De olho no carvão do RS, China quer reduzir uso do mineral em sua matriz energética
A presença chinesa é crescente no mercado energético brasileiro. Essa tendência também está presente no Rio Grande do Sul, Estado que possui aproximadamente 86% das reservas de carvão do país. De acordo com os investimentos realizados nos últimos anos e os projetos anunciados para o futuro, o interesse dos chineses no Rio Grande do Sul é exportar tecnologia, explorar carvão e produzir energia. No plano interno, porém, a China anunciou que pretende reduzir o consumo de carvão em 4,1 bilhões de toneladas até 2020 e utilizar combustíveis mais limpos em sua matriz energética.
Proprietários de terra na região de Candiota vêm recebendo ofertas tentadoras para vender aos chineses suas terras, com jazidas de carvão. A simples compra da terra, porém, não garante aos chineses a exploração. Para isso, precisam ter também a permissão de lavra do minério. Quem detém essa permissão na área onde estão localizadas as jazidas de Candiota é a Companhia Riograndense de Mineração (CRM). Uma possível privatização da CRM, como pretende o governo José Ivo Sartori (PMDB), pode abrir as portas para empresas chinesas e de outros países obterem essa permissão. A jazida de Candiota é a maior do país, com mais de 1 bilhão de toneladas (considerando o que já foi medido), uma riqueza estimada em mais de R$ 200 bilhões.
A estratégia chinesa no Estado vem sendo capitaneada especialmente por duas empresas: a State Grid, maior empresa elétrica do mundo, e a China Three Gorges (CTG). Em 2016, a State Grid assumiu o controle da CPFL Energia, maior empresa privada do setor no Brasil. Com isso, passou a controlar também a AES Sul, comprada também em 2016 pela CPFL. A partir dessa aquisição, a estatal chinesa já controla cerca de 70% da distribuição de energia no Rio Grande do Sul. A exportação de tecnologia é outro ramo de negócios que interessa a essas empresas. Um exemplo disso é a Usina Termelétrica Pampa Sul, que está sendo construída na localidade de Seival, em Candiota, pelo grupo Engie (antiga Tractebel), com tecnologia chinesa e uma capacidade de geração de energia de 340 megawatts.
Mas essas não são as únicas empresas interessadas no carvão do Rio Grande do Sul. No último dia 4 de janeiro, o secretário estadual do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, Fábio Branco, recebeu os executivos Alberto Wiebbelling e Tarsi Pires, das empresas Meta Fiscal e Buriti Consultoria Empresarial, que representam no Brasil a Zhejiang Electric Power Construction Co. (ZEPCC). Eles manifestaram ao governo gaúcho o interesse dos chineses no setor energético do Estado. Dirigentes da ZEPCC virão ao Rio Grande do Sul, em fevereiro, para tratar de projetos nas áreas do carvão, gás e energia eólica. Segundo Fábio Branco, a empresa também estaria interessada em investimentos no porto de Rio Grande e na área do polo naval.
Além da China, Japão também está interessado no carvão do RS
Antes disso, em novembro de 2015, durante uma missão do governo gaúcho a China, foi assinado um memorando de entendimento entre a Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), a estatal chinesa Sepco1 e a Gescon Engenharia para verificar a viabilidade de gaseificação do carvão existente no Rio Grande do Sul. A Sepco 1 é uma empresa com grande participação em projetos de geração de energia a partir de fontes diversas e em diferentes lugares do mundo. No Rio Grande do Sul, a estatal opera a termoelétrica de Candiota 3, da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE).
Empresas japonesas também estão interessadas nas jazidas de carvão do Estado. No dia 3 de janeiro, executivos da Copelmi Mineração e das empresas PWC Advisory LLC, Tokyo Eletric Power Company Holdinfs (Tepco) e IHI Corporation apresentaram ao governador José Ivo Sartori, um estudo de viabilidade para a construção de uma usina térmica para a geração de energia no Rio Grande do Sul. Segundo essas empresas, o investimento para a construção dessa usina chegaria a US$ 2 bilhões e teria o apoio do governo japonês.
Restrições ao modelo de trabalho das empresas chinesas
Do ponto de vista da geração de emprego no Estado, as perspectivas de investimentos chineses não animam muito o presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota, Wagner Lopes Pinto. Questionado sobre a possibilidade de expansão do setor termoelétrico no Estado por meio de capitais chineses, ele mostra-se cético e lembra o que aconteceu recentemente no Estado:
“Temos algumas restrições até pelo tipo de trabalho que eles fazem. Acompanhamos a construção da fase C, de Candiota, entre 2011 e 2014, e testemunhamos o que aconteceu. Eles colocaram entre 450 e 500 chineses trabalhando na usina de modo clandestino. Chegaram aqui com vistos para turista e foram trabalhar na construção da usina. Quando encaminhamos denúncia ao Ministério Público do Trabalho e ocorreram batidas de fiscalização, esses trabalhadores ficaram dois ou três dias escondidos no meio do mato para não serem expulsos do país. Além disso, o tipo de trabalho que eles praticam é desumano, sem direitos e totalmente precarizado. A comida era entregue para eles em sacos plásticos, toda misturada. E o dinheiro recebido por esses trabalhadores foi quase todo de volta para a China, não ficou aqui na região”.
Na avaliação do prefeito de Candiota, Adriano Castro dos Santos (PT) a visão de futuro dos chineses é bem diferente da brasileira e está baseada em projeções de longo prazo. “O Brasil segue pensando só nas coisas imediatas, na lógica do curto prazo, enquanto a China está pensando 50 anos da frente. Se eles passarem a controlar as jazidas de Candiota, terão carvão disponível para mais de 50 anos. E estamos falando aqui só das reservas medidas. Nem todas as malhas estão sendo exploradas hoje. Então, o objetivo deles é duplo: manter reservas estratégicas de carvão e ampliar o número de usinas no país. Eles têm poder de investimento para fazer isso. Todo o processo tecnológico de construção das duas últimas usinas instaladas no Estado, a fase C de Candiota e a Tractebel, foi controlado pelos chineses”.
Para Adriano dos Santos, os interesses de investidores internacionais, especialmente da China, no carvão do Rio Grande do Sul expõem o prejuízo que o Estado pode ter, caso a CRM for, de fato, privatizada. “A alternativa é clara: vamos entregar essa riqueza para empresas multinacionais ou nós mesmos vamos explorá-la.”
No plano interno, China quer reduzir uso de carvão
Se, por um lado, a China busca expandir seus investimentos na área do carvão em outros países, por outro, no plano interno, o país pretende reduzir o consumo de carvão em 4,1 bilhões de toneladas até 2020 e utilizar combustíveis mais limpos em sua matriz energética. Até 2020, a meta é reduzir a presença do carvão na matriz energética para menos de 58%, segundo o plano quinquenal 2016-2020 do setor energético, divulgado pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma e a Administração Nacional de Energia. Em 2015, o carvão representou 64% da matriz energética do país. De acordo com esse plano, até 2020, a proporção de combustíveis não fósseis crescerá até superar 15% e a de gás natural atingirá 10%. O plano também prevê uma redução de 18% das emissões de dióxido de carbono por unidade do PIB até o ano de 2020, em comparação com o nível de 2015.
A promoção de energias mais limpas faz parte dos esforços do governo chinês para combater a poluição atmosférica, especialmente no norte do país. No início do ano, os casos de neblina composta por poluição, vapor de água e outros compostos químicos (smog) provocaram alerta vermelha em mais de 20 cidades do país. Além das emissões de automóveis e resíduos industriais, o consumo de carvão durante o inverno constitui um dos principais fatores causadores dessas nuvens.
Fonte: Sul 21
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