Diamantes para toda obra
Do espaço ao fundo da Terra, o diamante entra em cena quando
nenhum outro material agüenta trabalho pesado ou executado em condições
adversas. Incorporado à eletrônica, ele promete revolucionar o mundo dos
computadores
É apenas uma pedra, de estrutura simples, composta por átomos
do elemento básico de toda forma de vida., o carbono. Raro, elaborado
pela natureza há milhões de anos em camadas profundas da Terra, o
diamante desde a Idade Média tem sido o ornamento mais fascinante e
valioso das coroas reais e das jóias das mulheres afortunadas. Ao longo
das últimas décadas ele se tornou também uma pedra preciosíssima para
cientistas que pesquisam materiais.
Essa jóia, porém, não é
natural nem nasce no fundo da Terra, mas em laboratórios. Como uma
versão contemporânea dos alquimistas medievais, que procuravam a pedra
filosofal para transformar chumbo em ouro, esses cientistas fazem
diamantes a partir de substâncias tão pouco nobres como grafita ou gás
metano. Longe de criar pedras para ornamentar anéis, eles buscam
aperfeiçoar um material que pode se tornar o trampolim de um novo salto
tecnológico, promessa mais concreta do que os badalados supercondutores
cerâmicos anunciados alguns anos atrás.
Por suas propriedades, os
diamantes se constituem num espécie de panacéia tecnológica, remédio
para problemas em locais tão diversos quanto usinagem de metais,
instrumentos medidores de radiação, computadores, naves espaciais e
perfuração de petróleo. Um diamante, seja natural ou sintético, é o
material mais duro que existe, diz o físico João Herz da Jornada, chefe
do Grupo de Física de Altas Pressões da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, que pesquisa a síntese de diamantes há seis anos. Isso
significa que a pedra risca e penetra qualquer outro material, mas não
pode ser riscada por nenhum deles. Duro mas frágil: devido ao tipo de
arranjo molecular dos átomos de carbono, o diamante quebra quando leva
pancadas em determinados planos. Mas sua resistência à abrasão é
poderosa, o que lhes permite desgastar de cerâmicas a metais e sofrer
bem pouco ataque.
Diamantes são também os melhores condutores
térmicos, ou seja, dissipam calor mais rápido que qualquer outra
substância, ao passo que são isolantes elétricos, impedindo a passagem
de correntes elétricas. Inertes quimicamente, dificilmente reagem com
outras substâncias, passando incólumes por banhos de ácido capazes de
dissolver metais.Tudo isso misturado numa só pedrinha, e tem-se a
receita de um material quase perfeito. Até 1955, quando nos laboratórios
da General Electric americana foi produzido o primeiro diamante
sintético, dependia-se apenas dos naturais que haviam se dignado a subir
à superfície da Terra. Somente em 1797, o químico inglês Smithson
Tennant provou que o diamante era simplesmente uma forma de carbono:
queimado na presença de oxigênio, virava dióxido de carbono, como
acontece com a grafita ou com o reles carvão vegetal. O século e meio
seguinte foi de corrida para ver quem descobria a receita de transformar
grafita em diamante, em que a GE chegou primeiro.O método desenvolvido
pela GE é a técnica de alta pressão e alta temperatura. Junta-se um
pouco de grafita, um catalisador (metais como ferro, cobalto e níquel),
faz-se um sanduíche de várias camadas, colocando-o no centro de uma
câmara de alta pressão. No Laboratório de Alta Pressão da Federal
gaúcha, montado com máquinas e equipamentos totalmente projetados e
construídos no Brasil (e iguais aos estrangeiros ), essa câmara é o furo
central de um disco de carboneto de tungstênio. uma liga superdura.
Colocada
numa prensa de 500 toneladas, a câmara atinge a pressão de 50 000 a 60
000 atmosferas1 atmosfera é a pressão do ar ao nível do mar. Uma
corrente elétrica passa então por dentro da câmara e aquece o sanduíche
na temperatura ideal de 1 500ºC. Em cinco minutos, tem-se uma mistura
solidificada de diamantes pequenininhos e metal. Um banho de ácido
dissolve o metal e ficam só as pedrinhas. Parece simples, mas é preciso
controlar muito bem temperatura e pressão, para que o processo seja
eficiente.Acima de 1 000 graus Celsius, o diamante em pressão normal se
grafitiza. Isso só não acontece na câmara por causa da alta pressão,
condição em que a forma estável do carbono é o diamante. Quando se quer
uma pedra maior, monocristalina, um pequeno diamante é colocado na base
da câmara, e ali o carbono vai se depositar, fazendo-o crescer, num
processo que pode demorar uma semana.Foi assim que o laboratório da GE
fabricou seu diamante ultrapuro, com 99,9% de isótopos de carbono-12
(enquanto os naturais têm 99% ), e apenas 0,1% de carbono-13,
considerado uma impureza. Esse ultrapuro consegue a proeza de conduzir
calor com 50% a mais de eficiência do que o diamante natural. Do
diamante, costuma-se dizer que é para sempre, mas na verdade não deveria
ser nem por trinta segundos. Na temperatura e pressão da superfície da
Terra, a forma estável do carbono é a grafita. O diamante é a forma
metaestável, ou seja, só continua existindo porque não há energia
suficiente (alta temperatura) que sacuda seus átomos e o faça retornar à
forma estável, a grafita.
Calcula-se em 1 bilhão de dólares
anuais o mercado mundial de diamantes sintéticos, Graças a sua dureza, o
diamante entra em cena na indústria toda vez que ferramentas normais
não dão conta do serviço pesado. Só nos automóveis, cada um que sai da
linha de montagem deixa para trás 1 quilate (0.2 grama) de diamante
gasto em sua produção. Como nessa indústria trabalha-se muito com peças e
ferramentas de materiais duros e abrasivos, o diamante é quem dá melhor
resultado nas usinagensretiradas de material para que as peças atinjam
as dimensões exigidas e acabamentos. como polimento de discos de freio
ou dos cilindros dos motores. Quem faz esse trabalho é o chamado
policristalino de diamante, ou PCD, uma das formas de aplicação do
diamante industrial que nada tem a ver com as gemas vistosas incrustadas
nos anéis.Quase 90% dos diamantes industriais são sintéticos. Pedrinhas
minúsculas, com tamanho variável entre 1 200 e 0,25 mícrons (1 mícron é
1000 vezes menor que 1 milímetro), parecem a olho nu um punhado de
purpurina extremamente brilhante. O PCD é feito com milhares de
diamantes de 10 mícrons colocados sobre uma base de metal-duro, uma liga
de carboneto de tungstênio com cobalto. Sob alta temperatura e pressão,
o cobalto penetra nos interstícios entre os diamantes, unindo os
pedacinhos num corpo agora inteiro, com formatos diversos e tamanhos de
até 5 centímetros.
Além da indústria automobilística, o PCD é
usado na aeronáutica, para trabalhar os novos materiais leves e
resistentes como kevlar e fibra de carbono."No caso da fibra de carbono,
é imprescindível o uso de ferramentas que sustentem o poder de corte
por muito tempo, como as de diamante, pois se ficarem cegas estragam a
fibra", explica o engenheiro Luiz Carlos Caetano da Silva, da De Beers
Diamantes Industriais do Brasil. Outro processo de construir ferramentas
diamantadas é a sinterização, em que grãos de diamantes são misturados a
ligas metálicas que aprisionam esses grãos. Essa liga cravejada de
pedras pode ser posteriormente soldada a diferentes bases, formando
ferramentas como rebolos, serras e limas. Uma das ferramentas mais
importantes é a broca para perfuração de poços de petróleo. Com o
diamante sinterizado na ponta, a broca vai perfurando várias camadas de
rocha até perto de 4 000 metros de profundidade. Só o diamante consegue
chegar lá inteiroainda que as pedras sofram desgaste no processo, ele é
muito menor do que o sofrido por qualquer outro material que fosse
utilizado, tornando a broca resistente por mais tempo. Segmentos
sinterizados de diamantes são aplicados também em serras. Elas cortam
qualquer pedra que apareça pela frente, de mármore e granito a concreto.
O
método mais moderno de fabricar diamantes sintéticos é chamado CVD,
sigla de Chemical Vapour Deposition, ou deposição de vapor químico,
inventado por soviéticos há mais de dez anos. Os avanços científicos e
técnicos nesse método, nos últimos quatro anos, transformaram- no na
última moda em laboratórios de todo o mundo. "Nesse processo, não se
passa de uma fase a outra, mas de uma substância a outra". afirma o
físico Rogério Pohlmann Livi, do Grupo de Altas Pressões da Federal do
Rio Grande do Sul.A matéria-prima aqui não é a grafita, mas o gás metano
(CH4). Numa proporção de mais de 99% de hidrogênio e menos de 1% de
metano, o gás é levado a um recipiente de vidro protegido com quartzo e
passa por um filamento de tungstênio, semelhante ao das lâmpadas
domésticas, onde é aquecido a 2 000°C. A temperatura ativa o gás e
quebra as ligações moleculares, ocorrendo a formação de radicais livres
(CH3, CH2,CH, etc.). Em muitos experimentos o gás é ativado por
microondas, Iaser ou até mesmo pelas reações químicas em
maçaricos.Dentro do recipiente de vidro fica a base onde vai se formar o
diamante, o substrato, geralmente uma plaquinha de silício mantida
aquecida a 800°C. Cada molécula de CH3 se deposita sobre o substrato,
deixando ali o carbono e liberando o hidrogênio.
Os átomos de
carbono se arranjam então na forma de diamante, microscópicos cristais
nascendo ao longo do substrato, num processo chamado nucleação. Os
pequenos cristais de diamante espalhados pela superfície crescem até se
tocarem, formando uma camada continua. O resultado do CVD, portanto, é
um filme de diamante policristalino, ou seja, formado por milhares de
infinitesimais cristais de diamantes agregados.A invenção do CVD foi um
achado. É certo que ele ainda custa muito mais do que o de alta
pressãocalcula-se em 100 dólares por quilate, pois são necessárias
cerca de dez horas de um consumo extraordinário de energia para fabricar
um 1 filme de 1.5 cm x 1.5 cm com até 10 mícrons de espessura. Apesar
do preço ainda elevado, essa nova técnica permite o revestimento de
diamante em superfícies relativamente extensas (atualmente mais de 100
centímetros quadrados) e com formas complexas, o que viabiliza um grande
número de novas aplicações.Por outro lado, para campos tão diferentes
como revestimentos antiabrasivos, ferramentas de corte e
microeletrônica, apenas camadas muito finase portanto baratassão
necessárias. Estima-se que a introdução do processo CVD irá ampliar
consideravelmente o mercado do diamante sintético, dos atuais 1 bilhão
de dólares por ano para algo em torno de 7 bilhões de dólares por ano.
Imune a radiações, o diamante daria um ótimo passageiro a bordo de naves
espaciais, já que passaria ileso pelo mar de raios lá em cima, como os
ultravioleta e os raios X.
É uma janela perfeita também para
aparelhos de raios laser. Isso tudo, se ainda não é uma realidade
comercial, já é viável tecnologicamente. Porém, um dos grandes desafios
pelos quais fervilham os laboratórios que pesquisam materiais em todo o
mundo é aprender a usar o potencial do diamante como semicondutor, na
fabricação de chips com características muito melhores do que os
existentes hoje, baseados no silício.Melhor dissipador de calor já
nascido ou inventado, e transportando impulsos elétricos a velocidades
muito superiores à do silício o diamante poderia fazer maravilhas dentro
de um computador. Os chips de silício, que fazem o trabalho de
processar informação, já pedem água por tanto esforço que fazem. A
movimentação dos elétrons dentro deles produz calorassim, quanto mais
informação passa mais ele fica quente, e acima de 200 ou 300°C o chip
está destruído. A 1 50°C ele já não funciona direito, um problema sério
para computadores a bordo de automóveis, veículos militares e mísseis,
que nem sempre trabalham sob sombra e água fresca, como aconteceu
recentemente na Guerra do Golfo Pérsico. Supercomputadores, não fossem
seus eficientes sistemas de refrigeração, simplesmente não poderiam
funcionar.
Embora seja isolante elétrico, o diamante, tal e qual o
silício, vira um semicondutor quando dopado (adicionado de impurezas)
com outra substância, nesse caso o boro. Só que a confecção de chips de
diamante para computadores e outros equipamentos eletrônicos, pelas
mesmas tecnologias existentes para o silício, esbarra na inabilidade em
se produzirem camadas finas monocristalinas do material. Por enquanto,
só se consegue fazer crescer filmes policristalinos (um aglomerado de
monocristais).Por isso, em dezenas de laboratórios do mundo, existe hoje
uma corrida louca atrás do crescimento epitaxial (com a mesma
orientação cristalina) de diamante sobre silício e outros materiais,
tendo como resultado as duas camadas monocristalinas. Mesmo que isso
seja conseguido, existem muitos outros problemas a serem resolvidos para
a fabricação de chips comerciais, como contatos elétricos, dopagern
seletiva, adesão de camadas e temperatura de funcionamento", adverte
João Herz da Jornada. De qualquer forma, protótipos de diodos e
transistorespeças básicas dos chips feitos de diamante já provaram seu
funcionamento em laboratório. Fazê- los trabalhar no mundo real parece
ser uma questão de tempo e de desenvolvimento tecnológico. Quando esse
dia chegar, os computadores verão o futuro mais brilhante.