindo derivação a partir de fontes homogêneas no manto.
Cristalizados precocemente no Arqueano, via oxidação do CH4 ou redução do CO2 sob certas condições de fO2
permaneceram estocados sob os crátons onde pressões altas e
temperaturas relativamente moderadas garantiram sua preservação até
serem alçados por kimberlitos cretácicos. Aparentemente, os diamantes
eclogíticos possuem história geológica bem diferente. Suas razões δ13C
sugerem fontes de carbono heterogêneas, provavelmente crustais, que
teriam alcançado o manto por meio de subducção de placas continentais.
Possuem, conseqüentemente, idades variáveis sendo mais novos do que os
diamantes peridotíticos.
A
importância das informações reveladas pelo estudo das inclusões do
diamante não se restringe a esse mineral e aos problemas de sua gênese.
Elas possuem implicações mais abrangentes entre as quais destacamos
duas: 1) o fato do diamante ser em sua maior parte arqueano e ter
permanecido sob a litosfera continental durante mais de 3,0 Ga., só pode
ser explicado admitindo-se que essa litosfera já fosse suficientemente
espessa, algo acima de 120 km, caso contrário, o diamante não teria
permanecido em equilíbrio; 2) a existência de diamantes, originados a
partir de carbono crustal reciclado pelo movimento de placas
continentais, constitui uma evidência forte de que esse tipo de
tectónica já era atuante no Proterozóico.
Por
outro lado, descobertas recentes de pseudomorfos de grafita segundo
diamante em peridotitos do tipo alpino no Marrocos (PEARSON et al.,
1989; Nature, 333:60-62); de diamantes inclusos em granadas de rochas
metamórficas crustais (SOBOLEV, et al. 1990; Nature, 343:742-746); bem
como as idéias de Shibata (Conferência no IG/USP, Dez. 1991) de que o
carbonado (diamante policristalino) é de origem crustal, sendo formado
durante colisões continentais, ampliaram ainda mais o universo das
questões relativas à gênese do diamante. O tema é complexo e, ao que
tudo indica, não está restrito ao manto como se admitia até alguns anos
atrás.
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