quarta-feira, 31 de julho de 2013

Rutilo, o minério da moda

Rutilo, o minério da moda



Barracos de plástico, de papelão. No meio do nada, pequenos abrigos acolhem famílias inteiras. A vontade de ficar rico da noite para o dia impõe sacrifícios, improviso. A Vila da Esperança, construída por exploradores de um minério pouco conhecido, deve ser a mais nova vila de garimpeiros do Brasil.  
Quem já ouviu falar em rutilo ou quartzo rutilado? Segundo os geólogos, é o minério da moda no mundo das pedras preciosas. Um cristal amarelado com fios dourados dentro. As minas foram descobertas há pouco tempo, em Novo Horizonte, sudoeste baiano. São as únicas no Brasil.
A maneira de extrair é o que há mais precário em mineração. Os aventureiros entram e saem de buracos sem nenhuma segurança, como se fossem exímios equilibristas. Os menos corajosos dependem de quem controla o carretel, uma espécie de elevador manual.
Os buracos mais rasos têm 15 metros de profundidade. Embaixo do chão, o trabalho, além de pesado, é extremamente perigoso. É preciso muita sorte, não só para encontrar o rutilo, mas para não morrer também, porque não há nada que sustente o teto. O otimismo e o sonho de ganhar muito dinheiro fazem com que eles esqueçam o medo.
Os garimpeiros Gilson e Giorlando Moraes começaram a abrir a galeria, e as pedras foram aparecendo. "A parte mais escura é o rutilo. Talvez tenha toneladas", comenta Gilson.
Um comprador pagou R$ 70 por 70 quilos de pedra – R$ 1 por quilo. Os preços do rutilo variam de acordo com a qualidade das pedras. Em três lotes selecionados, considerados bons, um vale R$ 100 reais o quilo, outro vale R$ 150 e o outro, R$ 300. O garimpeiro que encontrar uma peça especial ganha muito mais dinheiro. Os exportadores chegam a pagar até R$ 2 mil por quilo.
Antes de seguir para o exterior, o minério passa por uma limpeza. Os chineses compram tudo o que os garimpeiros produzem. Todo mês, a região exporta cerca de 60 toneladas. Só uma empresa vende quase mil tonéis de rutilo por ano para indústrias de Hong-Kong.
"O quilo de uma pedra especial custa de US$ 90 a US$ 150, mais de R$ 400", conta a gerente Leila Catarine Fernandes.
Enormes, bonitas e caras. As pedras que saíram do garimpo de Luiz Antônio dos Santos, só colecionadores ricos conseguem comprar. Chegam a custar R$ 70 mil.
"As pessoas compram para fazer bolas de pedras", diz o garimpeiro.
Molhado e no reflexo da luz do sol, dá para ver melhor a beleza do rutilo.
"Cinqüenta quilos custam cerca de R$ 30 mil. É fácil achar comprador", afirma Luiz Antônio.

Tesouro tipo exportação

Tesouro tipo exportação


De pedrinha em pedrinha, os lotes vão se formando. Comprador nunca falta em Campo Formoso, na Chapada Diamantina, Bahia. Os garimpeiros dão preferência aos estrangeiros. Os indianos são os maiores compradores de pedras preciosas da região. "Todas essas pedras vão ser vendidas para os indianos. Eles compram tudo”, conta o garimpeiro Joelmo Cardoso. “Em um lote desse, qualquer um deles dá R$ 700. Mas, se não vier indiano, eles só valem R$ 200, R$ 300”, diz o garimpeiro Joezir Lopes da Silva.
Pelo menos uma vez por mês os indianos visitam Campo Formoso. É difícil vê-los nas ruas, vivem fugindo de jornalistas.
Para comprar a maior parte da produção dos garimpeiros, os indianos montaram até escritórios na cidade. Só em uma rua funcionam quatro escritórios. O volume de dinheiro que esse mercado movimenta, isso ninguém sabe, porque quase todos os negócios são fechados longe dos olhos da fiscalização. É tudo escondido, para não pagar impostos.
A equipe do Globo Repórter tentou conversar com os indianos, conhecer os escritórios. No primeiro, nossos repórteres foram barrados logo na entrada. Em outro escritório eles encontraram alguns garimpeiros. A sala dos negócios fica no primeiro andar, protegida por uma grade de ferro. Mais uma vez, nossa equipe não foi recebida, nem pelo interprete do indiano.
Para o geólogo Rafael de Andrade, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), os indianos costumam sonegar um imposto simbólico cobrado pelo governo federal: apenas 0,2% sobre o valor das pedras.
"A pedra pode valer R$ 1 mil. Se o comprador declara que vale só R$ 100, paga o imposto sobre esse valor. Mas é difícil avaliar e normalmente o valor real não é declarado”, diz o geólogo.
É na base da clandestinidade que 80% da produção brasileira de esmeralda chegam ao exterior, de acordo com os cálculos dos geólogos. Pedras de boa qualidade, como as que estão saindo do garimpo dos irmãos Claiton e Claudio Barbosa, raramente deixam no Brasil o imposto correspondente ao valor de venda.
“Essa mercadoria foi avaliada em R$ 10 mil, mas estou vendendo na faixa de R$ 12 mil. Uma pedra pode chegar a US$ 200 mil Claiton se melhorar a cor, cristalizar”, diz Clainton.
Claiton e Claudio, que eram agricultores na região da seca, estão eufóricos. A produção do garimpo deles está apenas no começo.
"Quando vocês voltarem, nós vamos estar morando em uma mansão, com carro novo na porta", garante Claiton.
Toda a família dos jovens garimpeiros mora em uma casa humilde, mas já está sonhando com o futuro.
"Eu quero ficar mais bonita, comprar roupa, andar mais moderna, ficar mais elegante. É assim que eu vou gastar o dinheiro da esmeralda", diz a mãe deles, Catarina de Jesus.

Força feminina no garimpo


Força feminina no garimpo


Disposição que muitos homens não têm. Coragem para subir e descer o buraco com o apoio apenas de uma corda. A garimpeira Fabriciana Maria de Jesus é a única da área. "Não tenho medo descer. Se eu cair, a cova já está pronta, é só jogar terra. Ainda não encontrei uma pedra boa", conta ela.
O marido dela, Djalma Ferreira Viana, fica na sombra, acompanhando o trabalho. Diz que não pode ajudar porque sofreu um infarto. "Subir e descer não é comigo. Fico só olhando", diz ele.
E Fabriciana joga duro. É o dia inteiro batendo marreta no fundo do buraco. "É uma batalha. A pessoa entra de manhã, sai ao meio-dia, volta às 13h e sai à tardinha", relata a garimpeira.
Não há cansaço nem calor que façam Fabriciana desistir de sonhar.
"Se Deus me ajudar, eu vou sair malada, quer dizer, com uma mala de dólar. Só não quero que a mala abra no caminho. Porque aí eu vou perder o dólar para outros acharem. Vai ser trabalho jogador fora", diverte-se a garimpeira.

A corrida do ouro

A corrida do ouro



Antigamente, o ouro servia apenas de adorno, decoração. Depois, virou o metal mais valorizado do planeta. É uma das nossas grandes riquezas, mas, em muitos garimpos, o homem ainda trabalha como se estivesse na Idade da Pedra: sem pesquisa, sem equipamento adequado, sem proteção. Em muitas regiões, a busca pelo ouro significa risco, trabalho perigoso. Garimpeiros que já desmontaram toda parte da frente de uma rocha agora avançam para baixo. É preciso descer em uma corda. Para escorregar, basta um pequeno vacilo. Incrível é ver que todo o buraco foi aberto só com a força das mãos.
“Estamos mais de dez metros de profundidade. E tudo é na mão. O ouro é fraco. Tiro o suficiente para a feira, menos de R$ 200 por semana. Às vezes, nem isso", conta o garimpeiro Natalício da Silva.
Embaixo do chão, a luta para sustentar a família é um labirinto de incertezas. É difícil até enxergar o ouro. Sem a luz do sol, a vela substitui a eletricidade.
"O ouro é visto nas fendas", diz Natalício.
O cascalho que sai dos buracos vai para um triturador. A engenhoca primitiva é a máquina mais sofisticada dos garimpeiros. O que é barro escorre com a água, e o que é metal fica em uma chapa de cobre. Alheios ao perigo, eles usam mercúrio para capturar o ouro. Ouro em pó, recolhido com uma lâmina de barbear. Em cada meia tonelada de cascalho triturado, uma pequena parte, quase invisível, é aproveitada.
"Por dia, fazemos de cinco a seis gramas", conta o garimpeiro Jorge Pinheiro.
Todo o metal recolhido durante um dia inteiro de trabalho cabe em uma colher. Em um fogão à lenha, o pó é aquecido para endurecer. Depois, só falta vender.
"Vendemos fácil. O grama custa R$ 30", revela Jorge.
No sertão da Bahia, sobreviver nessa aventura é resistir ao calor e acreditar na sorte. André Suzart e Margarida trocaram a roça pelo garimpo. Há três anos, quando trabalhavam na enxada, ganhavam R$ 40 por semana. Hoje, o que tiram da terra cabe na palma da mão, mas dá para encher o bolso e a barriga.
"Dependendo da sorte, faço 100, 200, 300, 400 pepitas. É melhor aqui”, afirma o garimpeiro.
Em vez de improviso, técnica A maior reserva de ouro da América do Sul fica na região de Jacobina, norte da Bahia. O metal mais cobiçado do mundo se espalha por uma cadeia de montanhas que tem 150 quilômetros de extensão.
Galerias imensas, largas, por onde circulam carros, tratores, caminhões gigantes. Um túnel de 30 quilômetros sai rasgando a serra por baixo. Quanto mais se avança pelas paredes molhadas mais escuro vai ficando o ambiente. Depois de duas horas rodando dentro do local, chega-se a uma das frentes de trabalho.
No local, é possível enxergar direito o alvo principal de uma extração industrial de ouro. Fica em uma faixa mais clara de pedras demarcada pelos geólogos. É o que se pode chamar de veio de ouro.
“Exatamente. Este é o alvo da operação", confirma o engenheiro de minas Kurt Menchen.
O que mais impressiona é o volume de pedras que sai das galerias: 120 mil toneladas por mês.
"No caso dessa mina, são dois gramas por tonelada de rocha. Isso significa, por exemplo, que em 1 milhão de grãos de arroz, dois representam o metal contido. O objeto da nossa extração são dois grãozinhos no conjunto de 1 milhão", comenta o engenheiro.
Tanto investimento, hoje, compensa. O ouro está em alta. Mas, em 1998, o preço despencou no mercado internacional, e a mina fechou. Há três meses voltou a produzir.

Subterrâneos do cobre


Subterrâneos do cobre



Uma vila com cara de cidade, construída há 35 anos só para os empregados de uma mineração. Pilar, norte da Bahia, abriga quase 8 mil pessoas. Lugar bucólico, sossegado. Mas embaixo das ruas, a vida é agitada. Trânsito intenso e pesado. Caminhões, ônibus, tratores e máquinas enormes circulam em 70 quilômetros de túnel. Transportam gente e muita pedra. É minério de cobre. A frente de trabalho menos profunda está a 600 metros da superfície. O último trecho do túnel fica a 800 metros de profundidade. É uma área tão quente que ficou conhecida como inferno. Nem o diabo gosta, dizem os mineiros. Quem trabalha nas áreas onde as rochas são desmontadas sofre um pouco, porque a temperatura passa dos 40 graus. É um calor quase insuportável.
Raimundo Rodrigues Neto é um dos responsáveis pelo recolhimento do minério. Nas galerias de extração, sempre há o risco de desmoronamento. Por isso, o caminhão é operado por controle remoto.
"Somos obrigados a suportar porque dependemos do trabalho para viver", conforma-se o operador de máquinas.
Raimundo procura ser rápido. Em três minutos, consegue carregar a caçamba. Ele só se livra do calor quando entra na boléia com ar refrigerado. Quem trabalha nessa função passa até sete horas lá dentro.
Esta é a mais antiga mina de cobre do Brasil. Produz 25 mil toneladas por ano. Mas, para chegar a esse volume, as máquinas trabalham dia e noite, sem parar.
"A média em nossa mina é de 1%: em 100 toneladas, uma tonelada é de cobre", revela o geólogo Rodrigo Arquimedes Farias.
Nos paredões úmidos da rocha, dá para se ver o minério. A parte amarela, parecendo ouro, é cobre. O futuro da mina é incerto. Os campos conhecidos do minério serão esgotados em 2008. Todos os dias, no fim do expediente, uma procissão silenciosa nas galerias torce para que as pesquisas encontrem novas jazidas.
Cobre, ouro, rutilo, ametista, esmeralda. Jóias que encantam, embelezam. O chão brasileiro é um grande depósito de preciosidades. Mas, nesse mundo de aventuras, a maior riqueza está nas mãos, na coragem do homem que busca o pão embaixo da terra.