sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Nos confins do tudo ou nada

Nos confins do tudo ou nada

Por Texto de Daniela Chiaretti e fotos de Davilym Dourado, de Serra Pelada (Curionópolis, Pará)
O garimpo foi fechado em 1992, quando a imensa cava ficou muito funda, a segurança mais precária e a produção minguava: com a água brotada das paredes formou-se um lago, que hoje, dizem, esconde ouro que o governo não quis que alcançassem
Há poucos tons pastel nesta terra de sol inclemente e mulheres que usam sombrinhas. No desfile das ruas, se a saia é rosa shock, a blusa é laranja, e o short sob a regata verde-limão é profundamente azul. A moça sai do mercado, monta na moto, acelera e some sem capacete no rastro de poeira vermelha. Aqui, é bom que se diga logo, nada é o que parece. A explosão do feminino com cores de Frida Khalo só tem uns 20 anos na vila de casas de tábuas. Este era um mundo exclusivamente de homens. "Bem-vindos a Serra Pelada", saúda a placa na entrada do povoado.
Quem tinha dez anos em 1980 lembra-se bem do frenesi contínuo na cratera aberta em plena floresta amazônica. Eram milhares de corpos monocromáticos, recobertos de barro da cabeça aos pés - devidamente calçados com kichute, tênis da Alpargatas que era hit no garimpo por ter travas na sola, que evitavam escorregões. Picaretas na mão, homens vindos do Ceará, de Pernambuco, do Maranhão, de São Paulo, de todos os cantos, sonhavam em "enricar". Serra Pelada era imagem constante na televisão do fim da ditadura. Dizia-se que o país iria pagar a dívida externa com a riqueza extraída do maior garimpo a céu aberto do mundo. Mas, a rigor, nem se sabe ao certo quanto a mina produziu. Estimativas falam em 40 a 60 toneladas. O que não saiu pela Caixa Econômica Federal, a única compradora oficial do ouro de Serra Pelada, ninguém sabe, ninguém viu.
Nas poeirentas ruas de terra, o sol forte recomenda o uso de proteção que a sombrinha mal garante, enquanto ajuda a compor inesperadas imagens de delicadeza
O que todo mundo viu são as cenas de garimpeiros indo e vindo em fila indiana, como formigas, curvados sob sacos de pedras. No auge da corrida do ouro brasileira, em 1982 e 1983, calcula-se que cem mil homens andaram por aquele buraco no sudeste paraense. Garimpavam dia e noite, aos domingos, na Páscoa, no dia de Finados. Só paravam quando chovia ou a voz do megafone mandava. Carregaram uma montanha inteira nas costas. Continuaram cavando e abriram um fosso de 180 metros de profundidade. Nunca alcançaram a mítica "cota 190", onde, acreditam piamente, existe muito mais ouro.
O garimpo foi fechado em 1992, quando o buraco ficou muito fundo, a segurança mais precária e a produção minguava. Na cabeça dos garimpeiros que ainda vivem na vila, o garimpo parou quando começaram a chegar perto dos grandes veios de ouro, que o governo nunca quis que alcançassem. Sem os homens para bombear a água que brotava das paredes, a cava encheu. Formou um lago meio sem graça, igual a qualquer outro. Claro que não é. Quem lembra das fotos preto e branco de Sebastião Salgado ou Jorge Araújo nem registra os adolescentes que hoje nadam ali, depois da aula. Só pensa nas histórias movidas a mercúrio e ouro, sangue e suor, que ainda estão debaixo daquela água.
Juvenal Costa Silva, chamado Paulo porque usava cabelo grande como Paulo Ricardo, do RPM: junto ao balcão do bar, no lugar do cabaré onde se ouvia muito "a banda daqueles dias"
"Eu vi a hora em que o bloco de terra se desprendeu do alto da parede, lembro perfeitamente daquele momento de agonia", conta o capixaba Etevaldo Arantes, 45 anos. Era uma madrugada de 1987. Em determinado local, uma turma havia encontrado ouro e continuava trabalhando. "O Ceará tinha dois dias dentro da cava. Ele saiu, me viu e chamou pra ir pro barranco. Eu não podia naquela hora e pedi que ele me trouxesse um café." O companheiro assentiu. De repente, por onde Arantes havia acabado de passar, caiu tudo. "Ceará foi o primeiro que tirei. Estava escuro, ele coberto de terra, já tirei morto. Carreguei nas costas, mas não vi quem era." Só mais tarde Arantes soube que o amigo atendeu a um chamado de dentro da cava e desviou do café. Daquela vez, morreram 21.
Na vila que restou, mulheres leem o Evangelho e ex-garimpeiro vê a vida passar: na cabeça de todos, a ideia é de que o garimpo parou quando começaram a chegar perto dos grandes veios, e que o governo nunca quis que alcançassem
Uma das histórias mais famosas é a de José Mariano, o Índio. O homem "bamburrou", o que, em linguagem garimpeira, significa que achou muito ouro. Eram 400 quilos. Ele conta (e outros repetem), que então quis ir de Belém ao Rio de Janeiro, dormir no Copacabana Palace. Mas no guichê da companhia aérea não conseguiu atrair a atenção da atendente, que preferia atender a cidadãos mais distintos. Índio zangou-se, colocou um saco de dinheiro sobre o balcão, fretou o avião de mais de cem lugares e foi sozinho. Em três anos gastou tudo e voltou ao garimpo, onde está até hoje.
Tem a lenda do sujeito que encontrou uma pepita enorme e comprou um carrão - que lavava regularmente com garrafas de água mineral. Falam da sorte de Marlon Lopes Pidde, o homem que explorou um pedaço de terra onde acharam quatro toneladas de ouro - ou oito, em algumas versões. Não comentam muito, é verdade, que Marlon está na cadeia, aguardando julgamento pela suspeita de ter assassinado 11 pessoas que invadiram sua propriedade, anos depois de ter enricado. Alguém muda de assunto e lembra como viu Júlio tirar a maior pepita do barranco: 63,12 quilos.
Conversas assim continuam a circular entre o dominó e a cachaça, no povoado de três ruas de terra. Fatos são amplificados no longo telefone sem fio que corre há 30 anos. Não à toa, a grande árvore onde os garimpeiros costumavam parar e conversar, e onde hoje estacionam as vans que levam ao asfalto, chama-se Pau da Mentira. É mais que um apelido: o nome veio por decreto municipal do então prefeito Sebastião Curió, de Curionópolis, cidade a 50 quilômetros e que tem Serra Pelada como distrito. A similaridade entre os nomes do prefeito e município não é mera coincidência.
Foi uma auto-homenagem de Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, ex-agente do Serviço Nacional de Informação (SNI) que praticamente exterminou a guerrilha do Araguaia alguns anos antes. Prefeito de Curionópolis duas vezes, hoje vive em Brasília depois de ter tido o mandato cassado por acusação de compra de votos. Suspeito do envolvimento em várias mortes, de líderes garimpeiros a guerrilheiros e até dois adolescentes que teriam invadido sua propriedade no Planalto, Curió ainda é o mito mais forte daquelas redondezas. Era temido e adorado pelos garimpeiros. Foi o general João Baptista Figueiredo quem o mandou para cá, logo depois de ter se espalhado a notícia de que um vaqueiro teria achado ouro no riacho da Grota Rica, um lugar ermo do sudeste do Pará. Eram tempos em que a economia do país ia mal. Em poucos dias, o território onde pepitas de ouro pareciam brotar do capim foi tomado por milhares de migrantes. Curió chegou logo depois. Tinha a missão de impedir que o Eldorado brasileiro virasse faroeste.
Não havia estrada ligando o que hoje são 35 quilômetros de terra que saem da PA-275, entre Eldorado dos Carajás e Parauapebas, e levam a Serra Pelada. "Aqui era só mato", conta o ex-garimpeiro Antonio Rosiel Ferreira de Paula, 40 anos e 23 de Serra Pelada. Ele foi "furão", nome que davam aos que entravam no garimpo de forma clandestina, "furando" a vigilância, chegando pela mata. Menor de idade, Rosiel não podia registrar-se no posto da Receita Federal que havia na entrada. Se fosse pego pela Polícia Federal, seria expulso. Pelas duras regras do garimpo, se voltasse e fosse apanhado de novo, os que lhe haviam dado abrigo e trabalho seriam expulsos também.
O carro dá três solavancos e Rosiel, que nunca foi pego, parece se inspirar. O primeiro comentário é sobre o tronco enorme de uma castanheira cortada, à esquerda. "A mulher que morava na casa da esquina dizia que quando ela morresse a árvore ia morrer também. 'Rapaiz', e não é que foi assim mesmo? Foi dona Ana se ir que a castanheira despencou sobre o asfalto no mesmo dia. Parou todo o tráfego da estrada." Há uma ou duas castanheiras no caminho para Serra Pelada. São raros os vestígios de Amazônia neste canto do Pará que parece ser Minas Gerais. Floresta não tem mais. Nos pastos gigantes, os bois se perdem. É região de grandes fazendas.
Da saga da castanheira solidária pula-se para o relato do dia em que um certo Ceará foi andar sozinho "naqueles montes lá adiante, onde a Vale tira ferro". Nas cidades do sudeste paraense, nascidas à beira da estrada e dos entroncamentos, alguém sempre tem uma história sobre algum Ceará, sinal das ondas migratórias do passado. Outro nome recorrente nas conversas daqui é o da Vale - mas, no caso da mineradora, a referência nunca é engraçada. A tensão entre os garimpeiros e a Vale, que tem dez mil hectares na região, sempre foi forte. Os garimpeiros querem a região para eles, a empresa diz ter o título de lavra dali, para ferro, desde 1974. Quando o ouro foi descoberto, começou o conflito.
Foi questão de dias para que o morro Babilônia, perto de onde haviam encontrado ouro, fosse ocupado por milhares. Em um ano, já eram 80 mil. O governo militar optou por suspender os direitos da Vale e deixar os garimpeiros lá por três anos ou até alcançarem determinada profundidade - prazo que foi renegociado depois. A empresa, estatal à época, foi indenizada em US$ 69 milhões. O povo ocupou a serra e Curió implantou obediência militar no garimpo. Ali não podiam entrar menores, mulheres e cachaça.
O Hino Nacional era cantado todos os dias, por todos, às 8 horas, e a bandeira, hasteada. Era a hora em que aconteciam os avisos, quando o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) comunicava se haveria sorteio de "barrancos" ou ocorriam reprimendas públicas ao garimpeiro que saía da linha. "Eles botavam em cima do palanque, humilhavam, expunham ao ridículo", lembra Arantes, que chegou à Serra aos 16 anos, outro "furão".
Pedro Angelo de Melo, 68 anos, está certo de que restou ouro escondido pelo governo: "Perdi o amor de filho, amor de mulher, perdi meu dinheiro. Só saio daqui quando me indenizarem"
"Barranco" era o nome do pedaço de terra de dois por três metros onde trabalhavam até dez homens. O dono do barranco ficava com 50% do que se achasse. Quem "tocava" barranco tinha que fornecer alimento aos outros, equipamentos e barracão para dormir. Os "sequeiros" carregavam sacos com cinco pás de terra, o que dava 30 quilos cada e, em um dia, levavam 40. "Sempre tenho dor no pescoço ou nas costas, sequela daquela fase", diz Juvenal Costa Silva, mais conhecido por Paulo, apelido que ganhou no garimpo por que "usava o cabelo grande, como o Paulo Ricardo, do RPM, a banda daqueles dias". No time do barranco havia ainda o "cavador", o "apontador" (que anotava quantas viagens cada um fazia) e o cozinheiro. Quem "bamburrava" muitas vezes resolvia "reinvestir", conseguia outro barranco e virava empregador de garimpeiro.
Até os grandes poços tinham nomes: "Adeus, mamãe" era, evidentemente, o mais perigoso. "Transamazônica" era a mina grande e mal acabada. Quem achasse ouro levava ao posto local da Caixa Econômica. O minério era avaliado e o garimpeiro, pago. Não muitos guardas controlavam tudo e todos. "Bastava o camarada estar lá com um crachá e um apito para ser autoridade. O povo respeitava", conta Arantes. Quem batia de frente com Curió "não tinha como andar ali dentro", continua o atual porta-voz do Movimento dos Trabalhadores na Mineração (MTM), um pequeno grupo de oposição à maior cooperativa de garimpeiros de Serra Pelada, a Coomigasp.
Os garimpeiros reagiram com vigor ao isolamento daqueles anos - hoje estão reunidos em uma dezena de cooperativas e associações que vivem disputas políticas intensas. À época, qualquer tipo de agremiação era reprimido. João Lizardo de Lima teve a vida marcada por aquela regra. Com dois amigos, editou a "Revista do Garimpeiro", em 1983. "Tinha fotos, a história do pessoal, era bem-feita", diz. Tiraram 20 mil exemplares, que foram recolhidos assim que chegaram ao garimpo. "Nunca me devolveram, ela não pôde circular", conta Lima. "A revista foi a coisa mais importante da minha vida. Enquanto eu não morrer, vou lutar para que paguem o que perdi."
O ressentimento é geral entre quem ainda mora na vila. São sete mil pessoas em um povoado sem nenhuma infraestrutura. "Este é um pedaço do Haiti em cima do Brasil", grita um garimpeiro à reportagem do Valor. A Vale é a campeã no ranking de reclamações. Isso se deve, em parte, à disputa histórica pela posse da terra entre a empresa e os garimpeiros, e em parte pela ausência de poder público, o que fez com que a Vale ocupasse o lugar de autoridade no imaginário popular. Até a epidemia de malária, em 2000, está na sua conta. "Tem garimpeiro que diz que foi a Vale que colocou mosquitos aqui", diz, rindo, Arantes. A empresa desistiu da briga em 2007, quando devolveu ao DNPM a concessão dos 100 hectares ao redor da antiga cava. O DNPM passou a região à Coomigasp, que agora se prepara para reabrir o garimpo junto a sócios canadenses. Mas a relação com a Vale continua carimbada na memória local.
"Quando o governo começou a estender os prazos aos garimpeiros, começou a ferir o direito da empresa de explorar a lavra que era sua", diz José Alberto Araújo, gerente geral do Jurídico da área de direito minerário e socioambiental da Vale. Araújo diz que, segundo os registros históricos, a resistência garimpeira foi muito forte quando a Vale quis recuperar seu território. "Os garimpeiros ameaçavam os funcionários, fecharam o acesso da empresa à região."
Em 1996 ocorreu o auge dos conflitos. A empresa conseguiu apoio da Polícia Militar e federal para entrar na área. "Os garimpeiros achavam que o direito de explorar aquela área era deles, porque foram eles que encontraram o ouro. Acontece que eles tinham invadido uma área que era de outros", diz Fernando Greco, gerente geral de exploração mineral da Vale no Brasil. "No fim, desistimos. Pelo volume de ouro que tinha lá e nas condições que se apresentava, economicamente não interessava mais à empresa." Serra Pelada virou uma espécie de aldeia gaulesa cercada por Vale de todos os lados. A lavra, agora, é da cooperativa de garimpeiros.
"Em 1996, ficamos 38 dias sem energia, e era a Vale que boicotava", afirma o ex-garimpeiro Nicolau Xisto de Carvalho. Sua mulher, a gaúcha Lorena Mazzuco Tonin, faz os pães mais famosos do povoado. Com cinco filhos e vivendo em Marabá, cuidou da oficina de motosserras da família ao ficar viúva. Quando os filhos cresceram, veio buscar o que o primeiro marido havia deixado em Serra Pelada. Não encontrou mais nada. "Paguei R$ 50,00 por um terreno e resolvi ficar aqui", conta. Casada há 11 anos com Nicolau, vivem agora de fazer pão. "Dá para tocar a vida, apertadinha, mas dá."
Crença arraigada em Serra Pelada é que ali por baixo ainda há muita riqueza. Podem até estar pisando em ouro, mas vivem na miséria. Serra Pelada é um lugar difícil. Água encanada não tem, energia elétrica vive faltando, celular não pega. Tem muita malária e leishmaniose. Há uma associação de doentes de hanseníase, o que dá ideia da difusão da doença. A mente confusa de alguns garimpeiros talvez seja um indício da contaminação por mercúrio que eles usam ainda hoje, nos pequenos garimpos ao lado da estrada, espalhando o metal pelas mãos como se fosse sabão de coco. Basta caminhar pelas ruas de terra para sentir o olhar desconfiado de homens sentados nas varandas, calados, sem fazer nada em plena terça-feira à tarde, a não ser medir os forasteiros.
Claro, sempre existem os teimosos. "Estou aqui há quatro anos e 28 dias", berra Pedro Angelo de Melo, um homem forte de 68 anos que, se usasse cachimbo e gorro vermelho, seria a personificação do Saci. O olhar é safado e a perna, machucada, entortou. "Tem ouro aqui, esconderam o filão." Melo tem oito filhos. A mulher morreu. "Nem fui fazer a visita de cova. Perdi o amor de filho, amor de mulher, perdi meu dinheiro. Só saio daqui quando me indenizarem", grita "Pedra Preta", como o batizaram no garimpo.
Pouco adiante, o maranhense Ronaldo Rodrigues Carvalho é outro que mexe no cascalho para ver se encontra gramas de ouro. "Tem muito ainda. Todo dia venho, é meu jeito de colocar dinheiro no bolso", conta, enquanto lava algo na bateia. A água sai vermelha, da cor da terra. Depois, o garimpeiro unta bandejas com mercúrio, para separar o ouro do resto. "Só tem perigo quando a gente queima e cheira o gás", acredita. Não usa luvas nem máscara.
Sondas espetadas da canadense Colossus indicam que Serra Pelada pode viver outro ciclo do ouro em breve. A Coomigasp e a empresa acertam detalhes para explorar 50 toneladas de minério (33 toneladas de ouro) que foram prospectadas. Será um garimpo mecânico. "Não passava pela nossa cabeça que o ouro, um dia, pudesse acabar", diz Paulo, que na verdade é Juvenal. Ele se emociona ao lembrar o deslizamento de terra que quase o matou, levou seus companheiros e o fez desistir do garimpo. Casado, pai de dois meninos, vive em Curionópolis. Espera que deem certo o negócio com os canadenses ou os projetos de ferro e cobre da Vale e que a região saia do abandono. A Serra Pelada de hoje não tem nada da aura de Eldorado daqueles dias.
Até hoje Paulo lembra detalhes dos quase 30 anos em que vive ali. Mais de 40 bordeis se instalaram a um quilômetro da vila onde hoje é Curionópolis. "Não vou dizer que não, eu era moço, frequentava os cabarés." Muitas mulheres "amigaram" com os garimpeiros, várias ainda estão por ali. Uma delas casou, separou e comprou a casa onde trabalhava no passado. M. não quer dar entrevista. É abril e na sala ela tem uma árvore de Natal montada. "É para ver se tenho sorte, se ganho algum presente."
De Serra Pelada não se sai impune. Um bando de meninos se prepara para jogar bola no campo, próximo ao marco que homenageia um dos vários líderes garimpeiros assassinados. Fim violento foi também o de Ceará, aquele que um dia foi caminhar no morro. Voltou todo estropiado. "Foi uma hárpia que agarrou ele e quase levou embora voando", conta Rosiel. "Ele não acreditava em Deus e o pessoal dizia que a hárpia era o diabo que veio buscar ele em vida." Ceará morreria emboscado, na estrada da vila, abatido a tiros. Serra Pelada nunca foi lugar para amadores. "As coisas que acontecem aqui, a pessoa tá vendo e não acredita, mesmo sendo a realidade", diz Rosiel.

Minério ainda é a estrela da pauta

Minério ainda é a estrela da pauta

Divulgação / DivulgaçãoMartiniano Lopes, da KPMG "O mercado sofre da repressão dos preços"
O minério de ferro continua sendo o principal mineral brasileiro. Corresponde a 63,3% (US$ 32,4 bilhões) da produção mineral nacional, que atingiu US$ 51 bilhões em 2012. O Brasil tem um mercado consolidado, boa disponibilidade do produto para atender à clientela internacional e empresas com know how tecnológico para produzir e atender a demanda. Mas outros produtos, como os chamados agro minerais, o NPK (nitrogênio, potássio e fosfato), utilizados como fertilizantes, além da cadeia do alumínio (bauxita, alumina e alumínio), do cobre e do nióbio, por exemplo, estão numa escala crescente de investimentos e devem melhorar a posição do país no ranking mundial.
"O Brasil é um país riquíssimo em outros bens minerais. Se investir mais em pesquisas, para ampliar o atual mapeamento geológico, poderia expandir as reservas, como fizeram outros países, e alcançar uma posição estratégica no mundo da mineração, bem melhor do que temos hoje", confia Cinthia Rodrigues, gerente de pesquisa e desenvolvimento do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Segundo dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), 14.390 mineradoras operam no país (eram 8.870 em 2011), em regime de concessão de lavra e de licenciamento, com 2,5 milhões de trabalhadores, dos quais 192,7 mil empregos diretos. Nove mil mineradoras estão em atividade plena, mas apenas um grupo de cerca de 20 grandes companhias nacionais e multinacionais, como a Vale, Votorantim Metais, Samarco, Anglo American, CSN, CBMN, entre outras, respondem pela maior parte da produção, que este ano deve cair para US$ 48 bilhões por causa da queda dos preços de minérios e metais no mercado internacional.
Na balança comercial, minério de ferro, ouro (em barras), nióbio (ferronióbio) e cobre são os quatro maiores. Só o minério de ferro respondeu por US$ 30,9 bilhões das exportações brasileiras no ano passado, de US$ 242,6 bilhões, de acordo com o Ibram. Em 2011, a receita bruta proveniente das exportações do minério alcançou US$ 41,8 bilhões. A China é o grande comprador, com mais de 45% de nossas exportações.
Mas os outros minerais devem avançar, indica Cinthia. De US$ 75 bilhões de investimentos previstos até 2016, mais de 10% serão destinados à exploração do potássio, no Amazonas e Sergipe. "As mineradoras fornecedoras de insumos para fertilizantes (nitrogênio, potássio e fosfato) estão empenhadas em tornar o Brasil menos dependente da importação desses minerais. Por isso, devem ampliar a produção interna para atender a crescente demanda da agricultura brasileira", destaca.
De acordo com agentes do mercado, a Vale mantém planos para retomar os investimentos no Projeto Carnalita, em Sergipe, onde possui uma mina de potássio em operação por meio de contrato de arrendamento que foi renovado em abril do ano passado com a Petrobras. E a Anglo American iniciou um estudo de pré-viabilidade para expansão da produção de fosfato, nas plantas de beneficiamento, em Catalão (GO) e Cubatão (SP), a partir do ano que vem, informa Ruben Fernandes, presidente da unidade de negócios nióbio e fosfato da multinacional.
Para Martiniano Lopes, sócio-diretor da KPMG, no entanto, a expectativa é que os novos investimentos sejam feitos com cautela. "O mercado sofre da repressão dos preços. Mas há outros fatores, como a discussão do novo modelo regulatório para o setor, que podem influir na confiança do empresariado, por exemplo, em investir em pesquisa mineral.

Invista no ouro

Invista no ouro

A joalheria Sara já conquistou as mães da classe AAA, e agora está de olho nas filhas. Para isso, inaugura amanhã uma nova loja em São Paulo, a poucos metros de onde ficava a anterior, nos Jardins. Laja Zylberman, proprietária e designer, conta que a marca já atinge um público mais abrangente no Rio, de onde a joalheria é originária. A estratégia foi investir em um espaço mais arejado e contemporâneo. Laja diz não temer perder a clientela anterior, já que o projeto de Ricardo Campos e paisagismo de Vic Meirelles contempla a todas. "Queremos abocanhar o dinheiro novo, esse pessoal que investe na bolsa, em imóveis."

O homem, a joia e os seus símbolos

O homem, a joia e os seus símbolos

Aline Massuca/Valor / Aline Massuca/ValorAntonio Bernardo: criatividade e bom gosto para driblar a desconfiança
O universo da joalheria vem há tempos flertando com o público masculino. Ele, que até a Revolução Francesa usava e abusava da joia como demonstração de riqueza e poder, vem passando por um período minimalista que está durando tempo demais. Ainda assim, a indústria insiste e resiste, criando coleções que pouco a pouco fogem do básico para apostar no sofisticado.
Um dos designers que sempre acreditou no homem como cliente em potencial é Antonio Bernardo, que neste mês lançou peças masculinas feitas de prata. Até ele, no entanto, admite se tratar de um cliente desconfiado, difícil de conquistar. "Procuro criar em cima de temas mais masculinos, como o das máquinas e dos automóveis", diz Bernardo. De fato, a coleção traz peças que lembram esse universo de porcas, parafusos e afins, mas não se restringe a isso. Com habilidade e senso estético apurado, Bernardo conseguiu criar joias elaboradas e muito chiques.
Com bastante discrição, o designer vai conseguindo fazer o consumidor perceber que pode sim se enfeitar mais, sem colocar em risco a sua imagem. "Tenho notado que o consumo de anéis vem crescendo, entre os homens", diz Bernardo, que aumentou o número de peças feitas para eles, arriscando até no ouro amarelo, um tom mais difícil de agradá-los.
Com bastante discrição, o designer vai conseguindo fazer o consumidor perceber que pode sim se enfeitar mais, sem colocar em risco a sua imagem. "Tenho notado que o consumo de anéis vem crescendo, entre os homens", diz Bernardo, que aumentou o número de peças feitas para eles, arriscando até no ouro amarelo, um tom mais difícil de agradá-los.
Divulgação / DivulgaçãoColeção de prata de Antonio Bernardo: identidade com o mundo masculino
Falando em peças douradas, a nova coleção de bijuterias masculinas do designer Mario Queiroz, para a fabricante Rommanel, aposta pesado no tom solar. São anéis e pulseiras com banho de ouro, alguns misturando também o metal prateado. "Acredito que o homem esteja preparado para ousar", diz Queiroz.
Para a consultora criativa do IBGM, Regina Machado, o momento é propício para tentar acabar com a resistência masculina a respeito dos adornos. "Até porque, a diferença entre os papéis de homens e mulheres está diminuindo", diz Regina. É hora, portanto, de deixar a timidez de lado. "Vale lembrar que, através da história, a joia foi muito mais um adorno masculino".
Algumas "tribos", como a dos skatistas, jogadores de futebol e dos músicos jovens, já perceberam o poder da joalheria como definição de personalidade - e têm usado esses enfeites sem medo. A boa notícia é que os fabricantes estão de olho na crescente demanda. "Na última Feninjer (Feira Nacional da Indústria de Joias, Relógios e Afins), vi várias novidades para eles, entre broches, colares e anéis", diz Regina. O foco principal, diz a consultora, são os símbolos: a imagem de Nossa Senhora Aparecida e os ideogramas samurais estão entre eles. "É natural, os homens são seres simbólicos". 

Serra Pelada ainda mescla sonho e desventura

Serra Pelada ainda mescla sonho e desventura

Claudio Belli/Valor / Claudio Belli/ValorEm parceria com ex-garimpeiros, companhia canadense Colossus vai retomar a extração de ouro na região que foi um símbolo da mineração no Brasil nos anos 80
Em abril de 1980, o pernambucano de Araripina Francisco Morais dos Santos migrou para o interior do Pará em busca de ouro. Seu destino foi um local apelidado de Serra Pelada. Santos veio com alguma roupa e um pouco de dinheiro. Tinha 31 anos e, como milhares de aventureiros, se afundou nos anos seguintes num enorme buraco enlameado atrás do seu tesouro. Nunca deu sorte de enriquecer como tantos enriqueceram. O garimpo foi fechado em 1992 e agora o trabalho está sendo retomado. Desta vez, não pelas mãos de garimpeiros, mas por meio de detonações, máquinas perfuratrizes e caminhões fora de estrada.
Serra Pelada não é mais a cava a céu aberto que atraiu 100 mil pessoas de vários cantos do país para o meio do nada há três décadas. Agora, Serra Pelada é uma mina subterrânea com um grupo canadense como principal proprietário. As ações da empresa são negociadas na bolsa de Toronto. Claudio Mancuso, diretor presidente da mineradora Colossus Minerals, dona de 75% do negócio, diz que entre o fim deste ano e o início do próximo a produção começa.
"Há muitas minas de ouro que retiram atualmente um grama por tonelada ou menos do que isso. Ainda estamos tentando definir qual é o teor exatamente, mas sabemos que aqui é muito mais alto do que isso", disse ele. Mancuso cita o exemplo do que algumas amostras retiradas pela empresa já detectaram: uma área no subsolo em que se tem 21 gramas de ouro por tonelada; e outra, 173 gramas por tonelada.
O tamanho da reserva ainda não foi calculado pela empresa conforme os parâmetros das regras do Canadá, diz ele. Com altos teores e tanta variação, é necessário um estudo adicional. Dados preliminares enviados ao Ministério das Minas e Energia, no entanto, estimavam uma reserva total de minério de 4,2 milhões de toneladas a 7,45 gramas por tonelada, representado uma produção total de ouro estimada em 30, 5 mil quilos e produção média anual de 2,5 mil quilos, conforme informou o MME.
O projeto agita a vila de Serra Pelada e Curionópolis, município do qual faz parte. O Valor ouviu de moradores como o projeto aumentou a renda, a demanda do comércio, criou empregos e ajudou a florescer, neste lugarejo pobre de ruas de terra e casinhas de madeira, algumas casas e lojas de alvenaria. "Antes da Colossus, Serra Pelada era totalmente carente. A gente nem sabe como as pessoas sobreviviam. Quando a empresa entrou, melhorou. A Colossus é a que paga melhor aqui", diz Alani Vieira, 19 anos, estudante da única escola de ensino médio da vila.
Mas se há elogios, há também muitas críticas à atuação da Colossus. Muitos dos críticos são ex-garimpeiros associados à maior cooperativa local, a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp). Eles têm um interesse direto no negócio: são os donos, por meio da entidade, dos 25% da mina e têm direito a receber uma parte do resultado da produção em dinheiro.
"Nós moramos em cima de uma das maiores minas de ouro do mundo, que por lei foi dada para a gente, e vivemos nessa situação precária que vivemos, enquanto os outros de fora ficam querendo tomar tudo isso aqui", se queixa Francisco Morais dos Santos, com 64 anos, que depois dos tempos do garimpo é hoje dono de um bar mercearia na vila. Ele diz ser associado à Coomigasp desde 1984.
Serra Pelada é um vilarejo de ruas de terra, sem esgoto e água encanada. Fica a 40 km de Curionópolis. Tem 7 mil habitantes, quase todos ex-garimpeiros e suas famílias, e histórico latente de tensão e de descaso do poder público.
Em julho, um grupo de moradores se associou a um grupo de garimpeiros cooperados, que hoje estão espalhados pelo Maranhão, Pará, Piauí, Goiás e outro locais, para protestar em frente ao empreendimento. Queriam, entre outras coisas, uma revisão do acordo. Em vez de uma participação de 25% pediam 49%. Em fins de agosto, outro protesto. Alguns falaram em invadir o projeto. A Polícia Militar foi chamada pela mineradora. Policiais usaram balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo e feriram 25 pessoas, segundo os ex-garimpeiros. O episódio aumentou mais a tensão entre parte dos ex-garimpeiros e a Colossus. A PM manteve homens de plantão na frente do projeto até a semana passada, quando o clima ficou mais tranquilo e os policiais foram retirados.
Segundo o tenente coronel Mauro Sérgio, comandante do 23º Batalhão da região de Carajás. "O maior problema seria eles entrarem naquela mina", disse, alegando questões de segurança dos próprios manifestantes. A empresa falou do temor do grupo desligar o bombeamento de água.
A mina fica a poucos minutos do vilarejo. A entrada se parece com a boca de um túnel de estrada. Há uma pista principal e outras secundárias, cobertas por cascalho e lama. Tem ao todo 1,3 quilômetros de extensão e já chegou a 150 metros de profundidade. Dentro trabalham equipes com caminhões, explosivos e perfuratrizes. Cálculos rápidos apontam para vida útil de sete a dez anos, diz Mancuso.
As obras do túnel começaram em dezembro de 2010 e foram cercadas de desafios. O maior deles é cavar um túnel desses no solo amazônico, úmido e mole. Bombas de sucção funcionam ininterruptamente. Em julho, a empresa comunicou ao mercado problemas no sistema de bombeamento de água e que isso obrigava a um reforço em sua capacidade. As paredes e o teto das passagens são concretadas. Não fosse assim, desabariam. O túnel não passará sob a velha cava - hoje coberta de sedimentos e água - aberta no braço pelos garimpeiros dos anos 80. Vai passar perto. O plano da Colossus é atingir uma faixa no subsolo com alta concentração de material mineralizado - onde se encontra o ouro.
A canadense Colossus paga atualmente, em juízo, R$ 350 mil por mês à cooperativa de ex-garimpeiros
"O túnel está a 5 metros do centro da área de mineralização ou já está dentro dela, ainda não fizemos perfurações nesse ponto e não podemos determinar se já estamos lá, mas já dá para ver o que se chama de burro preto [um tipo de terreno escuro onde em geral ocorre o ouro]", diz o executivo. Uma das vantagens raras de Serra Pelada é que essa zona de mineralização, onde há ouro, está numa faixa concentrada e bem definida na rocha, enquanto em muitas minas pelo mundo o material fica espalhado, disse Mancuso. Outra característica: "Não há outra mina em produção no mundo no momento que seja primordialmente de ouro e que tenha também platina e paládio, como essa. A mina é muito especial." Num primeiro momento, o projeto processará apenas ouro.
A Colossus já investiu R$ 600 milhões no projeto, disse Mancuso. Os recursos, afirma, foram levantados no mercado de capitais do Canadá, equities, dívidas, entre outros meios. Os acionistas da empresa são em sua maioria grandes fundos de pensão e de investimento do Canadá e dos EUA, segundo o executivo canadense de 38 anos. Ele vive em Toronto e uma vez por mês está em Serra Pelada. Mancuso entrou na companhia em 2011.
A Colossus foi criada em 2006, com sede em Toronto. No Brasil, seu escritório fica na Avenida Paulista. Um dos sócios fundadores é o brasileiro Augusto Kishida - que atuou na Vale na época do garimpo. A Vale, ainda estatal, era dona da área no qual se formou o formigueiro humano de Serra Pelada.
O ouro extraído será processado numa estrutura no próprio local. Em meados do ano passado, a empresa começou a erguer uma unidade de processamento que está em fase final de construção. Trata-se de uma grande estrutura de aço com longas esteiras que levarão o material mineralizado para trituradores e um moinho de bolas de aço. O pó rico em ouro será então despejado em uma fornalha na golden house - um grande edifício cúbico acinzentado em fase de acabamento - onde o material será fundido e transformado em barras de até 5 quilos. A cada dois ou três dias, helicópteros levarão carregamentos de barras para Marabá e depois para empresas que fazem o refino em São Paulo. O ouro de Serra Pelada, então, estará pronto para ser vendido para joalherias e, acima de tudo, para bancos e investidores em todo o mundo.
É uma logística normal para o setor, mas incomum para este canto do Pará. E o que torna o negócio mais incomum é que a Colossus tem como sócio uma cooperativa que reúne 38 mil garimpeiros (número questionado). Pode-se dizer que são 38 mil sócios. Mancuso acredita que isso seja único.
Em 2007, a cooperativa obteve do governo federal o direito minerário para pesquisas de ouro em Serra Pelada. Como já não era permitido o garimpo manual por questões de segurança, a cooperativa foi atrás de um parceiro com dinheiro e capacidade técnica para uma produção mecanizada. A Colossus e a cooperativa fecharam o contrato e criaram a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM).
O contrato original estabelecia que 51% do empreendimento ficava com os canadenses e 49% com os ex-garimpeiros. Mas havia uma cláusula que definia que, após investimentos iniciais, só da Colossus a cooperativa também tinha de contribuir. Se um dos lados falhasse, teria a participação no negócio diluída. Esse ponto, atacam os garimpeiros críticos à empresa, não foi debatido claramente pelos cooperados. Em 2010, quando se decidiu dar início às obras para a produção, e quando mais capital era exigido, a canadense ficou sozinha. "A Coomigasp não tinha dinheiro. Então nós fizemos esse aporte", disse Mancuso. "E então pagamos mais R$ 300 milhões por 24% adicionais do projeto que a Coomigasp deveria ter investido."
Como a cooperativa nada investia estava a caminho de ter sua participação zerada no empreendimento. Foi quando o Ministério das Minas e Energia, segundo a empresa, entrou nas negociações e estabeleceu-se um aditivo ao contrato. A Colossus de 51% passou a ter 75% do negócio, passou a ser responsável por 100% do investimento e da tecnologia. A cooperativa receberá o referente a 25% da produção, mais 2% de royalties.
Mas os sócios brasileiros da Colossus não conseguem se entender. Dois grupos de dirigentes da Coomigasp dizem ter legitimidade para estar à frente da entidade. O Tribunal de Justiça do Pará informou que há recursos impetrados no segundo grau sobre a questão que ainda não foram julgados. Dirigentes da ala comandada por Valdemar Pereira Falcão são com quem a empresa dialoga e dá acesso ao projeto. A ala crítica, comandada por Vitor Albarado, acusa a empresa de ter comprado o apoio da diretoria anterior da cooperativa para que ela aprovasse a alteração no contrato. A empresa nega qualquer irregularidade. Albarado fala em recorrer à Justiça para recuperar os 49% e, se não tiver sucesso, "ir para o tudo ou nada". Na terminologia local, isso significa tentar invadir o empreendimento e parar sua produção para criar um fato capaz de mudar o jogo.
O projeto está em fase de licença de operação. "Eles podem pedir o que quiserem, mas nós temos um contrato que vamos defender na Justiça [se for o caso] e o contrato foi endossado pelo ministério", diz o executivo canadense. Perguntado se vê algo questionável na alteração dos percentuais, o Ministério das Minas e Energia respondeu que "eventuais alterações, são de responsabilidade das partes".
A empresa já pagou alguns milhões à cooperativa. Entre 2010 e 2011, foram R$ 19,2 milhões, de acordo com o Ministério Público que levantou questionamentos sobre o fato de os recursos terem ido para a conta pessoal de uma diretora. Segundo a empresa, os pagamentos se referem "à antecipação do pagamento de prêmios da produção mineral, previsto em contrato, para a cooperativa." E só foram feitos em conta pessoal por problemas na conta da cooperativa. A diretoria da cooperativa da época foi afastada.
A empresa paga, em juízo, atualmente R$ 350 mil por mês à cooperativa. É adiantamento ao início da produção previsto em contrato.
A dúvida de vários cooperados - que nunca viram esse dinheiro - é se eles receberão o dinheiro a que têm direito quando a produção começar. Mancuso diz que não está claro quanto cada um receberá como "sócio" do projeto. Mas afirma: "A menos que a haja uma profissionalização da cooperativa, eles não vão receber nada porque neste momento, nenhum dos grupos que disputam a diretoria, tem um plano para distribuir os recursos para os garimpeiros." Se isso não ocorrer, o depósito de ouro em Serra Pelada poderá se tornar um depósito de pólvora fácil de explodir em ira dos garimpeiros.
"Esse assunto é uma das maiores preocupações do Ministério Público do Pará", disse o promotor estadual Hélio Rubens. "O projeto pode se tornar um sucesso de distribuição de recursos para os garimpeiros ou uma grande decepção."