sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

De olho no carvão do RS, China quer reduzir uso do mineral em sua matriz energética

De olho no carvão do RS, China quer reduzir uso do mineral em sua matriz energética

A presença chinesa é crescente no mercado energético brasileiro. Essa tendência também está presente no Rio Grande do Sul, Estado que possui aproximadamente 86% das reservas de carvão do país. De acordo com os investimentos realizados nos últimos anos e os projetos anunciados para o futuro, o interesse dos chineses no Rio Grande do Sul é exportar tecnologia, explorar carvão e produzir energia. No plano interno, porém, a China anunciou que pretende reduzir o consumo de carvão em 4,1 bilhões de toneladas até 2020 e utilizar combustíveis mais limpos em sua matriz energética.
Proprietários de terra na região de Candiota vêm recebendo ofertas tentadoras para vender aos chineses suas terras, com jazidas de carvão. A simples compra da terra, porém, não garante aos chineses a exploração. Para isso, precisam ter também a permissão de lavra do minério. Quem detém essa permissão na área onde estão localizadas as jazidas de Candiota é a Companhia Riograndense de Mineração (CRM). Uma possível privatização da CRM, como pretende o governo José Ivo Sartori (PMDB), pode abrir as portas para empresas chinesas e de outros países obterem essa permissão. A jazida de Candiota é a maior do país, com mais de 1 bilhão de toneladas (considerando o que já foi medido), uma riqueza estimada em mais de R$ 200 bilhões.
A estratégia chinesa no Estado vem sendo capitaneada especialmente por duas empresas: a State Grid, maior empresa elétrica do mundo, e a China Three Gorges (CTG). Em 2016, a State Grid assumiu o controle da CPFL Energia, maior empresa privada do setor no Brasil. Com isso, passou a controlar também a AES Sul, comprada também em 2016 pela CPFL. A partir dessa aquisição, a estatal chinesa já controla cerca de 70% da distribuição de energia no Rio Grande do Sul. A exportação de tecnologia é outro ramo de negócios que interessa a essas empresas. Um exemplo disso é a Usina Termelétrica Pampa Sul, que está sendo construída na localidade de Seival, em Candiota, pelo grupo Engie (antiga Tractebel), com tecnologia chinesa e uma capacidade de geração de energia de 340 megawatts.
Mas essas não são as únicas empresas interessadas no carvão do Rio Grande do Sul. No último dia 4 de janeiro, o secretário estadual do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, Fábio Branco, recebeu os executivos Alberto Wiebbelling e Tarsi Pires, das empresas Meta Fiscal e Buriti Consultoria Empresarial, que representam no Brasil a Zhejiang Electric Power Construction Co. (ZEPCC). Eles manifestaram ao governo gaúcho o interesse dos chineses no setor energético do Estado. Dirigentes da ZEPCC virão ao Rio Grande do Sul, em fevereiro, para tratar de projetos nas áreas do carvão, gás e energia eólica. Segundo Fábio Branco, a empresa também estaria interessada em investimentos no porto de Rio Grande e na área do polo naval.
Além da China, Japão também está interessado no carvão do RS
Antes disso, em novembro de 2015, durante uma missão do governo gaúcho a China, foi assinado um memorando de entendimento entre a Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), a estatal chinesa Sepco1 e a Gescon Engenharia para verificar a viabilidade de gaseificação do carvão existente no Rio Grande do Sul. A Sepco 1 é uma empresa com grande participação em projetos de geração de energia a partir de fontes diversas e em diferentes lugares do mundo. No Rio Grande do Sul, a estatal opera a termoelétrica de Candiota 3, da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE).
Empresas japonesas também estão interessadas nas jazidas de carvão do Estado. No dia 3 de janeiro, executivos da Copelmi Mineração e das empresas PWC Advisory LLC, Tokyo Eletric Power Company Holdinfs (Tepco) e IHI Corporation apresentaram ao governador José Ivo Sartori, um estudo de viabilidade para a construção de uma usina térmica para a geração de energia no Rio Grande do Sul. Segundo essas empresas, o investimento para a construção dessa usina chegaria a US$ 2 bilhões e teria o apoio do governo japonês.
Restrições ao modelo de trabalho das empresas chinesas
Do ponto de vista da geração de emprego no Estado, as perspectivas de investimentos chineses não animam muito o presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota, Wagner Lopes Pinto. Questionado sobre a possibilidade de expansão do setor termoelétrico no Estado por meio de capitais chineses, ele mostra-se cético e lembra o que aconteceu recentemente no Estado:
“Temos algumas restrições até pelo tipo de trabalho que eles fazem. Acompanhamos a construção da fase C, de Candiota, entre 2011 e 2014, e testemunhamos o que aconteceu. Eles colocaram entre 450 e 500 chineses trabalhando na usina de modo clandestino. Chegaram aqui com vistos para turista e foram trabalhar na construção da usina. Quando encaminhamos denúncia ao Ministério Público do Trabalho e ocorreram batidas de fiscalização, esses trabalhadores ficaram dois ou três dias escondidos no meio do mato para não serem expulsos do país. Além disso, o tipo de trabalho que eles praticam é desumano, sem direitos e totalmente precarizado. A comida era entregue para eles em sacos plásticos, toda misturada. E o dinheiro recebido por esses trabalhadores foi quase todo de volta para a China, não ficou aqui na região”.
Na avaliação do prefeito de Candiota, Adriano Castro dos Santos (PT) a visão de futuro dos chineses é bem diferente da brasileira e está baseada em projeções de longo prazo. “O Brasil segue pensando só nas coisas imediatas, na lógica do curto prazo, enquanto a China está pensando 50 anos da frente. Se eles passarem a controlar as jazidas de Candiota, terão carvão disponível para mais de 50 anos. E estamos falando aqui só das reservas medidas. Nem todas as malhas estão sendo exploradas hoje. Então, o objetivo deles é duplo: manter reservas estratégicas de carvão e ampliar o número de usinas no país. Eles têm poder de investimento para fazer isso. Todo o processo tecnológico de construção das duas últimas usinas instaladas no Estado, a fase C de Candiota e a Tractebel, foi controlado pelos chineses”.
Para Adriano dos Santos, os interesses de investidores internacionais, especialmente da China, no carvão do Rio Grande do Sul expõem o prejuízo que o Estado pode ter, caso a CRM for, de fato, privatizada. “A alternativa é clara: vamos entregar essa riqueza para empresas multinacionais ou nós mesmos vamos explorá-la.”
No plano interno, China quer reduzir uso de carvão
Se, por um lado, a China busca expandir seus investimentos na área do carvão em outros países, por outro, no plano interno, o país pretende reduzir o consumo de carvão em 4,1 bilhões de toneladas até 2020 e utilizar combustíveis mais limpos em sua matriz energética. Até 2020, a meta é reduzir a presença do carvão na matriz energética para menos de 58%, segundo o plano quinquenal 2016-2020 do setor energético, divulgado pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma e a Administração Nacional de Energia. Em 2015, o carvão representou 64% da matriz energética do país. De acordo com esse plano, até 2020, a proporção de combustíveis não fósseis crescerá até superar 15% e a de gás natural atingirá 10%. O plano também prevê uma redução de 18% das emissões de dióxido de carbono por unidade do PIB até o ano de 2020, em comparação com o nível de 2015.
A promoção de energias mais limpas faz parte dos esforços do governo chinês para combater a poluição atmosférica, especialmente no norte do país. No início do ano, os casos de neblina composta por poluição, vapor de água e outros compostos químicos (smog) provocaram alerta vermelha em mais de 20 cidades do país. Além das emissões de automóveis e resíduos industriais, o consumo de carvão durante o inverno constitui um dos principais fatores causadores dessas nuvens.
Fonte: Sul 21

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