No Acre.
No Acre se encontra o último fuso horário do Brasil. Esse pequeno estado está na moda, foi até tema da bienal de arte de São Paulo de 2007. É onde nasceram Chico Mendes e Marina Silva, personalidades do mundo ambiental. Chico foi morto em 1989 em disputa com fazendeiros e depois transformado em mito. Até a Globo fez uma minissérie com o nome Amazônia – de Galvez a Chico Mendes. Já Marina Silva, aliada política de Chico Mendes, é a atual ministra do meio ambiente.
Até aí, e também o que vi no começo da minissérie da Globo, pouco sabia ou conhecia desse pequeno estado brasileiro que foi tomado e depois comprado da Bolívia no início do século passado. Faz também fronteira com o Peru. A negociação, após inúmeros combates bélicos, se resume na recompensa ao governo boliviano pela anexação de parte de seu território com a construção da Madeira-Mamoré. Ferrovia que se eternizou não por sua função de transporte de mercadorias e saída para os produtos da região, mas pela quantidade de mortos durante sua construção e total não aproveitamento de sua capacidade instalada, que ao fim da construção era praticamente nada, um “trem fantasma”.
Havia passado por aqui em 2001 na volta de uma viagem pelo altiplano boliviano e os Andes no Peru. Dessa vez a missão era levantar informações e planejar a logística para o documentário “Return to the Amazon” de Jean Michel Cousteau e Ocean Futures Society. O filme retrata as mudanças na Amazônia nos últimos 25 anos.
Era véspera das eleições para presidente e governador e a quantidade de bandeiras vermelhas nos arredores da capital Rio Branco já mostrava que o PT definitivamente continuaria no poder. Milhares delas espalhadas por quintais e terrenos, grandes e quase sempre enroladas em si próprias, ficam penduradas em postes finos de madeira de mais de seis metros de altura. Não há um lugar que se olhe e não as vejam ocupando o horizonte num clima de vitória anunciada.
Como era o segundo mandato de Jorge Viana, ele indicou seu próprio vice, 13inho, leia-se Binho, para concorrer às eleições governamentais. Ganhou facilmente.
Ouvindo um gargalhante horário-político-obrigatório no rádio do Gol 1000 alugado, segui rumo ao Leste pela BR-364 com o propósito de dormir na pequena vila de Jaciparaná, já na Rondônia. Essa estrada corta todo o Sul da Amazônia brasileira, saindo de Cuiabá, atravessando os estados de Mato Grosso, Rondônia e Acre, e terminando no ponto mais ocidental do país, a pequena cidade de Cruzeiro do Sul, fronteira com o Peru. A maior parte do percurso que percorri está asfaltada e em boas condições.
Parado por um simpático guarda rodoviário na Tucandeira (posto de controle, pesagem e carimbos), na divisa do Acre com Rondônia, fui impedido de prosseguir viagem já que os documentos que portava eram de outro carro que não o Gol 1000. Indignado e crente que era um erro do autoridade só me convenci do contrário quando comparamos os documentos que eu portava com o número do chassi do carro. Nenhuma letra ou numero coincidiu.
As três horas que esperei um funcionário da Localiza, “onde é fácil alugar um carro”, resolver minha constrangedora situação serviram para vivenciar, ainda que por pouco tempo, as delongas burocráticas por quais passam caminhoneiros e empresas de transporte Brasil afora. Já não bastassem às detestáveis condições da malha rodoviária. A impressão que dá é que todo o esquema é preparado de tal forma a dificultar ao máximo o transporte de produtos e pessoas, acarretando enormes custos econômicos, principalmente custos de oportunidade e impedindo uma maior integração entre estados e regiões brasileiras.
Como os caminhoneiros passam por essas situações diariamente era o meu caso o que chamava mais atenção. Alguns vieram me perguntar o que fazia parado ali já que dirigia um carro novinho em folha. Inevitavelmente conheci alguns figuras: como um senhor que, acompanhado de um dos filhos, partiu de Alagoas havia mais de uma semana, num caminhão da década de 70, para visitar uma filha sua que não via há anos e que agora morava em Rio Branco. Para cobrir os custos da viagem, encheram a carroceria de madeira com cavalos e mulas e os vinham vendendo nas fazendas ao longo do caminho. Eles também haviam sido parados na Tucandeira, mas em sentido contrário. Seu filho voltou para Leste para vender um burro ou dois que não portavam os corretos documentos de saúde animal.
Com forte sotaque do interior nordestino, esse senhor me dizia que a única solução para o Brasil era a Luiza Helena como presidente. Não bastava qualquer justificativa racional, e olha que tentei inúmeras, que ele não se convencia do contrário e veementemente afirmava que só ela seria a solução de todos os problemas brasileiros, de corrupção à taxa de juros.
Um outro rapaz, paranaense e mais ou menos da minha idade, estava embravecido com os funcionários do posto de controle que, segundo ele, demoravam propositadamente com seus carimbos e assinaturas.
- Minha mãe bem que me dizia pra estudar e virar médico ou dentista, não dei ouvido e virei mecânico e motorista.
Resolvido o problema da documentação continuei até Jaci-Paraná. No caminho, já no estado da Rondônia, é preciso cruzar o rio Madeira de balsa. Durante a travessia, um olhar atento para a direita percebe a presença da bandeira da Bolívia numa ponta de terra. É a Bolívia!
Quando voltamos para o Acre já para as filmagens do documentário, conhecemos e entrevistamos o cientista nascido nos Estados Unidos Irving Foster Brown que reside em Rio Branco e trabalha na Universidade Federal do Acre. Esse simpático e comunicativo cientista tem como foco geográfico de suas pesquisas a área apelidada de MAP (Madre de Dios no Peru; Acre no Brasil e Pando na Bolívia).
São três unidades políticas desses três países vizinhos. Segundo Brown não havia muito contato entre os três principalmente pela dificuldade de acesso, mas essa situação mudou desde a metade da década de 90 com o início das obras da rodovia interoceânica que liga essa região ao chamado corredor interamericano no Pacífico.
Uma das maiores contribuições de seu trabalho é a mensuração das queimadas na região que nos últimos anos alcançaram níveis jamais vistos em intensidade e abrangência. A de 2005, nem dois anos atrás, queimou uma área de aproximadamente 300 mil hectares de florestas tropicais. Um acontecimento que repercutirá no médio prazo já que a área que pegou fogo é agora ainda mais suscetível para outras queimadas. Vale lembrar que é a queimada de áreas florestais como essa a maior contribuição do Brasil para o aquecimento global. Engana-se quem pensa que a conta desse problema nós vamos dividir com o restante do mundo, nas palavras de Brown:
- Aqui é onde o vento faz a curva. Não somente no sentido figurado como no fim do mundo, mas o vento que leva o ar e a umidade que formam as chuvas lá no Sul, as queimadas diminuem essa umidade acarretando menos chuva nas áreas agrícolas do Sul e Sudeste do país.
As perdas econômicas desse fenômeno são de difícil mensuração, mas não tenho dúvida que são enormes.
No Acre durante os meses de verão, meses que chovem menos, a fumaça dói nos olhos e faz ver o sol a Oeste descer em degrade.
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