sábado, 6 de fevereiro de 2016

Santarém e a soja.

Santarém e a soja.


Santarém é uma cidade bem localizada. Está na margem direita do rio Tapajós, estrategicamente em sua confluência com o rio Amazonas. É um ponto eqüidistante entre Manaus e Belém. Está relativamente próxima à foz do rio Madeira, o que permite uma boa integração com outros estados amazônicos como Rondônia e Amazonas. Qualquer navio de carga ou de turismo independente de seu calado pode chegar até Santarém. A cidade tem aproximadamente 370 mil habitantes.

É essa localização estratégica que vem atraindo investimentos privados como a construção de um terminal fluvial (porto) pela Cargill, empresa americana que compra, estoca, processa, transporta e exporta grande parte da soja brasileira produzida no Centro-Oeste.

Falar em soja no Brasil é uma faca de dois gumes. De um lado um importante produto das exportações brasileiras, de outro, um setor que vem sendo associado ao desmatamento na Amazônia.

Santarém se encontra no meio disso tudo. Recentemente, a cidade teve bastante exposição na mídia brasileira e internacional graças à publicação, depois seguida de atos públicos, de um relatório-denúncia feito pelo Greenpeace. Intitulado: “Eating-up the Amazon”, literalmente traduzindo para “comendo a Amazônia”, nesse relatório como em um filme policial lê-se:

O cenário: A floresta Amazônica
O crime: A destruição da floresta
Os criminosos: Archer Daniels Midland (ADM), Bunge e Cargill
Os parceiros: Os consumidores europeus

Estive em Santarém cinco vezes nesses últimos tempos, mas em nenhuma delas passei mais de três dias. Escrever sob um tema delicado como esse talvez exigisse mais tempo. Principalmente quando não há intenção de levantar bandeiras.

Quando a soberania da Amazônia estiver de fato ameaçada, Santarém será o foco da resistência brasileira. Devaneios a parte, é esse o clima da cidade que presenciei por duas vezes. Na segunda delas, o porto da Cargill se encontrava proibido de operar pelo Ministério Público.

É claro que os sojicultores são os mais indignados, mas esse sentimento também é presente entre comerciantes, lojistas e empresários. Em Santarém muitos carros exibem um grande adesivo dizendo “Fora Greenpeace. A Amazônia é dos brasileiros”.

Em visita a Coperamazon (uma cooperativa de produtores rurais), recebi um boletim informativo chamado de “Amazônia é dos brasileiros”, lê-se:

"A invasão estrangeira capitaneada pelos mecanismos internacionais, criaram “mercenárias ONGs” como a WWF e o Greenpeace, para atuarem como seus guerrilheiros ideológicos, desejam nos impor um modelo econômico que não foram capazes de defender em seus países. A verdadeira pretensão dos paises ricos é transformar a Amazônia em suas reservas particulares. Não vamos permitir a colonização ideológica e econômica por grupos, que em suas nações, não passam de anarquistas, sendo incapazes de convencer norte-americanos e europeus dessa consciência ecológica que defendem. Nós não vamos e nem queremos destruir a Amazônia, nossa consciência ecológica nasce do respeito que temos em desenvolvê-la economicamente e mante-la como um patrimônio soberano dos brasileiros (soberania nacional). Brasileiros engajados ao Greenpeace ou são ingênuos mal informados ou mercenários antipatriotas bem pagos. Vamos defender pelo o que é nosso."

O porto da Cargill custou, segundo a empresa, 20 milhões de dólares. Foi construído há apenas três anos. É sem dúvida uma boa estratégia da empresa norte-americana, pois graças ao aumento do consumo dessa commoditie no mundo mais soja será produzida e exportada pelo Brasil. Estar em Santarém significa uma boa economia de transporte para chegar a Europa ou China que são os dois maiores compradores.

Logisticamente funciona assim: A soja é plantada no Centro-Oeste, principalmente no estado do Mato Grosso, mas não necessariamente no bioma amazônico como adoram afirmar os mais radicais. Depois de colhida ela é transportada de caminhão até Porto Velho, capital da Rondônia. A principal rota é a BR-364. Em grandes barcaças puxadas por balsas os grãos descem o rio Madeira, sentido rio Amazonas. Daí há uma bifurcação: uma parte vai para o porto de Itacoatira, no estado do Amazonas, onde é transferida para os cargueiros transoceânicos que a leva para o exterior. A outra parte entra no rio Amazonas até chegar a Santarém, onde também é transferida para os cargueiros.

O porto de Itacoatira pertence ao grupo Maggi, do governador mato-grossense, e o de Santarém à Cargill.

Para entender um pouco o lado político da questão, consegui agendar uma entrevista com a atual prefeita de Santarém, Maria do Carmo. Ela nos recebeu em seu apartamento, pois não podia ir à prefeitura por causa de um protesto de moto-taxistas indignados com alguma lei que proibia sua atividade.

Simpática e bem-falante ela nos contou a história de Santarém, desde o tempo dos portugueses, e delongou-se bastante sobre as potencialidades do município. Como boa política quase não falou sobre soja. Culpou o governo militar pelos projetos de integração nacional, mas defendeu a pavimentação da BR-163:

-Desde que haja um plano integrado para que Santarém possa acolher o desenvolvimento e aumento populacional esperado.

Confesso que já estava um pouco cansado da entrevista da prefeita quando ela mencionou que seu grande sonho para os próximos 25 anos é a criação do estado Tapajós. Para mim uma grande novidade, mas aparentemente a idéia existe desde 1876 quando se propôs a criação da Província do Tapajós no Oeste do Pará. Esse novo estado seria a fatia da esquerda se dividir o estado do Pará ao meio, como pretendem seus defensores. Das montanhas do Tumucumaque até a Serra do Cachimbo. Santarém é claro seria a capital.

Se o novo estado vai ou não vai sair do papel fica para outro momento. Voltemos à soja.

A grande briga do Greenpeace é evitar que florestas sejam derrubadas para o plantio de soja. Como é muito difícil brecar a produção em lugares já consolidados, como no norte do Mato Grosso, esses ativistas elegeram os pequenos produtores de Santarém como alvo.

A causa é legítima “evitar mais desmatamento”, mas a briga é injusta. Nos arredores de Santarém não há sequer uma fazenda com mais de mil hectares plantados de soja. Só como comparação no norte de Mato Grosso há inúmeras com mais de 30 mil hectares. Talvez não haja mais de cinco produtores com mais de 500 hectares de terra. A maioria é pequena ou média propriedade.

De todo volume de grãos já exportados pela Cargill via o porto de Santarém desde o início de suas atividades menos de 3% foi produzido na região.

Em nossa última visita a futura capital do estado do Tapajós, quando filmávamos uma plantação de soja que estava a um mês do plantio, fomos abordados por dois produtores que pararam suas caminhonetes próximos de onde estávamos. A primeira frase que ouvi de um deles, um típico polaco imigrante do Paraná ou Rio Grande do Sul foi:

- Se fosse a minha propriedade vocês já tinham levado chumbo!

Esse é o clima em Santarém. Um local onde a produtividade é muito maior, a mão de obra é barata, sol e chuva o ano todo o que pode possibilitar até duas colheitas por ano e bem perto do mercado consumidor. Como já escreveu os cientistas do INPA, Clement e Val: “é um sucesso sob todas as óticas, menos uma: a taxa e a quantia absoluta de desmatamento”. Corresse o risco de retirar toda a área florestal com essa franca expansão da fronteira agrícola.

É um típico caso de mercado versus meio ambiente que persiste e persistirá na Amazônia ainda por muitas décadas. Conciliar, nesse caso, não é fácil, mas é possível. Santarém ainda vai dar muito que falar.

Atlantic – Pacific Highway.

Atlantic – Pacific Highway.


É da pequena vila de Nanpari até a cidade de Urcos, ambas no Peru, que está sendo asfaltado o último trecho de estrada que liga o litoral do Atlântico ao do Pacífico. É um trecho de 710 km.

Não se trata de uma única rodovia como alguns chamam de inter-oceânica ou Rodovia do Pacífico, mas um conjunto de rodovias que se conectam e assim conectam os dois oceanos pela parte mais larga da América do Sul, sendo grande parte dentro do ecossistema amazônico. No Brasil estamos falando principalmente da BR-364.

Dividi um táxi pelos primeiros 70 Km com um engenheiro peruano chamado Paolo Herrera de 26 anos. Saímos de Nanpari e fomos até o seu acampamento em Ibéria. O acampamento pertence ao Consórcio Conirsa, responsável pela construção e asfaltamento da estrada. O consórcio é formado por três empresas peruanas mais a brasileira Odderbrecht. A previsão é que as obras estejam prontas até o fim de 2008.

Ao final de 4 horas percorri os 242 km até a cidade de Puerto Maldonado e no caminho paramos várias vezes para esperar as pesadas máquinas trabalhar na remoção e transporte de areia e todos os outros produtos químicos necessários na construção.

Segundo meu companheiro de viagem Paolo, mais de 400 homens trabalham diretamente na construção 24 horas por dia. Muitas mulheres foram contratadas para a obra, em geral elas passam o dia segurando placas de “PARA” ou “PROSSIGA” para alertar os motoristas. Usam pesados óculos escuros, chapéu, mas sempre sorriem quando os carros passam. É muito incomum ver mulheres formalmente trabalhando nessa região. Foi preciso contratá-las pois a demanda por mão de obra durante o asfaltamento da estrada é enorme para uma região tão despovoada.

O interessante de presenciar o asfaltamento de uma estrada na Amazônia de outro país é que os sentidos se alteram. Há menos paixão e que sabe um pouco mais de racionalidade. É também mais fácil julgar o quintal do vizinho, apesar que experiências devem ser compartilhadas. Afinal estamos falando do mesmo ecossistema.

Era domingo, e ver todas aquelas máquinas e homens trabalhando num dia escaldante, com a floresta na paisagem foi uma experiência magnífica e ao mesmo tempo terrível.

Por um lado, a possibilidade de atravessar a América do Sul em sua parte mais larga e selvagem, diminuindo custos de transporte, abrindo novas rotas de comércio e aumentando a integração entre o Brasil e alguns de seus vizinhos. Por outro, uma grande quantidade de floresta desmatada, e com a finalização da estrada a destruição aumentará de forma exponencial, contribuindo para a perda total da Floresta Amazônica.

O Novo Jari.

O Novo Jari.



A história dos grandes empreendimentos internacionais privados na Amazônia está recheada de grandes fracassos e alguns sucessos. Entre os fracassados temos a ferrovia Madeira-Mamoré, que se eternizou não por sua função de transporte de mercadorias e saída para os produtos da região, mas pela quantidade de mortos durante sua construção e total não aproveitamento de sua capacidade instalada. Ao fim da construção era praticamente nada. Um “trem fantasma”.

Tem também o caso de Henry Ford, que decidiu implementar um cultivo racional de seringueiras na região do rio Tapajós, próximo a Santarém. Ele não queria durante a II Guerra depender da Malásia como unico país fornecedor.

A falência do empreendimento que se iniciou em "Fodlândia" e depois mudou para Belterra, foi o advento dos materiais sintéticos.

O Projeto Jari, que foi idealizado no final da década de 60 por um dos homens mais ricos do mundo da época, o empresário norte americano Daniel Ludwig, já foi também citado como um grande fracasso. Uma “aposta bilionária” que esse visionário perdeu. Ludwig amargou enormes prejuízos financeiros e teve que vender seu “sonho” quinze anos depois. É também verdade que Ludwig tinha quase 80 anos quando iniciou o Jari. Seus “sonhos” estavam presentes em todos os continentes do Globo. Hotelaria, navegação, construção, agricultura faziam parte de seus incontáveis negócios.

Ludwig esperava suprir parte da demanda internacional de celulose para fabricação de variados tipos de papéis, exatamente como acontece nos dias de hoje.

Atualmente o Jari é controlado pelo grupo Orsa, que por sua vez é comandado pelo empresário brasileiro Sérgio Amoroso, que é da cidade de Birigui, interior paulista.

A área que pertence ao grupo é de 1,7 milhões de hectares, sendo que 7% são usados para o plantio de eucaliptos e aproximadamente 500 mil hectares têm o manejo sustentável de madeira nativa (a segunda maior área do mundo nesse quesito). Para que tenha noção do que significa uma área de 1,7 milhões de hectares, faça uma comparação com o Parque Nacional do Jaú. Ele é o segundo maior Parque Nacional do Brasil e tem 2.2 milhões de hectares.

Na primeira vez que estivemos no Jari, aterrizamos no pequeno aeroporto de Monte Dourado. Era de noite e usamos um vôo da Puma Linhas Aéreas que partiu de Santarém. Durante o trajeto aeroporto-centro, o que se via era estranho. Ao invés da forma desconfigurada e surpreendente de uma floresta nativa, a claridade dos faróis nos mostrava uma unidade quase perfeita de árvores finas, dispostas em fileiras intermináveis. Uma floresta nova, uniforme e sem cheiro. Fica nítido que tudo ali foi plantado.

De dia, porém, e de algum lugar mais alto e com vista panorâmica, talvez olhando do Amapá para o Pará, é possível avistar a incrível proporção entre o plantio de eucaliptos, a floresta nativa e a vegetação baixa de beira de rio em volta do rio Jarí. É esse rio que dá nome ao empreendimento. Ele nasce nas montanhas do Tumucumaque, divisa com a Guiana Francesa e Suriname. Sua foz é no rio Amazonas. Ao longo de todo o seu percurso divide os estados do Pará e Amapá.

Visitamos todo o processo produtivo. Do viveiro de mudas até a celulose embalada em unidades de 2 toneladas prontas para embarcar. De toda a produção, 80% é exportada para a Europa e outros 20% divididos entre os mercados brasileiro e norte americano. No ano de 2005, a produção atingiu seu recorde atingindo 364 mil toneladas de celulose branqueada.

A fábrica que transforma a madeira em celulose está sobre duas enormes plataformas e foram construídas no Japão. Foram trazidas para cá via navegação, percorrendo 28.706 km. Segundo Cristóvão Lins, que escreveu um livro muito interessante (Jari, 70 anos de história), esse episódio não teve similaridade na história da marinha mercante mundial e somente uma empresa aceitou o desafio de fazer esse transporte. As plataformas foram e até hoje se encontram assentadas sobre 3700 toras de maçaranduba, uma espécie de árvore abundante na região.

Dos 56 mil hectares plantados de eucalipto, 12 mil hectares estão no estado do Amapá, do outro lado do rio Jari. Foi nessa plantação que nos levaram para acompanhar a colheita das árvores. Para se chegar lá partindo de Monte Dourado tem-se que viajar por inúmeras estradas abertas pelo projeto. Essas estradas cortam a nova floresta uniforme em todos os sentidos. Em alguns momentos é possível avistar plantações que se perdem de vista.

O serviço da colheita é totalmente terceirizado e as máquinas chegam a cortar e depois picar, em 5 ou 6 pedaços, 2 árvores por minuto. É impressionante.

Do viveiro das mudas até o corte da árvore adulta são aproximadamente 6 anos, e as árvores de eucalipto chegam a 30 metros de altura. Tempo mais de duas vezes menor que em países concorrentes.

A maioria dos funcionários que trabalham na produção de celulose veio outros estados do Brasil, em geral, em busca de melhores oportunidades de trabalho. É a primeira geração.

Um deles, o engenheiro florestal responsável pelo viveiro de mudas que tem capacidade instalada para 14,4 milhões, me explicou que o eucalipto utilizado no processo da celulose não tem cheiro:

- O eucalipto de cheiro tem um óleo que prejudica o processo de extração da celulose ou da “pulp”.

É também uma floresta. Muito produtiva é verdade, mas sem cheiro.

Quer conhecer a Amazônia? Vá ao Peru.



  Quer conhecer a Amazônia? Vá ao Peru.


Não estou fazendo qualquer propaganda para as atrações turísticas de nosso vizinho, mas estou sendo sincero. Então, se tem uma graninha guardada e umas duas semanas pra “conhecer a Amazônia” vá ao Peru.


Fui conhecer a Reserva Nacional de Tambopata para ter algumas referências, “benchmark”, de instalações e políticas públicas de incentivo ao turismo, ou eco-turismo como alguns gostam de chamar, para um projeto no qual estava envolvido na época no Parque Estadual do Rio Negro, no estado do Amazonas.

Um grupo de turistas europeus e americanos e eu saímos de Porto Maldonado de voadeira subindo o rio Tambopata, que dá nome à reserva. Ela se encontra numa região conhecida como Andes Tropicais, que tem uma superfície de aproximadamente 30 milhões de hectares, indo da cordilheira Vilcabamba no Peru até o Noroeste da Bolívia.

Por conta da altitude elevada para os padrões da bacia amazônica, essa região tem uma incrível variedade de pássaros, inigualável em outros lugares. Não precisa dizer que essa variedade faz a alegria de turista, principalmente os “bird watchers” que rodam o mundo em busca de espécies exóticas para anotarem as descobertas em seu caderninhos.

O gestor da reserva é o INRENA (Instituto Nacional de Recursos Naturais), que está vinculado ao Ministério da Agricultura do Peru. Até 2001, o turismo nessa região, que é cercada por áreas protegidas, era praticado de forma desordenada e sem qualquer tipo de controle. No entanto a quantidade de turistas continuava aumentando e um plano de manejo bem elaborado criou regras e incentivos para que a atividade econômica totalmente alinhada a princípios de conservação decolasse. A localização de todos os empreendimentos turísticos é limitada a uma zona que dão o nome de “zona de amortecimento”. Dois anos depois, foram elaboradas as normas de condutas que, aparentemente simples, mostram um grande amadurecimento dos agentes envolvidos.

Quando áreas delicadas do ponto de vista ecológico se preparam para receber turistas, uma das prioridades é definir quais são os acessos que podem e que não podem ser utilizados, juntamente com a quantidade de turistas que será permitida irá, definindo assim o impacto inerente à atividade e o montante de recursos necessários para mitigá-los. Um dos funcionários do INRENA em Porto Maldonado e também um dos responsáveis pelo programa de turismo reforçou a idéia, mais uma vez aparentemente simples, mas negligenciada aqui no Brasil, de que:

- Só há disposição a pagar por algo quando há algo sendo oferecido em troca.

No caso da Reserva de Tambopata esse valor vem da quantidade de informação disponível, os programas de educação ambiental que envolvem as escolas de Porto Maldonado e principalmente a presença constante, muitas vezes no caráter de fiscalizador, do gestor da área. Lá existem nove postos de controle e mais 30 guarda-parques.

Longe de mim, querer sugerir que é papel do governo, seja estadual ou federal, oferecer esses serviços. Mas é papel sim oferecer linhas claras de uso, conduta e monitoramento, além das garantias necessárias para a iniciativa privada e a comunidade local investirem. Nada muito diferente do que já fazem em Tambopata.

Quando passei por lá, estavam prestes a iniciar um novo plano de uso turístico e abrir concessões privadas para atividades turísticas em três lagos localizados dentro da reserva.

Quem possui uma dessas concessões é uma empresa chamada “Rain Forest Expeditions” (TRC), que administra um “lodge” para turismo e pesquisas científicas o “Tambopata Research Center”.

De arquitetura simples, bom gosto e bastante prático o TRC, como é chamado, enche os olhos de qualquer mortal que já pensou alguma vez em montar uma pousada num lugar paradisíaco. Foi lá que passei duas noites depois de subir o rio Tambopata por aproximadamente seis horas numa voadeira pouco veloz.

Às 4h30 meu guia me acorda para ir ao fantástico “Macau clay click” que é um paredão de aproximadamente 30 metros de altura e 100 de comprimento, na beira do rio, e que serve como refeição matinal para centenas de araras de todas as cores possíveis e milhares de papagaios e periquitos.

O dia mal amanhece e já estamos estrategicamente posicionados em baixo de alguns arbustos, armados de binóculos e câmeras fotográficas, em frente ao Clay. Aos poucos os pássaros vão se aproximando e formando um espetáculo sensacional, uma verdadeira algazarra de cores e sons.

De acordo com uma palestra que assisti naquela mesma noite no TRC, as aves comem a argila como forma de desintoxicar e complementar sua dieta a base de frutas. A “Colpa Colorado”, como é conhecida, é considerada a maior do mundo. Coincidentemente estive na melhor época para observação desses animais, era o mês de setembro.

O turismo definitivamente não é a panacéia para a Amazônia brasileira, mas regiões próximas à Manaus, Belém, Macapá e tantas outras, que disponham de um bom aeroporto, têm muito que aprender com esse caso peruano.

Por cima da Floresta.

Por cima da Floresta.



Como a Amazônia funciona, representando um grande ambiente regional e qual a sua influência no clima global? Como as mudanças no uso da terra na Amazônia e as mudanças no clima afetam as funções biológicas, químicas e físicas da Amazônia, incluindo a sustentabilidade do desenvolvimento da região?

São respostas para essas duas perguntas que o maior projeto de cooperação científica internacional na Amazônia busca formular. Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia ou simplesmente LBA, como é conhecido, esse projeto foi iniciado em 1998 e tem mais de 120 pesquisas em andamento com a participação de mais de 1600 pesquisadores brasileiros e internacionais. Agências como a NASA e tantas outras da Europa estão envolvidas. Num país onde ciência e pesquisas são muitas vezes negligenciadas e colocadas em segundo plano, o LBA é sem dúvida um divisor de águas.

A idéia é mostrar a relação entre a Amazônia e os ciclos naturais da Terra, principalmente os que estão conectados diretamente ao clima. As conclusões mais preliminares mostraram que é em escala global e não somente regional que este enorme ecossistema se torna importante para a manutenção da saúde do planeta todo.

São 16 torres construídas por toda a Amazônia e munidas de aparato necessário para medir e entender a inter-relação entre floresta e atmosfera. A principal dessas torres e também a base para os pesquisadores e cientistas estão localizadas há apenas duas horas de Manaus: uma asfaltada e outra em estrada de terra. Mantida pelo Instituto de Nacional de Pesquisas da Amaziônia (INPA), essa base pode abrigar até 15 pessoas com relativo conforto. Com 52 metros de altura a torre é toda feita em alumínio e foi construída na Holanda em 1999.

A vista do topo é fantástica. A impressão que temos é a de estar flutuando sobre um enorme tapete de diferentes tons de verde. Papagaios e macacos são facilmente avistados contrastando com equipamentos de última geração em coleta e análise de gases, temperatura e mudanças atmosféricas.

Em minha primeira visita à torre fui guiado por Alexandre Santos, que na época era meu vizinho em Manaus. Passamos mais de duas horas juntos no topo da torre. Enquanto ele fazia sua coleta semanal dos dados acumulados com um pequeno laptop, me explicava as razões do projeto e as últimas descobertas científicas. Era 23 de Agosto de 2006. Poucas semanas depois, Alexandre se tornou um dos 155 passageiros do vôo da Gol que colidiu com outra aeronave entre Manaus e Brasília. De alguma maneira fica aqui minha homenagem ao jovem cientista.

Entre todos os pesquisadores do INPA, o norte-americano Philip Fearnside é em minha opinião o mais destacado e sem dúvida um dos mais ativos. Pesquisador do departamento de ecologia, Fearnside mora e estuda a Amazônia brasileira há mais de 30 anos. Já participou, na maioria das vezes como principal autor, de mais de 390 publicações que de alguma maneira relaciona as contradições entre desenvolvimento e meio ambiente. Utilizando modelos de computador, ele prevê o futuro da Amazônia baseado nos atuais níveis de desmatamento, migração humana, rodovias existentes e planejadas, e outros projetos de infra-estrutura em geral.

Magro, muito alto, com um grande par de óculos e um enorme bigode grisalho que esconde o movimento de sua boca enquanto fala, Fearnside foi entrevistado no topo da torre da LBA e suas respostas e explicações mostram um profundo conhecimento dos ciclos naturais desse fantástico ecossistema. Ele vem ocupando os últimos anos de sua vida profissional estudando a relação entre a Amazônia e o aquecimento global:

“A forma como medimos a quantidade de CO2 na atmosfera é em partes por milhão (ppm), sendo a média no mundo hoje 380 ppm. Muitos cientistas consideram 400 ppm como ´perigoso`. Com as atuais atividades industriais esse número está aumentando em 2,6 ppm todos os anos, nos aproximando de conseqüências muito sérias. Daí a urgência de diminuir drasticamente essas emissões.

A Amazônia tem um papel chave nesse processo, além é claro da redução drástica na queima de combustíveis fósseis. Então é necessário acabar com o desmatamento já! Pois trata-se de uma tremenda adição de gases que causam o aquecimento. No Brasil é a principal fonte de emissão e sua redução pode ser benéfica para o país, pois o que está sendo produzido pelas pastagens que substituem as florestas é mínimo comparado ao tamanho da economia brasileira.

Por outro lado os chamados ´serviços ambientais` que mantém a quantidade de chuvas e evitam uma série de impactos são muito mais valiosos. É uma questão de traduzir esse valor numa maneira que mude a forma como as decisões são tomadas. É uma tremenda oportunidade que ainda não foi realizada. A questão do carbono é só a primeira que dispõe de um mecanismo monetário associado, mas há muitas outras envolvidas como, por exemplo, água e biodiversidade.

Temos que acelerar o processo diplomático para que tenhamos esses mecanismos em prática antes que percamos mais florestas e consequentemente seus ciclos, tornando o processo de aquecimento global ainda mais difícil de se controlar.”

Ouvir esse ilustre cientista me dá a certeza de que aquilo que já sabemos a respeito da Amazônia é suficiente para formular as devidas políticas públicas, evitando seu colapso e consequentemente o colapso do clima no planeta.