Uso de maconha na indústria têxtil pode salvar pobres fazendeiros na Índia do suicídio
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A Índia é o segundo maior exportador de algodão do mundo, mas enfrenta alguns grandes desafios nesta área. Um deles é que a cultura moderna convencional do produto depende de pesticidas e herbicidas que são impróprios, excessivos e perigosos se aplicados em países subdesenvolvidos, e podem ter contribuído para o declínio mundial da população de insetos. Além disso, há o suicídio epidêmico entre pobres fazendeiros de algodão. Um estudo mostra que agricultores de pequena escala que tentam cultivar seu algodão geneticamente modificado apenas com base na chuva têm mais tendência a entrar em um ciclo de dívidas e cometer suicídio.
Por essas e outras razões, empreendedores sociais estão observando de perto uma outra cultura, o cânhamo industrial – cannabis sativa com baixo THC, diferente da cannabis indica, maconha utilizada para o fumo.
O cânhamo tem uma surpreendente variedade de usos, como roupas, papel e plásticos moldados, encontrados em carros da Mercedes e da BMW. É mais forte e mais durável do que o algodão, e precisa de metade da água e da terra para crescer. Além disso, leva apenas 90 dias para amadurecer para a colheita – muito menos do que os nove meses do algodão -, o que permite o plantio duas vezes por ano e a consequente redução do risco financeiro em caso de falha da cultura. Essa versão é chamada de “planta irmã”, crescendo tão densamente que multiplica as ervas daninhas sem a ajuda de herbicidas.
Endêmico na Ásia Central, o cânhamo foi parte das cerimônias religiosas, da cultura e da sabedoria indiana por milhares de anos. Sob o domínio do governo britânico, as plantações indianas de cânhamo foram taxadas e regulamentadas, antes de a planta ser classificada como um narcótico no século 20. A Índia sucumbiu à pressão da guerra internacional às drogas promovida pelos Estados Unidos e baniu o cânhamo completamente na década de 1980.
Agora, os fazendeiros colhem cânhamo selvagem simplesmente para criar cordas para amarrar seus rebanhos, queimar no inverno ou preparar um chutney rico em proteína. A Índia exporta apenas 0,45% do suprimento mundial do produto, menos até do que os Estados Unidos (2,4%). Os principais exportadores são a Holanda e a China. Isso porque o cânhamo selvagem indiano ainda tem altos níveis de THC, tornando tecnicamente ilegal seu cultivo e uso.
Porém, empreendedores como Ashoka Fellow Sanvar Oberoi e seus colegas estão vendo um novo potencial na cultura. Boheco, uma organização cofundada por Sanvar, quer impulsionar toda a indústria e, no processo, ajudar a traçar um novo curso para o ecossistema e a economia indianos. Criada em 2013 depois da visita de um cofundador a sua família, no oeste da Austrália, que incluía a passagem por uma cidade cuja economia era sustentada apenas pelo cultivo de cânhamo e uva, a Boheco atraiu financiamentos de investidores-anjo no início de 2016 e agora tem 17 funcionários.
“Os fazendeiros ainda não sabem o valor econômico do cânhamo”, diz o cofundador Chirag Tekchandaney. “Não há um cultivo organizado, que os países possam ver. Nós estamos tentando aumentar a consciência entre os consumidores, mas também estamos explicando aos grupos de fazendeiros como eles podem se unir a nós para cultivar isso no futuro.”
Sustentada apenas por recursos próprios dos sete cofundadores nos quatro primeiros anos, a Boheco assegurou uma exceção do governo indiano para trabalhar com institutos de pesquisa e produzir uma variedade de cânhamo consistente, de baixo THC e de classe comercial que possa ser facilmente colhido com os métodos modernos. Eles têm o maior banco de sementes da Índia, com 150 variedades delas, de todas as partes do país, e responderam a consultas de fazendeiros por todo o país que, juntos, representam 25 mil acres potenciais de cultivo.
A organização pretende imitar a história de sucesso do arroz basmati, uma nova espécie de arroz que chegou ao mercado em 2004. “Agora esse é o único arroz que todos comem, porque é consistente e confiável”, diz Tekchandaney. A Boheco pretende assegurar os direitos de comercialização da semente de cânhamo, mas abrirá sua pesquisa ao público para que empresas e fazendas de cânhamo possam se proliferar pela Índia.
Para desenvolver o mercado, o time da Boheco está olhando para uma vasta gama de usos ultramodernos para o produto, incluindo remédios e até nanotecnologia. Porém, eles já vendem por atacado uma variedade de tecidos de puro cânhamo e de misturas que levam a planta. O tecido de cânhamo ostenta algumas propriedades incríveis: é a fibra natural mais forte do planeta, 98% resistente a raios ultravioleta e repele bactérias e poeira. Além disso, há agora tecnologia similar à de processamento de papel que pode transformar o cânhamo de uma fibra dura e rígida em uma tão macia quanto o algodão.
A primeira coleção de moda da marca fashion da Boheco, a B Label, é onde o tecido de cânhamo realmente brilha. Chamada de Sativa 188, ela vai de camisas de botão ocidentais, indianas e de estilo misto para homens a blusas apropriadas para o trabalho, tops ombro a ombro e vestidos para mulheres, todos tingidos naturalmente. O tecido de cânhamo da Boheco não precisa ser passado e se torna mais macio a cada lavagem, melhorando ao longo do tempo. Mais importante: a moda de cânhamo é também negativa em carbono, o que significa que, na verdade, ajuda a sequestrar mais carbono do solo do que libera durante sua fabricação.
Além disso, há a coleção Handloom da B Label de estolas de lã e cânhamo, que são feitas à mão pela Mandakini Women Weavers Co-operative, no vale Kedarnath de Uttarakhand. Cerca de 60 pessoas trabalham para a B Label Handloom, incluindo homens locais empregados na colheita do cânhamo selvagem.
A B Label já estava à venda em alguns estabelecimentos indianos, mas a partir desta quarta-feira (25), a loja online da B Label começa a vender as peças internacionalmente.
Fonte: Forbes Brasil.
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