sábado, 6 de fevereiro de 2016

Santarém e a soja.

Santarém e a soja.


Santarém é uma cidade bem localizada. Está na margem direita do rio Tapajós, estrategicamente em sua confluência com o rio Amazonas. É um ponto eqüidistante entre Manaus e Belém. Está relativamente próxima à foz do rio Madeira, o que permite uma boa integração com outros estados amazônicos como Rondônia e Amazonas. Qualquer navio de carga ou de turismo independente de seu calado pode chegar até Santarém. A cidade tem aproximadamente 370 mil habitantes.

É essa localização estratégica que vem atraindo investimentos privados como a construção de um terminal fluvial (porto) pela Cargill, empresa americana que compra, estoca, processa, transporta e exporta grande parte da soja brasileira produzida no Centro-Oeste.

Falar em soja no Brasil é uma faca de dois gumes. De um lado um importante produto das exportações brasileiras, de outro, um setor que vem sendo associado ao desmatamento na Amazônia.

Santarém se encontra no meio disso tudo. Recentemente, a cidade teve bastante exposição na mídia brasileira e internacional graças à publicação, depois seguida de atos públicos, de um relatório-denúncia feito pelo Greenpeace. Intitulado: “Eating-up the Amazon”, literalmente traduzindo para “comendo a Amazônia”, nesse relatório como em um filme policial lê-se:

O cenário: A floresta Amazônica
O crime: A destruição da floresta
Os criminosos: Archer Daniels Midland (ADM), Bunge e Cargill
Os parceiros: Os consumidores europeus

Estive em Santarém cinco vezes nesses últimos tempos, mas em nenhuma delas passei mais de três dias. Escrever sob um tema delicado como esse talvez exigisse mais tempo. Principalmente quando não há intenção de levantar bandeiras.

Quando a soberania da Amazônia estiver de fato ameaçada, Santarém será o foco da resistência brasileira. Devaneios a parte, é esse o clima da cidade que presenciei por duas vezes. Na segunda delas, o porto da Cargill se encontrava proibido de operar pelo Ministério Público.

É claro que os sojicultores são os mais indignados, mas esse sentimento também é presente entre comerciantes, lojistas e empresários. Em Santarém muitos carros exibem um grande adesivo dizendo “Fora Greenpeace. A Amazônia é dos brasileiros”.

Em visita a Coperamazon (uma cooperativa de produtores rurais), recebi um boletim informativo chamado de “Amazônia é dos brasileiros”, lê-se:

"A invasão estrangeira capitaneada pelos mecanismos internacionais, criaram “mercenárias ONGs” como a WWF e o Greenpeace, para atuarem como seus guerrilheiros ideológicos, desejam nos impor um modelo econômico que não foram capazes de defender em seus países. A verdadeira pretensão dos paises ricos é transformar a Amazônia em suas reservas particulares. Não vamos permitir a colonização ideológica e econômica por grupos, que em suas nações, não passam de anarquistas, sendo incapazes de convencer norte-americanos e europeus dessa consciência ecológica que defendem. Nós não vamos e nem queremos destruir a Amazônia, nossa consciência ecológica nasce do respeito que temos em desenvolvê-la economicamente e mante-la como um patrimônio soberano dos brasileiros (soberania nacional). Brasileiros engajados ao Greenpeace ou são ingênuos mal informados ou mercenários antipatriotas bem pagos. Vamos defender pelo o que é nosso."

O porto da Cargill custou, segundo a empresa, 20 milhões de dólares. Foi construído há apenas três anos. É sem dúvida uma boa estratégia da empresa norte-americana, pois graças ao aumento do consumo dessa commoditie no mundo mais soja será produzida e exportada pelo Brasil. Estar em Santarém significa uma boa economia de transporte para chegar a Europa ou China que são os dois maiores compradores.

Logisticamente funciona assim: A soja é plantada no Centro-Oeste, principalmente no estado do Mato Grosso, mas não necessariamente no bioma amazônico como adoram afirmar os mais radicais. Depois de colhida ela é transportada de caminhão até Porto Velho, capital da Rondônia. A principal rota é a BR-364. Em grandes barcaças puxadas por balsas os grãos descem o rio Madeira, sentido rio Amazonas. Daí há uma bifurcação: uma parte vai para o porto de Itacoatira, no estado do Amazonas, onde é transferida para os cargueiros transoceânicos que a leva para o exterior. A outra parte entra no rio Amazonas até chegar a Santarém, onde também é transferida para os cargueiros.

O porto de Itacoatira pertence ao grupo Maggi, do governador mato-grossense, e o de Santarém à Cargill.

Para entender um pouco o lado político da questão, consegui agendar uma entrevista com a atual prefeita de Santarém, Maria do Carmo. Ela nos recebeu em seu apartamento, pois não podia ir à prefeitura por causa de um protesto de moto-taxistas indignados com alguma lei que proibia sua atividade.

Simpática e bem-falante ela nos contou a história de Santarém, desde o tempo dos portugueses, e delongou-se bastante sobre as potencialidades do município. Como boa política quase não falou sobre soja. Culpou o governo militar pelos projetos de integração nacional, mas defendeu a pavimentação da BR-163:

-Desde que haja um plano integrado para que Santarém possa acolher o desenvolvimento e aumento populacional esperado.

Confesso que já estava um pouco cansado da entrevista da prefeita quando ela mencionou que seu grande sonho para os próximos 25 anos é a criação do estado Tapajós. Para mim uma grande novidade, mas aparentemente a idéia existe desde 1876 quando se propôs a criação da Província do Tapajós no Oeste do Pará. Esse novo estado seria a fatia da esquerda se dividir o estado do Pará ao meio, como pretendem seus defensores. Das montanhas do Tumucumaque até a Serra do Cachimbo. Santarém é claro seria a capital.

Se o novo estado vai ou não vai sair do papel fica para outro momento. Voltemos à soja.

A grande briga do Greenpeace é evitar que florestas sejam derrubadas para o plantio de soja. Como é muito difícil brecar a produção em lugares já consolidados, como no norte do Mato Grosso, esses ativistas elegeram os pequenos produtores de Santarém como alvo.

A causa é legítima “evitar mais desmatamento”, mas a briga é injusta. Nos arredores de Santarém não há sequer uma fazenda com mais de mil hectares plantados de soja. Só como comparação no norte de Mato Grosso há inúmeras com mais de 30 mil hectares. Talvez não haja mais de cinco produtores com mais de 500 hectares de terra. A maioria é pequena ou média propriedade.

De todo volume de grãos já exportados pela Cargill via o porto de Santarém desde o início de suas atividades menos de 3% foi produzido na região.

Em nossa última visita a futura capital do estado do Tapajós, quando filmávamos uma plantação de soja que estava a um mês do plantio, fomos abordados por dois produtores que pararam suas caminhonetes próximos de onde estávamos. A primeira frase que ouvi de um deles, um típico polaco imigrante do Paraná ou Rio Grande do Sul foi:

- Se fosse a minha propriedade vocês já tinham levado chumbo!

Esse é o clima em Santarém. Um local onde a produtividade é muito maior, a mão de obra é barata, sol e chuva o ano todo o que pode possibilitar até duas colheitas por ano e bem perto do mercado consumidor. Como já escreveu os cientistas do INPA, Clement e Val: “é um sucesso sob todas as óticas, menos uma: a taxa e a quantia absoluta de desmatamento”. Corresse o risco de retirar toda a área florestal com essa franca expansão da fronteira agrícola.

É um típico caso de mercado versus meio ambiente que persiste e persistirá na Amazônia ainda por muitas décadas. Conciliar, nesse caso, não é fácil, mas é possível. Santarém ainda vai dar muito que falar.

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