terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Garimpo no rio Grande abasteceu tráfico de diamantes

Garimpo no rio Grande abasteceu tráfico de diamantes



Edvaldo Santos
Balsas apreendidas pela Polícia Ambiental em garimpo do rio Grande, entre Paulo de Faria e Itapagipe (MG), em novembro de 2008: área é controlada por Antônio Marques da Silva, o Marquinhos
O empresário Antônio Marques da Silva, 54 anos, ex-presidente da Coopergrande (Cooperativa dos Garimpeiros do Baixo Vale do rio Grande), com sede em Frutal (MG), é apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como o principal fornecedor de diamantes para uma rede internacional de tráfico de pedras preciosas. Investigação de dois anos da Polícia Federal revelou que diamantes extraídos ilegalmente pelo empresário eram enviados para países da América do Sul, Europa e Ásia.

As informações constam de relatórios da PF e do MPF, a que o Diário teve acesso com exclusividade. A Operação Quilate, desencadeada no dia 12 de agosto deste ano, prendeu 11 pessoas. No total, 25 envolvidos, sete deles estrangeiros, foram denunciados à Justiça Federal por formação de quadrilha, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A denúncia foi aceita pelo juiz da 6ª Vara Federal em São Paulo, Fausto Martin de Sanctis.

“Desvendou-se o caminho percorrido pelas pedras preciosas obtidas por intermédio da sistemática e persistente extração em lavras garimpeiras localizadas, sobretudo, na represa formada pela usina hidrelétrica de Marimbondo (entre Guaraci e Frutal). (...) As pedras preciosas, sem qualquer controle, eram vendidas a intermediários, que desenvolviam um amplo comércio, com conexões internacionais”, escreve a procuradora Daniela Pereira Batista Poppi.

Essa área pertence a Marquinhos em associação a João de Deus Braga, 58 anos, outro denunciado pelo MPF. Nela, centenas de balsas extraíram diamantes ilegalmente durante dez anos. De acordo com a denúncia, cabia a Marquinhos e João de Deus oferecer as pedras a atravessadores de Franca (SP) e Uberlândia (MG) ligados a Jorge Khabbaz, empresário de Franca e líder de todo o esquema.

Por ele, os diamantes do rio Grande ganhavam o mundo escondidos no corpo de “mulas”. As pedras eram levadas de avião para a Itália, Líbano, Bélgica, Suíça, Estados Unidos, Chile, Israel e Guiana. Parte do dinheiro arrecadado voltava para o Brasil por meio de operações cambiais ilícitas como o dólar-cabo, em que o doleiro tem contas bancárias nos países de origem e destino do dinheiro - a soma é depositada na conta dele no exterior, e o doleiro deposita a mesma quantia na conta do interessado no Brasil, ou vice-versa.

Além disso, segundo a PF, Khabbaz mantinha duas offshores em Dubai e no Panamá, onde supostamente depositava parte do lucro com as pedras. Para a procuradora do MPF, a estratégia visa a “dissimular a origem ilícita dos valores obtidos com as práticas criminosas”. Há indícios no processo judicial de que os diamantes negociados por Marquinhos e João de Deus alcançassem cifras milionárias. Na casa de João de Deus, os policiais federais apreenderam uma mensagem em que um homem de Goiânia oferece a ele um diamante de US$ 4 milhões, que estaria guardado em um banco de São Paulo.

Em julho deste ano, em diálogo interceptado pela PF, Marquinhos telefona para um atravessador e oferece uma pedra. Mozair pergunta se ela é “branquinha, purinha”. Marquinhos responde: “Linda de morrer”. Três meses antes, outro traficante diz a um interlocutor que comprou uma pedra de 2,3 quilates “da balsa do Marquinhos” - ele não informa o valor do negócio.

O empresário de Frutal também negociou pedras com o belga George Sztajnfeld. No escritório dele, em Uberlândia, a PF apreendeu notas fiscais da Coopergrande, que Marquinhos presidia. Em março, outra ligação tratando de um diamante de Marquinhos, que seria comercializado em Paris, é interceptada pela PF.

“Inquestionável era sua ciência quanto à irregularidade do comércio empreendido, uma vez que é pessoa renitente na prática de lavra e extração mineral ilícita, conhecendo bem o funcionamento da mercância de pedras preciosas”, escreve a procuradora do MPF na denúncia à Justiça.

Fazendas

Marquinhos plantava abacaxis em Frutal quando, nos anos 90, descobriu o garimpo. Comprou uma área no meio do rio Grande e montou balsas para a extração de diamantes do leito do rio. Logo atraiu garimpeiros de todo o Brasil, que trabalhavam na área em troca de um percentual sobre cada diamante encontrado. Hoje, é dono de duas fazendas em Frutal, onde cria gado leiteiro.

No fim de 2007, chegou a fazer lobby em Brasília pela legalização do garimpo. Não conseguiu. Mesmo após sucessivas blitze do Ibama e da Polícia Ambiental no garimpo em Guaraci, ainda mantém cinco balsas em Paulo de Faria. Marquinhos e João de Deus foram denunciados pelo MPF por formação de quadrilha e receptação qualificada.
Guilherme Baffi/Colaboração/Samir Alouan
Policiais fazem blitz em garimpo; no detalhe, o empresário Marquinhos
Receita cobra R$ 10 milhões de empresários

A Receita Federal cobra dos empresários Antônio Marques da Silva, o Marquinhos, e João de Deus Braga, donos de área no garimpo do rio Grande, o total de R$ 10 milhões em impostos não declarados, segundo o advogado de ambos, Augusto Lopes. Isso porque, ainda conforme o advogado, no início da década os dois teriam movimentado R$ 80 mil por semana, em média, em uma conta bancária conjunta, valor que não teria sido inteiramente declarado ao Fisco. O advogado não soube informar o percentual desse dinheiro que se refere ao comércio de diamantes.

Contra João de Deus pesa um processo por crime contra a ordem tributária, que tramita na Justiça Federal de Uberaba. No caso de Marquinhos, a cobrança ainda ocorre na esfera administrativa da Receita. Por incentivarem a extração de diamantes no rio Grande, com balsas próprias ou de outros garimpeiros, João de Deus e Marquinhos colecionam 36 processos na Justiça Federal de Rio Preto e Ribeirão Preto por crime ambiental. Em um deles, ambos foram condenados a pagar dez salários mínimos em agosto deste ano por usurpação de bens da União, crime previsto na lei 8.176, de 1991.

Dano ambiental

Há ainda o estrago ambiental. Sob a presidência de Marquinhos, a Coopergrande, cooperativa dos garimpeiros do rio Grande, foi multada em mais de R$ 9 milhões pelo Ibama. As dragas utilizadas para extrair o cascalho do fundo do rio danificam o chamado ambiente bentônico, a flora e a fauna do fundo do Grande.

De acordo com o relato de pescadores locais, a extração acaba com as locas - cavidades no fundo do rio que servem de abrigo e de esconderijo para espécies de peixes como o jaú. Outro dano ambiental ocorre quando o cascalho que é “lavado” pelos garimpeiros na balsa em busca do diamante é jogado de volta ao rio. Como as balsas ficam ancoradas em um ponto só do rio, acompanhando o nível da água, o cascalho é jogado em apenas um ponto do Grande, chegando a formar ilhas visíveis nas estiagens, quando o nível do rio abaixa.

O dano ao meio ambiente se repetiu em terra firme. Por um mês em 2008, Vicente Paulo do Couto retirou cerca de 100 toneladas de terra todos os dias de uma área de quatro hectares (equivalente a cinco campos de futebol) em busca de diamantes no garimpo do Bandeira, à beira de um córrego, em Frutal. Tudo sem autorização legal. O empreendimento foi lacrado pelo Ibama após reportagem do Diário.

‘Eles serão inocentados’

O advogado Augusto Lopes, que defende Antônio Marques dos Santos, o Marquinhos, e Vicente Paulo do Couto no processo judicial decorrente da Operação Quilate, negou o envolvimento de ambos no esquema de tráfico internacional de diamantes. “Em todas as ligações telefônicas captadas pela PF não há uma em que a venda (de diamantes) tenha sido comprovada. O que há são ofertas de compra e venda, apenas isso”, diz. Para ele, esse foi o motivo pelo qual a PF não solicitou à Justiça a prisão preventiva de Marquinhos e João de Deus.

Lopes confirma que a dupla tem uma área no rio Grande e que negocia diamantes, mas garante que é em pouca quantidade. “Os caras (atravessadores) pedem diamante de 200 mil (reais), e eles nunca têm mais de 20 mil (reais) em pedras”, afirma. “Tenho certeza absoluta de que serão inocentados.” O advogado disse desconhecer o documento apreendido na casa de João de Deus em que um atravessador de Goiânia oferece a ele um diamante de US$ 4 milhões. “Essa informação eu não vi nos autos.”

Sobre os processos por crime ambiental e usurpação de bens da União, Lopes disse que ambos foram inocentados em todos - na sexta-feira, o Diário constatou que a maioria deles ainda tramita nas respectivas varas judiciais, sem julgamento. Na versão do advogado, durante as blitze da Polícia Ambiental os garimpeiros “corriam” com as balsas para a área de Marquinhos, que, segundo Lopes, tinha alvará de pesquisa para extrair uma pequena quantidade de diamantes - informação desmentida pelo Ministério Público Federal. “Por isso ele tem tanta ação na Justiça”, explica o advogado.

A respeito das irregularidades na declaração tributária da dupla, Lopes criticou o valor cobrado e rebateu as argumentações da Receita. “Movimentação financeira não é renda. Vem e vai na conta”, argumenta. João de Deus não quis falar com a reportagem sobre as acusações da PF e do MPF. Já Marquinhos estava viajando na última semana, e não foi localizado até a noite de sexta-feira. A advogada de Vicente Paulo do Couto, Íris da Mata, rebate as acusações de crime ambiental. “O distrito do Bandeira depende do garimpo. Depois que fecharam tudo, as pessoas estão passando fome lá.”

Rio-pretense ofereceu pedra por R$ 200 mil

Os grampos da Polícia Federal captados com autorização judicial na Operação Quilate revelam a movimentação intensa do comerciante de joias em Rio Preto Fauzi Ahmad Farhat, 45 anos, no comércio ilícito de diamantes. Ele oferece diamante por R$ 200 mil e recebe a proposta de compra de outra pedra por US$ 700 mil. Conforme as escutas da PF, Fauzi mantinha contato estreito com Jorge Khabbaz, líder do esquema. Segundo o relatório do delegado Felipe Eduardo Hideo Hayashi, que chefiou a operação, há indícios de que Fauzi também atue como doleiro.

Nascido no Líbano, Fauzi mudou-se para Rio Preto há 20 anos. Aqui casou-se e teve três filhos - mora no Parque Celeste, zona sul da cidade. Muçulmano, tem um irmão na Bélgica e outro no Líbano. Especializou-se no comércio de joias e, até agosto, quando foi deflagrada a operação, mantinha um escritório na Galeria Bassitt, Centro, onde comprava e vendia ouro e pedras preciosas - tinha fama de vender joia barata.

A maioria das conversas de Fauzi captadas é de março deste ano. Em uma delas, Fauzi oferece a Khabbaz um diamante por R$ 200 mil. Jorge se propõe a levar a pedra até a Itália, onde seria vendida pelo dobro do valor - Fauzi ficaria com R$ 300 mil, e Khabbaz com o restante. Mas, até agosto, quando a operação da PF foi deflagrada, o comprador não havia pago a pedra, e Khabbaz fica em dívida com Fauzi.

Em outra ligação, dia 21 de março, Khabbaz se mostra entusiasmado com um diamante de dez quilates oferecido a ele por um atravessador de São Paulo. “Vale setecentos, oitocentos mil dólares”, diz Khabbaz, que convida Fauzi para ir à Capital ver o diamante. “Você tem que vir pra São Paulo, porque nós temos que dar um jeito de comprar essa pedra”, diz Khabbaz. O relatório do delegado não informa se o negócio foi concretizado.

No mesmo dia, telefona novamente para Falzi e trata de novo negócio. Ele diz que está “lutando para que cada um ganhe trinta (mil) livre de custos”. O comerciante diz que precisa do dinheiro dos “fornecedores” - tem de dar 16 mil dólares na segunda em Rio Preto e o resto até o fim do mês, dando a entender que há mais atravessadores de diamantes na cidade.

Fauzi afirma ter negócios com pedras preciosas também no Exterior. Em junho deste ano, um homem identificado como César pergunta se Fauzi tem pedra de dois quilates com certificado para vender. Ele diz que sim, mas estão no Exterior e que se ele não vender lá fora vai oferecê-las no Brasil. Em outra ocasião, diz ao interlocutor que sua “mercadoria” está “tudo lá fora”.

Na Operação Quilate, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão na casa e no escritório de Fauzi, mas nada foi apreendido. Em setembro, ele foi denunciado por receptação qualificada e descaminho. “Fauzi contatava e era procurado por pessoas para a compra e venda de diamantes obtidos por meio criminoso, isto é, mediante a execução de lavra e extração não autorizadas”, escreve a procuradora do MPF Daniela Pereira Batista Poppi na denúncia.

Brilhante na cueca

Não foi a primeira vez que Fauzi teve problemas com a polícia. Em fevereiro de 2008, ele foi preso em flagrante por crime contra a ordem tributária próximo à praça da Sé, no Centro de São Paulo. Segundo o delegado Edison Santi, que na época chefiava a Delegacia de Repressão a Roubo de Joias do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), Fauzi foi flagrado com um anel escondido na cueca e um solitário. Como não provou a origem das joias, foi preso. “Ele disse em depoimento que trabalhava no ramo da alimentação em Rio Preto, e que vendia joias eventualmente”, disse o delegado. No dia seguinte, porém, o flagrante foi relaxado, e o libanês foi solto.

Advogada nega participação de Fauzi

Edneia Maria Gonçalves, advogada de Fauzi Ahmad Farhat, negou envolvimento do comerciante com o tráfico de diamantes. “Ele está estabelecido há muitos anos em Rio Preto, e nunca mexeu com joias de origem ilícita”, disse. Segundo ela, todas as pedras provinham de outros comerciantes rio-pretenses, e eram legalizados, com certificado de origem.

Sobre o diamante de R$ 200 mil oferecido por Fauzi a Jorge Khabbaz, Edneia afirmou que o comerciante sempre trabalhou com pedras pequenas. “Ele nunca negociou diamante acima de dois ou três quilates”, disse. Segundo a advogada, Fauzi ficou muito abalado após a operação. “Acabaram com a vida dele.” Edneia disse não saber do diálogo em que o comerciante diz ter pedras no Exterior. “Ainda não tive acesso aos autos. Vou a São Paulo na segunda-feira (amanhã) para tirar cópias do processo”, justificou.

A advogada negou que o rio-pretense estivesse com joias escondidas na cueca quando foi preso em São Paulo, no ano passado. “Esse era o João”, disse, em referência a João Carlos Teixeira, dono do escritório na Sé. Segundo ela, o inquérito ainda não foi concluído. Procurado por telefone na quinta-feira, Fauzi não quis se pronunciar. O advogado de Jorge Khabbaz não foi localizado na última semana pelo Diário.

Um comentário:

  1. Os garimpos nestas áreas existem há mais de 50 anos. A policia sabia, os orgãos governamentais sabiam, a população sabia, o diario da região sabia, e somente agora foram tomar "providência"? É muita palhaçada prá pouco circo? não acham?

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